Verba Legis 2022

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Os Programas Sociais Realizados pelo Poder Legislativo em Ano Eleitoral

por Daniel Boaventura FrançaNota 01

 

1. Introdução

Antes de adentrar ao cerne do assunto em estudo, impende tecer algumas considerações sobre a teleologia do Direito Eleitoral, com a finalidade de melhor esclarecer as situações delineadas neste estudo.

Ao seu turno, a Constituição Federal (BRASIL, 1988) Nota 02 estabelece, em seu artigo 14, que “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto”, em corolário a dois fundamentos da República Federativa do Brasil: a soberania e a cidadania, estabelecidos no art. 1º, incisos I e II da Carta Magna.

Contudo somente resguardar ao cidadão o direito de participação política por meio do voto não é o suficiente em um Estado Democrático de Direito substancial, de modo que é imperioso que a vontade popular manifestada nas eleições esteja indene de vícios e encabrestamentos.

Assim, a mais abalizada doutrina pátria tem similar lição publicada sobre a matéria. Pede-se vênia para colacionar excerto de dois renomados mestres em Direito Eleitoral, in verbis:

De nada adiantará o enunciado constitucional, alardeando a República Federativa do Brasil como Estado Democrático de Direito, se as regras eleitorais não forem firmemente observadas e feitas observar, porque ilegítimo poderá ser o colégio eleitoral e, via de consequência, também os mandatos alcançados no sufrágio (CASTRO, 2018, p. 1)Nota 03.

Direito Eleitoral é o ramo do Direito Público cujo objeto são os institutos, as normas e os procedimentos que regulam o exercício do direito fundamental de sufrágio com vistas à concretização da soberania popular, à validação da ocupação de cargos políticos e à legitimação do exercício do poder estatal.

[...]

A observância dos preceitos eleitorais confere legitimidade a eleições, plebiscitos e referendos, o que enseja o acesso pacífico, sem contestações, aos cargos eletivos, tornando autênticos o mandato, a representação popular e o exercício do poder político. Entre os bens jurídico-políticos resguardados por essa disciplina, destacam-se a democracia, a legitimidade do acesso e do exercício do poder estatal, a representatividade do eleito, a sinceridade das eleições, a normalidade do pleito e a igualdade de oportunidades entre os concorrentes (GOMES, 2020, p. 76). Nota 04

Dessa forma, pode-se afirmar que um dos principais objetivos do Direito Eleitoral é garantir a legitimidade das eleições, por intermédio de um processo democrático hígido e igualitário entre os concorrentes.

Nesse propósito, os artigos 73 a 78 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições) (BRASIL, 1997) Nota 05, expressam uma série de condutas vedadas aos agentes públicos que estejam disputando um cargo eletivo. Essencialmente, as proibições buscam coibir a utilização da máquina pública em favor de algum candidato, visando manter a isonomia de forças entre os players do certame eleitoral e também preservar a lisura na escolha do cidadão ao exercer seu voto, libertando-o da cultura vassala aos representantes do poder público.

2. Programa social realizado pelo Poder Legislativo em ano eleitoral

O art. 73, § 10, da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, proíbe, no ano em que se realizar eleição, a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, excetuados os programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária em exercício anterior, os quais podem se desenvolver normalmente.

Art. 73 § 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa (BRASIL, 1997).

Ao se perscrutar sobre o dispositivo citado, é possível notar que a mens legis das vedações legais visa atingir, principalmente, o Poder Executivo, que naturalmente é o poder incumbindo de efetivar a maior parcela das políticas públicas. Entretanto o Poder Legislativo não pode ser impedido do desempenho de atividades públicas basilares, sendo papel de todo o Poder Público, e não só do Poder Executivo, garantir à população a cidadania e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, II e III, da CF/88) (BRASIL, 1988).

Veja-se, também, que os programas sociais em geral contribuem diretamente para a concretização dos objetivos da República Federativa do Brasil: construção de uma sociedade livre, justa e solidária; desenvolvimento nacional; erradicação da pobreza; redução das desigualdades sociais e regionais; promoção do bem de todos (art. 3º, incisos I a IV, CF/88) (BRASIL, 1988).

Isso posto, pode-se afirmar que o implemento moderado de programas sociais não excede às prerrogativas do Poder Legislativo, observando, portanto, o inciso II do art. 73 da Lei das Eleições, que proíbe às casas legislativas usar materiais ou serviços que excedam as prerrogativas: “Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: [...] II – consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram” (BRASIL, 1997).

