Verba Legis 2022

JURISPRUDÊNCIA

 

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA (156) - PROCESSO N. 0600207-96.2017.6.09.0000 - GOIÂNIA - GOIÁS
Decisão Monocrática n° 37033598/2022
Relator : Juíza Mônica Cezar Moreno Senhorelo
Publicação : DJE - Diário de Justiça Eletrônico
Data : 21/06/2022


DECISÃO MONOCRÁTICA

 

Trata-se de petição apresentada pela UNIÃO, no ID 36974336, na qual requer que seja determinada a retenção de percentual de cotas do Fundo Partidário recebidas pelo Partido Republicando da Ordem Social - PROS, com fundamento nos termos do art. 37, § 3º, da Lei nº 9.096/1995 c/c artigos 49, §3º, II, e 60, III, "a" da Resolução TSE n. 23.464/2015.

Intimado para manifestar, o Partido refuta a pretensão da União, sob o argumento de que se trata de verba impenhorável, nos termos do art. 833, inciso XI, do Código de Processo Civil, e requer que seja deferido o acordo de parcelamento, em máximo legal.

Após a União manifestar concordância com o pleito, o Partido foi reiteradas vezes intimado para entrar em contato com a Advocacia-Geral da União para as tratativas do acordo, entretanto, permaneceu silente, de modo que a União veio reiterar o pedido de retenção de valores das cotas do Fundo Partidário (ID 37015713).

É o suficiente relato.

Decido.

Diante da notória renitência do partido em pagar o seu débito, não se pode ignorar o apelo da União, inconformada com a tentativa frustrada de finalizar o acordo de parcelamento.

E, em contrapartida, não se desconhece que o artigo 833, em seu inciso XI, do Código de Processo Civil diz expressamente que os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político são impenhoráveis.

Todavia, é de se ponderar que, a partir da proibição de doação de pessoa jurídica pelo Supremo Tribunal Federal, tornou-se praticamente impossível o pagamento das dívidas dos partidos em execuções apenas por meio de recursos próprios, uma vez que basicamente a única fonte de receita dos partidos passou a ser os fundos públicos.

Sobre a palpitante controvérsia, em recente decisão (9356712- 42.2008.6.09.0000), já tive a oportunidade de externar sintonia com o posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral que passou a sinalizar pela relativização do dogma da impenhorabilidade do fundo partidário (PC n. 30672, do Ministro Relator Tarcísio Vieira De Carvalho Neto, julgado em 2019).

E esse posicionamento se consolidou no julgamento finalizado recentemente, na sessão do dia 10/02/2022, no Respe 0602726, uma vez que o processo encontrava-se com vista ao Ministro Mauro Campbell Marques, cujo voto foi determinante para consolidar a maioria no plenário e para a virada jurisprudencial do Tribunal Superior Eleitoral.

Em seu percuciente voto, o eminente Ministro traz à tona o seu ponto de vista quanto à ponderação no conflito entre a norma do art. 833, inciso XI, do Código de Processo Civil e as regras e princípios do direito eleitoral que norteiam a fiscalização das contas e a declaração da Justiça Eleitoral de malversação na utilização dos recursos públicos.

Pela importância, transcrevo um excerto do voto, verbis:

“A cláusula de impenhorabilidade deve ser interpretada com vistas a conferir prevalência ao interesse público inato ao ordenamento jurídico político-eleitoral, seja em relação ao partido político, seja em relação à sociedade, que fiscaliza os recursos públicos por meio do processo de contas partidárias – de exclusiva tramitação nesta seara especial.

Anoto que essa compreensão está em conformidade com o art. 17, III, da CF, c/c os arts. 34, 36, 37 e 37-A da Lei nº 9.096/1995 e 25 da Lei nº 9.504/1997, os quais preveem sanções que subtraem dos partidos políticos o acesso às verbas do Fundo Partidário nas hipóteses ali especificadas.

A meu sentir, essa constatação, por si só, afasta a tese do recorrente de que a manutenção da constrição judicial, no caso, causaria “[...] prejuízos ao executado, que só dispõe das verbas do fundo partidário para movimentar as finanças [...]” (ID 30384188, fl. 6).

Ademais, como se vê, a própria agremiação afirma que não dispõe de recursos privados para custear suas despesas. Nesse norte, tendo em vista que, atualmente, a quase totalidade da receita financeira dos partidos é oriunda de recursos públicos, o óbice à penhora dos recursos do Fundo Partidário se traduziria em verdadeira salvaguarda para o descumprimento de determinações judiciais exaradas por esta Justiça Eleitoral no exercício de sua competência constitucional de fiscalizar os gastos custeados com verba pública, de modo a tornar ineficaz toda a sistemática que rege a fiscalização das contas partidárias (e eleitorais).

