Verba Legis 2022

Memória da Justiça Eleitoral

 

Os 90 anos da Justiça Eleitoral Brasileira e as iniciativas de Gestão da Memória do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás

por Filipe Petres Dellon da Silva, Historiador do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás

 

As eleições e o exercício do voto são realidades no Brasil desde seu período colonial, claro que com as devidas ressalvas de cada época. Ainda que o objetivo seja representar a escolha popular, o processo eleitoral sempre passou por problemas estruturais de fraudes e votos de cabrestos. Como uma das formas de diminuir isto, a criação da Justiça Eleitoral Brasileira veio como uma solução e, sempre teve papel ativo no processo histórico e nas transformações sociais do Brasil, ao passo que também é afetada por essa mesma linha do tempo.

Neste início da década de 2020, diante das crises econômicas da segunda metade da década de 2010 e a instabilidade política do mesmo período, as instituições públicas do Brasil e o Poder Judiciário têm sofrido com excessos de desconfianças e questionamentos, os quais acreditava-se já terem sido superados. Diante desse cenário, torna-se imprescindível o resgate da memória pública pelas próprias instituições, não só das instâncias superiores, mas, também, em todos os níveis do Poder Judiciário brasileiro como forma de valorizar e fortalecer seu papel perante a sociedade.

Pensando nisso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) passou a exigir dos Tribunais nos últimos anos, adequações à Gestão de Memória e de Arquivo com a instituição do Programa Nacional de Gestão Documental e Memória do Poder Judiciário. Inicialmente, com a Recomendação CNJ nº 37, de 15 de agosto de 2011, e, depois, com a edição da Resolução CNJ nº 324, de 30 de junho de 2020, as diretrizes do Proname passaram a ter caráter obrigatório, forçando os órgãos do Poder Judiciário à criação de políticas próprias nessas áreas. Tal processo veio consolidar a memória institucional do Poder Judiciário de forma mais profunda na sociedade, e tem, nos diferentes estados brasileiros, iniciativas com impacto mais direto na população. Neste texto, veremos mais especificamente o caso da Justiça Eleitoral de Goiás.

No dia 22 de fevereiro de 2022, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deu início às solenidades de comemoração dos 90 anos da Justiça Eleitoral e da conquista do voto feminino no Brasil, que também completou 90 anos, já que foi estabelecido no Código Eleitoral de 1932. Além do TSE, a campanha dos 90 anos da Justiça Eleitoral foi amplamente nacionalizada com ações regionais de outros Tribunais Eleitorais. Na Justiça Eleitoral de Goiás, a abertura da solenidade se deu na 16ª Sessão Plenária Ordinária do Tribunal Pleno, no dia 24 de fevereiro de 2022. Nela, foi comemorada a inauguração da aba no Memorial Virtual sobre os Juízes que atuaram nas Zonas Eleitorais de Goiás, antes e depois do último processo de rezoneamento em 2020.

O mês de abril intensificou os eventos relacionados à Memória do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO) durante o ano de 2022. No dia 19, ocorreu a inauguração das galerias de Presidentes, Vice-Presidentes e Diretores Gerais, além da expansão do espaço físico do Memorial da Justiça Eleitoral, que passou a ser denominado Centro de Memória da Justiça Eleitoral Desembargador Geraldo Crispim Borges. A solenidade contou com a doação, realizada pela família, de objetos profissionais do Desembargador Geraldo Crispim Borges quando atuante no Poder Judiciário.

No dia 21 de abril, em sessão plenária do TRE-GO, foi lançada a Revista Comemorativa dos 90 Anos da Justiça Eleitoral em Goiás, a qual tem sido distribuída e divulgada nos eventos da Justiça Eleitoral e entre os órgãos do Poder Judiciário e do setor público em geral.