Contudo, saliente-se que o Poder Legislativo deve obedecer aos pressupostos legais para o prosseguimento dos programas sociais em ano em que ocorra eleição na circunscrição do parlamento – aqueles que estejam autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior ao do pleito.

Nessa quadra, a execução orçamentária em exercícios anteriores deve, inclusive, constar de rubrica específica, conforme entendimento do Tribunal Superior Eleitoral: "somente a existência cumulativa da lei de criação do programa social e da ‘previsão orçamentária específica’ atende à exigência do art. 73, § 10, da Lei das Eleições" (Respe nº 172 Nota 07Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe de 2/12/2016), e "destacada a ausência de comprovação da efetiva execução orçamentária do programa social, não implementadas ‘as rubricas orçamentárias’ no ano anterior ao pleito (Eleições 2012), violado o que dispõe o art. 73, § 10, da Lei das Eleições" (AI 47411 Nota 08Rel. Min. ROSA WEBER, DJe de 22/8/2018).

Por óbvio, a legislação eleitoral não visa à descontinuação de projetos sociais, tolhendo a liberdade do administrador na efetivação dos direitos sociais. Pelo contrário, as normas objetivam a regularidade da execução dos programas sociais, mas de forma escorreita, sem que haja a pessoalização da política pública empreendida. Nesse sentido,

Art. 73 IV – veda fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público (BRASIL, 1997).

Não se exige a interrupção de programas nem se inibe a sua instituição. O que se interdita é a utilização em favor de candidato, partido político ou coligação (TSE, ED no Respe nº 21.320-RR Nota 09 , DJ 17/06/2005).

Elucidativos são os ensinamentos do professor Edson de Resende Castro acerca do ponto sub examine:

O que a lei veda, por conseguinte, e num primeiro momento (inciso IV) não é a distribuição desses bens e serviços sociais. Não se há de falar em interrupção, em período eleitoral, de programas sociais como o vale-gás, as cestas básicas, o bolsa-escola, a merenda escolar, a bolsa-alimentação, dentre tantos outros, principalmente quando instituídos e em execução há mais tempo.

O que se veda é o uso promocional desses programas, a vinculação deles com a candidatura ou com o agente público (além, é claro, da sua instituição oportunista, em ano de eleição: § 10). Constitui uso promocional, ou seja, conduta que associa o benefício social a determinado candidato, a entrega de santinhos ou o pedido de voto durante a distribuição dos bens e benefícios sociais, como também forte campanha publicitária – não necessariamente com utilização dos meios formais de comunicação, mas também pela criação e compartilhamento de versões e por fake news em redes sociais – para convencer os eleitores de que determinado candidato é o pai do programa e que sua derrota nas urnas implicará a interrupção do programa [...] (CASTRO, 2018, p. 400, grifos do autor, grifo nosso).

Por sua vez, compreende-se que, uma vez cumpridos os requisitos, os programas sociais do Poder Legislativo podem continuar no ano eleitoral, no entanto é imperioso extremo cuidado em seu prosseguimento, de forma que reste configurado contundentemente seu viés social e afastada a pecha de quaisquer propósitos eleitoreiros ou suspeitas de desvirtuamento.

Nesse passo, é imprescindível que não haja, no ano eleitoral, intensificação do programa ou incremento orçamentário em relação aos anos anteriores, que não exista referência às cores partidárias ou à numeração de candidatos, que se evite a exploração do tema em campanhas eleitorais ou qualquer outra conduta que beneficie candidatos e/ou partidos de alguma forma, de acordo com os incisos I e IV do art. 73 mencionado.

I – ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos estados, do Distrito Federal, dos territórios e dos municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

[...]

IV – fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo poder público; [...] (BRASIL, 1997).

Além disso, não deve haver personalização da política pública em andamento, em respeito ao princípio da impessoalidade, norma de envergadura constitucional, firmada no art. 37, caput c/c § 1º, da CF/88, inclusive para que se evite a imputação de ato de improbidade administrativa ao agente, possibilidade prevista no parágrafo 7º do art. 73 da Lei das Eleições.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]

§ 1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos (BRASIL, 1988).

