Verba Legis 2021

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A segurança pública a cargo do estado e as abordagens repressivas dos agentes policiais como forma de suprir a demanda por diminuição dos delitos

por Andrielma da Silva OliveiraNota 01

 

Resumo: A Segurança Pública é um assunto bastante polêmico no Brasil, visto que a criminalidade passa por um aumento desenfreado e a população, enfadada de esperar por soluções efetivas, recorre e aceita uma série de resoluções rápidas que lhe são apresentadas. O problema disso é que a maneira rápida de lidar com tal problema ocorre, de forma preponderante, através do uso força repressiva do Estado sobre a sociedade. Gera-se, assim, outro empecilho, que é a violação dos princípios fundamentais, os quais devem ser garantidos a qualquer pessoa. Esse tipo de violência coloca ao dispor do Estado um poder ilimitado, que fere o Estado Democrático de Direito, e não é questionado pela população em virtude da alienação ocasionada pela propagação de medo pela mídia. Assim, o objetivo do presente artigo é apresentar a trajetória do Estado na obtenção de seu poder soberano e o como o abuso desse legitima a violência estatal sob argumento da garantia da Segurança Pública, garantida pela Constituição. Para a realização da escrita, utilizou-se de pesquisas bibliográficas, constitucionais, estudo de artigos científicos, doutrinas, teorias, periódicos e livros, todos pertinentes ao tema. Ficou evidente, como resultado dessa pesquisa, que os meios repressivos e as políticas criminais imediatas como forma de controle da criminalidade são ineficazes para a diminuição da delinquência, sendo o investimento na educação, assim como a elaboração de políticas criminais mediatas pelo Governo, detentores de resultados otimistas, e que consistem em atitudes que garantem uma redução significante na ocorrência de delitos e, consequentemente, na asseguração da segurança.

Palavras-chave: Segurança Pública. Violência do Estado. Política Criminal.

 

1. Introdução

O presente excerto tem por objetivo efetuar um apanhado teórico acerca da temática da segurança pública. Busca-se o entendimento acerca do surgimento do Estado, da garantia de segurança pública que este deve prestar e da sugestão da educação como solução a longo prazo da falta de segurança.

Como método, utilizou-se a revisão bibliográfica das mais diversas fontes de informação pertinentes à temática.

Como hipótese, acredita-se que a abordagem reativa dos policiais seja advinda do clamor da sociedade pela intervenção do setor público e, em razão da legitimação da violência estatal, os desrespeitos à Constituição e aos direitos humanos sejam justificados.

Desde sua fundação, o Estado deteve todos os meios para controlar a sociedade a ele submetida. Na perspectiva contratualista, os indivíduos, por vontade própria, cederam parte de sua liberdade para gozar da segurança assegurada pelo ente detentor de toda a força.

A partir do chamado contrato social, a segurança dos cidadãos ficou a cargo do soberano - “encarnação” do Estado.

Em meio ao aumento das taxas de criminalidade, as políticas criminais são medidas que buscam reverter as circunstâncias tendo em vista a manutenção da segurança pública. Adiante, serão apresentadas algumas perspectivas teóricas sobre sua relevância e consistência.

Por fim, é indicada a relevância da educação para a condição de desenvolvimento dos jovens e como uma formação profissional e cidadã é importante para a reintegração dos infratores e para o não cometimento de abordagens excessivamente violentas por parte dos agentes de segurança pública.

Justifica-se a escolha do tema em face da relevância que a segurança pública detém no que concerne ao papel do Estado e às necessidades dos cidadãos.

 

2. Desenvolvimento

A segurança pública é um ente singular e evidente na vivência do ser humano. Ao longo da História foi (e continua sendo) analisado por perspectivas teóricas diversas.

Uma delas, o Contratualismo, afirma que o Estado de Natureza (momento anterior à criação do Pacto Social) seria desprovido de qualquer ordem ou organização. O Estado é fruto de um acordo entre os indivíduos, no qual todos concordam em ceder uma porção de sua liberdade para adquirirem sua segurançaNota 02.