Todo mês de maio de 2022 há grande movimentação e atividades da Memória institucional, pois por meio da Resolução CNJ n° 316, de 22 de abril de 2020, o dia 10 de maio foi instituído como o Dia da Memória do Poder Judiciário. Durante esse período, a Comissão de Gestão da Memória e Cultura participou do II Encontro Nacional de Memória do Poder Judiciário realizado em Recife-PE, no Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, entre os dias 10 e 13 de maio. Além da capacitação, o encontro permitiu novas conexões e doações ao acervo museológico do TRE-GO, de uma urna de madeira pelo Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco e de duas urnas de lona branca pelo Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo.

Além disso, o mês de maio trouxe a I Semana de Memória do Poder Judiciário Goiano, uma iniciativa unificada do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO), Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (TRT-18) e Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO) para a celebração e construção da memória institucional mais pujante do Poder Judiciário em Goiás. O evento, realizado de 18 a 20 de maio, contou com um formato híbrido, com palestras em auditórios dos três tribunais (abertura no auditório do TJ-GO, o segundo dia no TRE-GO e o terceiro dia no TRT-18).

O primeiro dia de evento contou com a assinatura de um termo de cooperação técnica entre os três tribunais, além da palestra do Dr. Carlos Alexandre Böttcher. Nota 01 No Tribunal Regional Eleitoral de Goiás foram realizadas palestras com a Dra. Mônica Duarte DantasNota 02, e a Me. Yordanna Lara Pereira RegoNota 03, além de mesa de debates entre os gestores de memória e de arquivologia dos três tribunais. O encerramento foi no auditório do TRT-18, ocasião em que o TRE-GO lançou a Cápsula do Tempo, com informações colhidas desta época, dentre as quais as respostas da população sobre “O que você espera da Justiça Eleitoral daqui 10 anos”, com abertura prevista para o dia 23 de fevereiro de 2032, nas comemorações do centenário da Justiça Eleitoral.

Nos meses seguintes, a Comissão de Memória e Cultura da Justiça Eleitoral de Goiás organizou as atividades do segundo semestre, estabelecendo metas para o Planejamento Estratégico 2022-2026 e para o Plano de Gestão de 2022-2024. Realizou reuniões e firmou parcerias externas com a Secretaria de Cultura do Estado, Secretaria de Cultura de Goiânia, Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico e Academia Goiana de Letras. Textos de memória foram divulgados nas redes sociais do TRE-GO, como exemplo, o informativo sobre a comemoração dos 85 anos de instalação da Justiça Eleitoral em Goiânia, no dia 14 de julho de 1937. Ainda, houve a contratação de uma profissional de Museologia para o planejamento e criação do Plano Museológico do Centro de Memória.

Pensando nos avanços tecnológicos e como parte da demanda do Prêmio CNJ de Qualidade 2022, a Gestão de Memória, em conjunto com a Gestão Documental e a Tecnologia da Informação, criou um Repositório Arquivístico Digital Confiável (RDC-Arq) para seus arquivos permanentes e históricos, por meio dos programas Archivematica e Atom, disponíveis no Portal do TRE-GO.

A mudança na composição da Comissão de Gestão da Memória e Cultura do TRE-GO também ocorreu durante este período, com o encerramento do biênio do Juiz Eleitoral, Dr. Carlos José Limongi Sterse, e com a designação do Juiz Eleitoral, Dr. Abílio Wolney Aires Neto pela Portaria PRES n° 140, de 04 de julho de 2022. Ainda no mês de julho, editou-se a Portaria PRES nº 184, do dia 20 de julho de 2022, que alterou a nomenclatura da referida Comissão, que passou a ser denominada Comissão de Gestão da Memória e Cultura, demonstrando a importância e a consciência de intervenção da memória nas políticas sociais da Justiça Eleitoral.