§ 7º As condutas enumeradas no caput caracterizam, ainda, atos de improbidade administrativa, a que se refere o art. 11, inciso I, da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, e sujeitam-se às disposições daquele diploma legal, em especial às cominações do art. 12, inciso III (BRASIL, 1997).

Ressalte-se, ainda, que o programa deve ter carga de sensibilidade social, e que os beneficiários dos serviços públicos prestados devem ser os carentes das prestações estatais mais triviais, segundo a advertência da melhor doutrina:

Percebe-se, por conseguinte, que o dispositivo só preserva – e ainda assim se for para dar continuidade – a distribuição gratuita, no ano da eleição, se ela se caracterizar como programa social. Como programa social deve-se entender o conjunto de medidas e iniciativas adotadas pela Administração Pública visando a socorrer pessoas em situação de vulnerabilidade social (CASTRO, 2018, p. 402, grifo nosso).

Tudo com vistas a salvaguardar a lisura do pleito e a paridade entre os candidatos, reprimindo eventos assistenciais de cunho oportunista, por meio dos quais se manipulam a miséria humana e a negligência do Estado (TSE, REspe nº 4535-MG Nota 10, DJe 19/06/2018, Relator Min. Jorge Mussi).

Isso porque o candidato que exerce função pública se encontra em situação de vantagem perante o candidato comum, haja vista que está naturalmente em evidência com a atividade cotidiana de atendimento aos interesses da coletividade, gozando de posição de destaque no contexto social e de facilidade no uso da máquina administrativa. Todavia a utilização do aparato da atividade administrativa não pode acontecer em prol de candidatos e/ou partidos, sob pena de caracterização de ilícito eleitoral e administrativo.

3. Participação do parlamentar-candidato nos eventos dos programas sociais

Em relação à participação dos parlamentares nos eventos dos programas sociais, registre-se que a própria norma aponta o âmbito de sua incidência subjetiva:

Art. 73 § 1º Reputa-se agente público, para os efeitos deste artigo, quem exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nos órgãos ou entidades da administração pública direta, indireta, ou fundacional (BRASIL, 1997).

Verifica-se que, na espécie, o conceito de agente público é amplo e abrange tanto os parlamentares quanto os servidores do órgão que sejam postulantes a cargo eletivo.

Frisa-se que a situação bem mais delicada do que a continuidade do programa social é a participação de candidato nesses eventos, ainda que na condição de Chefe do Poder promovente do serviço público respectivo.

A princípio não se encontra, no arcabouço jurídico, óbice ao comparecimento do parlamentar durante a execução de algum programa social, entretanto quaisquer atos que, de alguma forma, beneficiem uma eventual candidatura e afetem, ainda que indiretamente, a igualdade de chances entre os candidatos, a legitimidade e o equilíbrio do pleito eleitoral, podem ser interpretados pela Justiça Eleitoral como violadores à isonomia entre os candidatos.

À guisa de exemplo, citem-se algumas condutas que já foram enquadradas pelo Tribunal Superior Eleitoral como vedadas pela Lei nº 9.504 de 30 de setembro de 1997:

1) Mera participação de candidatos em evento em que houve distribuição de bens pelo Poder Público durante o ato promocional:


[...]


5. Para a configuração da conduta vedada do art. 73, IV, da Lei nº 9.504/1997, a jurisprudência do TSE firmou–se no sentido de que a participação de candidatos em eventos de lançamento e distribuição de bens pelo Poder Público caracteriza o uso promocional previsto no art. 73, IV, da Lei Eleitoral (vide Respe 71923 Rel. Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, DJe de 23/10/2015); e faz–se mister que a distribuição de bens e serviços sociais custeados ou subvencionados pelo Poder Público ocorra durante o suposto ato promocional. Precedente: REspe nº 42232–85/RN, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, julgado em 8.9.2015, DJe de 21.10.2015 REspe 060039853 (Rel. Min. OG FERNANDES, DJe de 22/6/2020).


[...]


(TSE, REspe nº 37275 Nota 11, Relator(a) Min. Alexandre de Moraes, DJe 09/11/2021) (grifo nosso).


2) Propaganda eleitoral durante a distribuição de bens custeados pelo Poder Público:


[...] a existência de propaganda eleitoral realizada pelo irmão do candidato no momento da distribuição de bens custeados pelo Poder Público é motivo suficiente para o enquadramento dos fatos na hipótese do art. 73, IV, da Lei das Eleições. 2. A realização de atos de propaganda eleitoral de forma concomitante à distribuição de bens e vantagens custeados pelos cofres públicos, com a presença de familiares e integrantes da campanha eleitoral, configura a hipótese de uso promocional proibido pela legislação.