Segurança e possibilidade de gozar ao máximo, em paz, de todas as “comodidades da vida”, são estes os dois objetivos que os homens perseguem quando abandonam o estado de natureza e se tornam cidadãos. (LEBRUN, , p. 13). A segurança, então, integra o Estado (FOUCAULT, ) desde sua fundação.

O surgimento do Estado é a criação de um ponto de irradiação do poder. Nesse sentido, Lebrun (, p. 12) afirma que o soberano, encarnação do Estado, deve zelar pela comodidade do súdito, visto que a sujeição é em troca da segurança.

Para Rousseau (, p. 102), o fim da associação política “é a conservação e prosperidade de seus membros”. E essa conservação, feita pelo Estado, é “melhor do que eles próprios seriam capazes” (LEBRUN, , p. 16). Deixa-se de permitir que qualquer um faça o que julgar conveniente e passa-se a controlar as ações humanas, punindo-as à medida que surgem as infrações.

Uma das facetas da asseguração da segurança é a punição de transgressões. Estas não são naturais, pois se convencionou considerá-las crimes (FOUCAULT, ), tendo em vista a segurança dos membros da sociedade. A definição de uma ação como crime e sua posterior culpabilidade são obstáculos à prática criminosa, estes possuem o objetivo de retardá-la.

Por meio desses óbices, a segurança pública visa resguardar a vivência integral dos cidadãos em meio aos impasses inerentes ao corpo social. O processo dessa obrigação constitucional (a segurança) “se inicia pela prevenção e finda na reparação do dano, no tratamento das causas e na reinclusão na sociedade do autor do ilícito”. (CESAR, , p. 131).

Esse serviço, que ganha destaque, sobretudo devido à expansão da violência, ao narcotráfico e à presença de facções cada vez mais complexas (CESAR, ), é delegado aos departamentos policiais. Estes são

incumbidos de prevenir sempre, reprimir quando necessário, com ênfase nesta última obrigação no apoio aos cidadãos. A Segurança Pública complementa a Segurança Pessoal: a Segurança Pessoal se completa com a Segurança Pública! O cidadão em princípio previne, o policial reprime. (DIAS, , p. 5).

Pressupõe-se, portanto, uma postura sóbria por parte dos agentes policiais, que deve obedecer a uma lógica de repressão necessária e sem excessos. Na prática, porém, a abordagem policial se mostra consideravelmente atroz. Para Velasco et all. () em estudo acerca de óbitos oriundos de operações policiais, os números superiores de mortes sinalizam para uma letalidade policial em ascensão.

Dessa forma, a realidade vigente, no que tange à segurança pública, encontra respaldo na perspectiva weberiana da legitimação de ações violentas (WEBER, ). Isso porque a polícia é um órgão credenciado para cercear os infratores. É esperado que realize esse pressuposto da melhor maneira possível; é nesse momento que o sobrepujamento dos policiais é justificado.

Depreende-se, nesse viés, que “o uso da força estatal nos dias de hoje, onde a violência policial ocorre de maneira exacerbada, por instituições que são legitimadas para (sic) o uso da força física excessiva”. (JUS, ).

De acordo com dados divulgados pela da United Nations Office on Drugs and Crime, o Brasil, em , teve “uma taxa de 30,5 homicídios a cada 100 mil pessoas” (UNODC, ). Esse coeficiente colocou-o como segundo país da América do Sul com maior número de homicídios. Diante dessa informação, fica evidente a carência de Segurança Pública, supostamente garantida pelo Estado.

A falta de políticas criminais efetivas é o principal motivo do aumento da criminalidade. A função dessas políticas é “transformar a experiência criminológica em opções e estratégias concretas assumíveis pelo legislador e pelos poderes públicos” (SHECAIRA, , p. 44) como meios de contenção da criminalidade.

Portanto, essas políticas devem ser elaboradas de modo racional, fundamentadas em pesquisas e mapeamentos de dados que exibam regiões onde o crime é mais frequente, para que sejam pensadas com o objetivo de promover um “alinhamento das políticas de segurança pública aos requisitos de democracia e à garantia de direitos humanos”. (LIMA et all., , p. 2).