Em 19 de agosto de 2022, sexta-feira, a Comissão de Gestão da Memória e Cultura organizou o I Sarau Cultural - Literatura e Música, em comemoração aos 90 anos de instalação da Justiça Eleitoral de Goiás, na antiga Câmara dos Deputados da cidade de Goiás, ocorrida em 20 de agosto de 1932. O evento contou com declamação de poesias, exposição em haicai, música de Choro ao vivo, exposição de livros e revistas de servidores da Justiça Eleitoral e da Academia Goiana de Letras, além do lançamento do livro “Sobre Deuses e Homens” do Desembargador Luiz Cláudio Veiga Braga, Juiz Membro Substituto do TRE-GO. O evento, realizado de forma inovadora em conjunto com a Biblioteca Valdo Teixeira, reforçou e valorizou, não só a memória, mas a cultura e as obras bibliográficas da instituição.

Outra iniciativa da Gestão da Memória em 2022 foi a campanha de doação de títulos de eleitores antigos, que após a divulgação em jornais de grande circulação e nas redes sociais do TRE-GO, recebeu em 20 de setembro a doação de dois exemplares desse documento histórico de servidores e familiares de antigos juízes e desembargadores da Justiça Eleitoral de Goiás. Dentre as fotos e títulos de eleitores antigos, destacam-se o título de eleitor de n°1, do Desembargador Elísio Taveira, confeccionado no modelo de número oito, à época recém-criado pela Lei nº 2.550, em 25 de julho de 1955. Além disso, foi recebido o antigo título de eleitor do ex-Juiz Membro deste Tribunal, Dr. Marco Antônio Caldas, também do citado modelo.

Ainda, uma réplica de pelouro utilizada no período colonial, foi esculpida em argila e doada ao Centro de Memória pela servidora Flávia de Castro Dayrell para compor a sala de exposição das urnas da Justiça Eleitoral.

No final do mês de setembro, o Centro de Memória da Justiça Eleitoral de Goiás Desembargador Geraldo Crispim Borges passou por mudanças em seu acervo, com a inclusão de documentos coletados em viagens a diferentes Cartórios Eleitorais. Além de pesquisa no acervo arquivístico do TRE-GO, foram selecionados alguns documentos para serem musealizados e expostos, como fichas e folhas de votação, livros de eleições anteriores à criação da Justiça Eleitoral, objetos rotineiros usados pelo Tribunal Pleno. Esse acervo, junto ao já existente, foi redimensionado e redistribuído dentro dos expositores do Centro de Memória.

No dia 26 de setembro, o Centro de Memória recebeu a primeira visita, após a pandemia de COVID-19, de alunos e professores de escolas públicas municipais de Goiânia, guiados pelo historiador e pela arquivista do TRE-GO. Esses estudantes e docentes participaram do Programa Eleitor do Futuro, projeto da Escola Judiciária Eleitoral de Goiás sobre cidadania e processo eleitoral brasileiro.

Existem outras iniciativas e ideias em desenvolvimento pela Comissão de Gestão da Memória e Cultura para o ano de 2023, como a iluminação do prédio histórico para o Natal, a formação de grupo de Coral e a realização de exposições temporárias. Vê-se, assim, que essas atividades e projetos do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás são parte de uma mudança na forma de como o Poder Judiciário lida com sua própria Cultura.

Tendo como instrumento a Memória, o Conselho Nacional de Justiça incentiva que variadas iniciativas se desenvolvam nos Tribunais. Ao mesmo tempo nota-se que esses trabalhos só são bem estruturados quando existe uma equipe ativa e disposta a pensar e realizar projetos sobre o tema.

Com o apoio das lideranças e gestores desses órgãos, pode-se chegar a uma realidade onde o Poder Judiciário tenha uma memória institucional ativa e, por consequência, com mais pessoas frequentando seus espaços, confiando no trabalho desse pilar democrático e contribuindo na construção de uma Justiça cada vez mais diversa, acessível e transparente.



Notícias de iniciativas da Memória da Justiça Eleitoral de Goiás em seus 90 anos:



Nota 01 Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e um dos principais coordenadores na criação das atuais políticas de gestão da memória do Poder Judiciário.

Nota 02 Professora de História do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo.

Nota 03 Mestra e pesquisadora em Antropologia Social da Universidade Federal de Goiás.