(TSE, REspe nº 4223285 Nota 12, Relator(a) Min. Henrique Neves Da Silva, DJe 21/10/2015) (grifo nosso).


3) Desvirtuamento de audiência pública no Poder Legislativo:


[...]


1. O Tribunal Regional Eleitoral concluiu pela configuração da prática das condutas vedadas descritas nos incisos I e II do art. 73 da Lei nº 9.504/97 e de abuso do poder político decorrente da realização de audiências públicas levadas a efeito por vereadores com a utilização de bens, servidores e da estrutura pública, para, sob o pretexto de discutir questões relativas a projeto de lei, apontar o então prefeito, candidato à reeleição, como grande inimigo de agricultores. 2. Segundo as premissas da decisão regional, as reuniões foram transmutadas em atos ostensivos de campanha eleitoral, extrapolando o debate político inerente às atividades do Poder Legislativo, considerando-se o número elevado de pessoas que lá compareceram e a grande repercussão do assunto na comunidade, o que demonstrou a gravidade da conduta de uso da máquina pública. [...]


(TSE, REspe nº 1063 Nota 13, Relator(a) Min. Henrique Neves, DJe 02/12/2015) (grifo nosso).


4) Desvirtuamento de festividade com benefício indireto ao candidato, ainda que sem participação ativa de sua parte no evento:


[...] 3. O desvirtuamento de festividade tradicional, de caráter privado, mas patrocinada pela prefeitura local, em favor da campanha dos então investigados, embora não evidencie, na espécie, o abuso do poder econômico e político, ante a ausência de gravidade das circunstâncias que o caracterizaram, configura a conduta vedada do art. 73, I, da Lei nº 9.504/97, uma vez que os bens cedidos pela municipalidade para a realização do evento acabaram revertendo, indiretamente, em benefício dos candidatos. 4. De acordo com o art. 73, § 8º, da Lei nº 9.504/97, estarão sujeitos à multa do § 4º os agentes públicos responsáveis pelas condutas vedadas, bem como os partidos, as coligações e os candidatos que se beneficiarem com a prática ilícita, sendo, portanto, desnecessária a demonstração da participação ativa do candidato, para a aplicação da penalidade pecuniária.


(TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 13433 Nota 14, Relator(a) Min. João Otávio De Noronha, Relator(a) designado(a) Min. Dias Toffoli, DJe 05/10/2015) (Grifamos).


Extrai-se do cotejo da legislação eleitoral com os julgados do Tribunal Superior Eleitoral alhures reproduzidos que a exposição do parlamentar-candidato coloca em risco sua possível candidatura ou mandato, considerando a possibilidade de subsunção de seus atos aos artigos 73 a 78 da Lei das Eleições e, até mesmo, ao artigo 22, caput, da Lei Complementar nº 64 Nota 06, de 18 de maio de 1990 (abuso de poder político) (BRASIL, 1990), os quais podem ensejar penalidades como multa, inelegibilidade e cassação de registro, diploma ou mandato.

Cabe esclarecer que há certa subjetividade na determinação de quais atos podem ser qualificados como vedados, haja vista que a ofensa ao equilíbrio eleitoral depende das nuances do caso concreto em algumas das hipóteses proibidas na legislação eleitoral.

Para ilustrar, mencione-se que a Justiça Eleitoral já entendeu, por exemplo, ser lícita a presença discreta de candidata, sem manifestação ou participação em evento reduzido (TSE, REspe nº 126025 Nota 15, Min. Luiz Fux, 05/09/2016) ou a mera presença do candidato na inauguração de obra pública, como qualquer pessoa do povo, sem destaque e sem fazer uso da palavra ou dela ser destinatário (TSE, Respe nº 178190 Nota 16, Min. Henrique Neves, DJE 06/12/2013) bem como a mera participação do Chefe do Poder Executivo Municipal em campanha de utilidade pública para vacinação (REspe nº 24989 Nota 17, Min. Caputo Bastos, DJ 26/08/2005).