Essa realização é fato complexo e de difícil alcance. Nesse âmbito, Barreira (, p. 78) considera que “os governos democráticos enfrentam o desafio de implementar uma política de segurança pública capaz de prevenir e combater a criminalidade e de manter a ordem, tendo como referência os princípios do Estado de Direito”.

Apesar dos impasses, os Estados de São Paulo, Pernambuco e Minas Gerais, através de ações como “investimentos para o setor, com gestão técnica da política pública, sustentada em bons diagnósticos que fundamentam projetos consistentes, e combinação de estratégias repressivas e preventivas de controle da criminalidade” (SAPORI, , p. 14), obtiveram um resultado significativo e promissor na redução dos indicadores de criminalidade de suas regiões. Isso evidencia como a atuação política em conjunto com um planejamento estratégico de políticas criminais é a maneira mais acertada de garantir a harmonia social.

Todavia, mesmo com os resultados positivos obtidos por esses Estados e seus governos, a busca por uma solução imediata para o problema da segurança pública é a postura mais assumida pelo Governo, materializada pela utilização da reatividade e repressão policial criminal. As secretarias de segurança pública e de justiça também compartilham dessas atitudes presentes como forma de mitigação da criminalidadeNota 03.

Dessa forma, os atos de brutalidade por vezes cometidos pelos agentes policiais (assim como penitenciáriosNota 04) são legitimados pela monopolização da violência por por parte do Estado. Em uma concepção weberiana, é através da legitimação das ações violentas (WEBER, 2015) que é justificado o uso arbitrário de força, como forma de impedimento do crime.

Consequentemente, o resultado dessa violência é que a segurança pública passa a ser vista como um policiamento repressivo e arbitrário, não como mantenedora de direitos que visa a proteção de uma nação através do sustento da ordem.

A existência da violência estatal fere o Estado democrático de Direito garantido pelo artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil, de (BRASIL, ), e ele apenas não é percebido e questionado pelos cidadãos porque estes encontram-se enfadados pela submissão à criminalidade.

Esse descontentamento com o atual contexto criminal gera um sentimento de punitivismo exacerbado, causado pela exposição constante de delitos em meios midiáticos, que chegam a espalhar a ideia desumana de que “bandido bom é bandido morto”. Porém, o que não é mostrado à população é que esse “punitivismo nada mais é do que uma máscara para encobrir a inexistência de políticas públicas na segurança pública elaborada pelo Estado, bem como a falta de investimento empregado nessa área.” (RODRIGUES, , p. 51).

Essa falta de investimento na área da segurança pública atinge massivamente cidadãos inocentes, que sofrem com a violência estatal. No caso de residentes de favelas, o cenário é ainda pior: as incursões policiais, que deveriam trazer alívio, resultam frequentemente em troca de tiros e balas perdidas.

A qualificação policial é fator relevante nesse sentido. Cesar Barreira () reconhece que há déficit na formação humana dos policiais. A remuneração, por sua vez, mostra-se insuficiente para investir em um melhor aperfeiçoamento.

Por fim, é necessário ressaltar que a segurança pública é “responsabilidade de todos”, conforme está descrito no artigo 144 da Constituição Brasileira. Ademais, consiste em “processo sistêmico, pela necessidade da integração de um conjunto de conhecimentos e ferramentas estatais que devem interagir com a sociedade com mesma visão, compromissos e objetivos” (CESAR, , p. 131).

Assim sendo, a população ao deixar de acionar a polícia para resolver conflitos que não necessitam de intervenção e podem ser solucionados através de um diálogo, poupa os agentes de uma circulação desnecessária e possibilita a atenção para delitos mais graves. Não deve ser olvidado que a sociedade também “precisa cumprir seu papel e passar a ser corresponsável pela segurança pública” (RODRIGUES, , p.58) para que ela seja estabelecida em razão da ordem social.