Dado o atual cenário de financiamento partidário essencialmente público, o reconhecimento da impenhorabilidade absoluta dos recursos do fundo público acarretaria, na minha compreensão, as seguintes, e deletérias, consequências ao processo eleitoral:

a) mitigação do princípio da especialidade, força motriz do ordenamento jurídico político-eleitoral;

b) violação aos princípios da moralidade, transparência, probidade, finalidade e economicidade, essenciais à legitimidade do gasto público e ao sistema democrático, ante a ineficácia da determinação – infelizmente corriqueira nesta Justiça Eleitoral – de ressarcimento ao erário de verbas públicas irregularmente aplicadas e/ou não comprovadas;

c) ofensa ao princípio da isonomia, uma vez que a constrição judicial somente atingiria os partidos políticos que lograram obter recursos privados;

d) esvaziamento do processo de fiscalização das contas efetuado por esta Justiça especializada e desnaturação da força cogente da decisão judicial transitada em julgado, ante a impossibilidade de sua execução e o esgotamento dos meios de recuperação do dinheiro público malversado;

e) desmotivação para a captação, pelo partido político executado, de recursos de origem privada, tornando cada vez mais frágil o elo entre o filiado/cidadão e o partido;

f) desprestígio à atividade fiscalizadora da Justiça Eleitoral, do Ministério Público e da sociedade.”

E, ao final, para o que importa, restou ementado no acórdão que “a natureza pública do Fundo Partidário motiva a regra da impenhorabilidade prevista no art. 833, XI, do CPC, mas não impede em casos excepcionais, notadamente quando os valores em execução decorrem exatamente do reconhecimento pela Justiça Eleitoral de que tais recursos foram malversados e, exatamente por isso, devem ser ressarcidos ao Erário. Intelecção diversa poderia levar a dupla implicação negativa: a) o erário é vitimado na malversação dos recursos repassados para exercício específico da atividade partidária e; b) é vitimado – quando reconhecida a necessidade de sua recomposição exatamente pela malversação - pela blindagem decorrente da consideração de que eventuais valores remanescentes são absolutamente intocáveis. 7. No caso em apreço, na forma delineada pelo quadro fático assentado no acórdão regional, não se observa violação da norma constante do art. 833, XI, do CPC, tampouco do princípio da menor onerosidade, seja pela modicidade dos valores, seja pela ausência de demonstração de que tal constrição efetivamente impacta a subsistência do Diretório partidário de forma intensa, seja sobretudo porque não se preocupou o executado, ora recorrente, em indicar como pretende pagar o que deve (ID 30382938).” (Respe 0602726-21.2018.6.05.0000, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAIS, julgado em 10/02/2022, publicado no DJe em 18/03/2022).

Assim, adiro ao precedente externado recentemente pela Corte Superior Eleitoral acima aludido para acolher o pedido de penhora de percentual de cotas do fundo partidário, o qual deve ser, doravante, adotado como diretriz para julgamentos de demandas análogas futuras, e o faço em homenagem à uniformização e previsibilidade das decisões judiciais, mormente porque cabe à instância máxima da Justiça Eleitoral o papel da pacificação jurisprudencial e de dirimir conflitos entre normas especiais do direito eleitoral e a legislação comum.

Anota-se que, no Cumprimento de Sentença nº 0000118-64, já perfilhei tal entendimento.

Por outro lado, destaca-se das normas eleitorais sobre o tema acerca do poder discricionário do magistrado para o sopesamento das concretas situações aferidas durante a marcha processual, razão pela qual ficará ao seu arbítrio a quantificação do parcelamento a ser deferido em razão do débito, dentro dos critérios da razoabilidade e proporcionalidade, sem, contudo, deixar de observar o caráter sancionador da penalidade.

Assim, atenta ao princípio da menor onerosidade (art. 805, CPC), sem perder de vista o caráter sancionatório, DEFIRO o pleito da União, no sentido de autorizar parcelamento do débito sobre o valor das cotas recebidas mensalmente à título de fundo partidário pelo partido.

E, considerando o decurso de um ano da última apresentação do valor do débito atualizado, deixo, por hora, de estabelecer o percentual a ser definido sobre a média mensal recebida recentemente pelo partido no período de 1 ano.

Após decorrido o prazo de eventual recurso, determino o envio dos autos à Advocacia-Geral da União para que apresente memória de cálculo com o valor do débito atualizado.

Intimem-se.

Goiânia, na data da assinatura digital.

MÔNICA CEZAR MORENO SENHORELO

Juíza Relatora