Assim, conclui-se que não há norma que proíba a mera participação do Chefe de Poder ou parlamentar nos eventos dos projetos sociais custeados com recursos do erário, porém o agente político candidato sujeita-se às sanções legais, caso o Judiciário compreenda que algum ato perpetrado por ele atente contra a igualdade de oportunidades entre os concorrentes no prélio eleitoral.

Logo, caso qualquer agente público que seja ao mesmo tempo candidato a cargo eletivo resolva participar de evento patrocinado pelos cofres públicos, o recomendável é que não exerça posição de destaque durante a solenidade, evite fazer uso da palavra em público, não utilize, nem deixe utilizar, qualquer material de propaganda eleitoral e não faça pedido de votos, mesmo que de modo implícito no âmbito da programação, evidenciando cautela e boa-fé extremas em seus procedimentos pessoais.

No que tange ao aspecto temporal, o legislador restringiu expressamente, em alguns casos, a três meses os impedimentos (incisos V e VI do art. 73; art. 75; art. 77, todos da Lei nº 9.504/97) (BRASIL, 1997), porém, nas hipóteses em que não houve delimitação de tempo, prevalece que não cabe ao intérprete fazê-lo.

Nos seguintes termos, o Tribunal Superior Eleitoral já se manifestou:

9. A conduta vedada do art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/97 e o abuso de poder do art. 22 da LC nº 64/90, como objeto de ação de investigação judicial eleitoral, terão a sua apuração deflagrada após o registro da candidatura, termo inicial para o manejo dessa via processual, podendo, contudo, levar a exame fatos ocorridos antes mesmo das convenções partidárias, porquanto não cabe confundir o período em que se conforma o ato ilícito com aquele no qual se admite a sua averiguação. Precedentes.

(TSE, Ação Cautelar nº 060075539 Nota 18, Relator(a) Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, DJe 16/04/2019) (grifo nosso).

Assim, na espécie em que há potencial incidência dos incisos I, II e IV, e do § 10 do art. 73 da Lei das Eleições (BRASIL, 1997), cumpre ser prudente durante todo o ano eleitoral. E, na medida em que se aproxima o período eleitoral, o agente público deve ainda amplificar as precauções para evitar a configuração do ilícito. Esse é também o entendimento pretoriano, in verbis:

ELEIÇÕES 2010. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA A AGENTE PÚBLICO. ART. 73, IV, DA LEI Nº 9.504/1997. GOVERNADOR EM FAVOR DE CANDIDATO A DEPUTADO FEDERAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE BENS. NÃO OCORRÊNCIA. CONTRAPRESTAÇÃO. NÃO PROVIMENTO. [...]


4. Embora a circunstância de os fatos terem sido praticados antes da existência de candidaturas registradas não inviabilize, por si só, a prática da conduta vedada, maior ou menor proximidade com a data das eleições sem dúvida tem relevância para afetar a legitimidade do pleito. Precedentes. [...]


(TSE, Recurso Ordinário nº Nota 19, Relator(a) Min. Rosa Weber, DJE 26/02/2019) (grifo nosso).

Ressalte-se, assim, que o parlamentar, aquele o qual eventualmente também seja candidato, está sujeito às penalizações por conduta vedada antes ou durante o período eleitoral. Essa também é percepção da doutrina, in verbis: “quando o agente público assim procede, mesmo que em período anterior à escolha dos candidatos em convenção, atrai a possibilidade de aplicação da multa e da cassação do registro ou do diploma” (CASTRO, 2018, p. 401).

Em arremate final, frise-se que a atenção com os ditames proibitivos deve ser intensificada quanto mais se avizinhe o certame em disputa, sob pena de ficar sujeito às sanções legais, caso o Judiciário compreenda que algum ato perpetrado por ele atente contra a igualdade de oportunidades entre os concorrentes no prélio eleitoral.

4. Conclusão

De todo o que foi exposto, ao se conjugar a legislação eleitoral, especialmente o § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, e os incisos I, II e IV, do mesmo artigo (BRASIL, 1997), com a doutrina mais notável e a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, é possível firmar algumas posições a seguir.

De início, é que os programas sociais promovidos pelo Poder Legislativo podem continuar no ano eleitoral, desde que: 1) estejam legalmente autorizados; 2) exista rubrica orçamentária específica em exercícios anteriores para o custeio; 3) não enseje, de alguma forma, benefício às candidaturas e/ou partidos políticos; 4) seja direcionado à população socialmente vulnerável.