Pelo fato de as políticas públicas vigentes não se mostrarem como soluções definitivas (ALMEIDA; PROCOPIUCK, ), apela-se para uma sugestão eficaz a longo prazo: a garantia de educação de qualidade para todo cidadão, independentemente da condição social ou localidade.

É aceitável salientar que uma formação profissional diminui consideravelmente as chances de os indivíduos adentrarem no mundo do crime. Isso porque, principalmente em comunidades periféricas, a entrada no meio ilícito é a única solução viável para a sobrevivência dessas pessoas.

Para Foucault (, p. 297), “só a educação pode servir de instrumento penitenciário”. De fato, ainda que a formação intelectual não impeça o cometimento de crimes, contribui massivamente para a reinserção à sociedade, visto que o ex-infrator dominaria um ofício e teria algo a oferecer pela reintegração na sociedade: seu trabalho. Não se pode negar, por conseguinte, que ser reincorporado ao meio social é um benefício. Souza (, p. 3), apregoa algo nesse sentido: “é relevante notar que a partir do momento em que se possui a oportunidade de acesso à educação de maneira igualitária, também se viabiliza o acesso a muitos outros tipos de benefícios”.

A asseguração da educação é imprescindível para a evolução da criança e do adolescente, os quais encontram-se em condição de desenvolvimentoNota 05. Isso porque pode evitar que adentrem cedo no mundo do crime (ao manterem-se envolvidos com projetos escolares, em alguns casos) e promove um alicerce intelectual que auxilia o indivíduo em toda a sua vida (o acúmulo de conhecimentos torna-os aptos para a compreensão crítica do mundo circunscrito).

 

3. Considerações Finais

Verificou-se que o Estado, sob o ângulo contratualista, é fruto de um comum acordo entre os cidadãos e o soberano. Nesse pacto, os cidadãos devem respeitar e obedecer ao líder, mas este, como representante estatal, incumbe-se de trazer segurança para a vida de seus súditos.

Com o aumento contínuo da criminalidade, os cidadãos cobram do Estado maior eficácia no combate aos criminosos. Logo, os agentes de segurança pública (policiais, agentes prisionais, guardas, gestores) devem mostrar resultados; nesse momento, passam a cometer excessos de violência, fato que fere a Carta Magna. Isso é pouco reconhecido, pois a mídia cumpre o papel de incutir medo e insegurança aos telespectadores (o que resulta num punitivismo exacerbado) e a violência é aceita em virtude da legitimação de que os mecanismos estatais se servem.

Conclui-se, portanto, que as políticas criminais somam na asseguração da segurança pública, mas não são amplamente organizadas pelos governos em razão da busca por soluções mais rápidas. Além disso, a educação foi enaltecida como resposta mais indicada (com resultados mais tardios ainda do que a política criminal) para a questão, pelo fato de ser essencial na formação de todo cidadão.

 

Referências

 

Nota 01 Andrielma da Silva Oliveira é Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Goiás. Email: andrielmaoliveira@discente.ufg.br. Currículo: http://lattes.cnpq.br/6206684787075587.

Nota 02 Segundo Lebrun ( apud JOUVENEL, , p. 550 "a liberdade é apenas uma necessidade secundária, frente á necessidade primária de segurança".

Nota 03 Nesse sentido, Rodrigues (2014, p. 13) aponta para a “necessidade da consolidação de um paradigma da prevenção da violência que se oponha à abordagem reativa e repressiva”.

Nota 04 Sobre a postura agressiva dos agentes de segurança pública, ver SALES, Yago. “Pisei, dei murro na cara”, a confissão de maus-tratos de um gestor de 14 presídios de Goiás. El País, . Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2021-03-23/pisei-dei-murro-na-cara-e-peguei-95-celulares-a-detalhada-confissao-de-maus--tratos-de-um-gestor-de-14-presidios-de-goias.html>. Acesso em: 20 abr. 2021.

Nota 05 Sobre essa assertiva, ver VARALDA, Renato Barão. Responsabilidade do Estado pela omissão do cumprimento das normas gerais do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Boletim Científico, Brasília, vol. 27, p. 1–51, abr/jun. 2008.7