Também é possível afirmar não existir óbice legal ao comparecimento dos parlamentares nos eventos dos programas sociais, entretanto deve haver máxima cautela na participação por qualquer agente público que também ostente a qualidade de candidato ou pré-candidato, com vistas a evitar que quaisquer condutas sejam interpretadas pela Justiça Eleitoral como violadoras da isonomia entre os candidatos, ainda que de modo indireto.

Dessa forma, é recomendável que o candidato/pré-candidato não exerça posição de destaque durante a solenidade/o evento; evite fazer uso da palavra em público; não utilize, nem deixe utilizar, qualquer material de propaganda eleitoral; não faça pedido de votos, ainda que implicitamente; mantenha cautela e boa-fé extremas em seus procedimentos pessoais, com o objetivo de afastar o enquadramento nas penas da conduta vedada ou no abuso de poder político.

Por fim, no que tange ao aspecto temporal, cumpre ser prudente na participação dos parlamentares nos atos de programas sociais durante todo o ano eleitoral. E, na medida em que se aproximar o período eleitoral, os deputados ou quaisquer agentes públicos devem ainda amplificar as precauções para evitar a caracterização de algum ilícito eleitoral, tendo em vista que a proximidade com o pleito torna a integridade do processo eleitoral mais sensível e tem maior potencial para atrair a atenção dos órgãos fiscalizadores.

Nota 01 Daniel Boaventura França é procurador da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás e advogado, ex-servidor da Justiça Eleitoral, membro da Comissão de Direito Político e Eleitoral da OAB-GO, especialista em direito eleitoral. E-mail: daniel@fayadsebba.adv.br

Nota 02 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União. Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 7 out. .

Nota 03 CASTRO, Edson de Resende. Curso de Direito Eleitoral. 9. ed. rev. e atual. BH: Del Rey, 2018, p. 1.

Nota 04 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 76

Nota 05 BRASIL. Lei nº 9.504 de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. Diário Oficial da União. Brasília, 1997. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm. Acesso em: 7 out. 2022.

Nota 06 BRASIL. Lei Complementar nº 64 de 18 de maio de 1990. Estabelece, de acordo com o art. 14, § 9º da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação, e de-termina outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp64.htm. Acesso em: 7 out. 2022.

Nota 07 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Recurso Especial Eleitoral nº 172. Rel. Min. Gilmar Mendes. DJE de 2/12/2016. Disponível em https://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia.

Nota 08 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Agravo de Instrumento nº 47411. Rel. Min. Rosa Weber. DJE de 22/8/2018. Disponível em https://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia.

Nota 09 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Embargos de Declaração no Recurso Espe-cial Eleitoral nº 21.320-RR. DJE 17/06/2005. Disponível em https://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudência.

Nota 10 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Recurso Especial Eleitoral nº 4535-MG. Rel. Min. Jorge Mussi. DJE 19/06/2018,). Disponível em https://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia.

Nota 11 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Recurso Especial Eleitoral nº 37275. Rel. Min. Alexandre de Moraes. DJE 09/11/2021). Disponível em https://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia.

Nota 12 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Recurso Especial Eleitoral nº 4223285. Rel. Min. Henrique Neves Da Silva. DJE 21/10/2015). Disponível em https://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia.

Nota 13 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Recurso Especial Eleitoral nº 1063. Rel. Min. Henrique Neves. DJE 02/12/2015). Disponível em https://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia.

Nota 14 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Recurso Especial Eleitoral nº 13433. Rel. Min. João Otávio De Noronha, Rel. designado(a) Min. Dias Toffoli. DJE 05/10/2015). Disponível em https://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia.

Nota 15 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Recurso Especial Eleitoral nº 126025. Min. Luiz Fux. DJE 05/09/2016. Disponível em https://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia.

Nota 16 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Recurso Especial Eleitoral nº 178190. Min. Henrique Neves, DJE 06/12/2013. Disponível em https://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia.

Nota 17 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Recurso Especial Eleitoral nº 24989. Min. Caputo Bastos, DJE 26/08/2005). Disponível em https://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia.

Nota 18 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Ação Cautelar nº 060075539. Rel. Min. Tar-cisio Vieira de Carvalho Neto. DJE 16/04/2019. Disponível em https://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia.

Nota 19 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Recurso Ordinário nº 159535. Rel. Min. Ro-sa Weber. DJE 26/02/2019. Disponível em https://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia.