Verba Legis 2023

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O compliance como instrumento de planejamento estratégico e prevenção de riscos para os partidos políticos e candidatos

por Luiz Cesar Barbosa Lopes Nota 01

 

Resumo

O conceito do termo ´´compliance´´ é comumente vinculado à mitigação de riscos e prevenção da prática de atos de corrupção. No entanto, por se tratar de um conjunto de ações que tem a finalidade de submeter a organização a programas de conformidade, a implementação do compliance pode fomentar a organização corporativa, que se mostra necessária para a consecução dos objetivos almejados por todo programa de compliance. No caso dos partidos políticos, o compliance se revela como instrumento indispensável para mitigar os riscos decorrentes dos problemas recorrentes que essas organizações enfrentam em relação ao cumprimento das normas eleitorais e que acaba causando insegurança jurídica e prejuízos para as agremiações partidárias e seus filiados. No entanto, os objetivos de um programa de compliance dependem de um nível organizacional que permita o funcionamento coeso de toda estrutura partidária. Portanto, o objetivo deste trabalho é o de analisar de que forma o programa de compliance pode interferir na participação das agremiações partidárias e candidatos no processo eleitoral. Apoiado em referências bibliográficas, as considerações finais apontam para a importância do compliance no âmbito dos partidos políticos e para os candidatos, não só para fins de evitar desvios que possam causar prejuízos, mas para internalizar processos organizacionais indispensáveis para o regular funcionamento das agremiações partidárias e viabilizar a participação dos partidos e candidatos no processo eleitoral. O compliance pode ser utilizado pelos partidos e candidatos como ferramenta de prevenção e maximização do capital político e eleitoral. Dessa forma, o compliance deve ser compreendido de forma mais ampla pelos atores que se inserem no contexto do jogo político-partidário.

Palavra-chave: Compliance; Partidos políticos; Integridade partidária; Organização partidária; Processo eleitoral

 

Introdução

Os partidos políticos se inserem no contexto da democracia como grupo social destinado a agregar pessoas com a finalidade de compartilhar ideias e interesses com o propósito de influenciar o poder decisório dos poderes através da participação direta e/ou indireta de seus membros.

A dinâmica partidária demanda organização interna para fomentar o regular funcionamento do partido político através dos órgãos partidários previstos no estatuto, bem como a organização que envolve institutos extraordinários que decorrem do processo eleitoral, tais como coligações partidárias, candidaturas, etc.

As principais fontes formais do direito eleitoral aplicáveis aos partidos políticos são abrangidas pelas seguintes normas: Constituição Federal (arts. 14 a 17 e 118 a 121); Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65); Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97); Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar nº 64/90); Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/95); Respostas do TSE e dos TRE's às Consultas;

Além da legislação ordinária aplicável aos partidos políticos, o processo eleitoral atrai a normatização extraordinária, direcionada aos partidos e candidatos, por meio das instruções editadas sob a forma de resolução e que se propõem a regulamentar e orientar a execução da legislação eleitoral e partidária.

O processo eleitoral é um bem jurídico que se destina a regular o acesso ao poder político, cujo normalidade, higidez e veracidade é condição para a legitimidade das eleições e da representação política (GOMES, 2021, p. 357) Nota 02.

É nesse universo do processo eleitoral que o compliance se mostra relevante como instrumento de planejamento estratégico e prevenção de riscos para os partidos e candidatos.

No âmbito das greis partidárias, o compliance pode ser definido como conjunto de ações que tem a finalidade de inserir os partidos e candidatos no contexto de conformidade normativa para maximização organizacional, mitigação de riscos e prevenção de danos decorrentes da prática de atos que violem as normas eleitorais.

Diante da compreensão restrita da importância do compliance no contexto do processo eleitoral, é importante uma abordagem mais ampla de forma a possibilitar que os partidos políticos e candidatos possam se aproximar do tema sem o preconceito decorrente da vinculação do compliance à procedimentos de engessamento normativo.

Conforme Assi (2018) Nota 03, o compliance pode ser compreendido como uma área de suporte interno dos negócios. O autor deixa claro a importância das leis, normas, políticas e procedimentos corporativos e organizacionais para a tomada de decisões, haja vista que o compliance se consolida sobre os três pilares baseados na lógica “prevenir, detectar e responder”.

No entanto, no caso do processo eleitoral, o programa de compliance pode ser sustentado por outro pilar: organização.

Assim, o objetivo do presente artigo é o de analisar de que forma o compliance pode contribuir para o planejamento estratégico e prevenção de riscos no âmbito dos partidos políticos e candidatos durante o processo eleitoral. No âmbito do processo eleitoral, o compliance não pode ficar restrito aos pilares atrelados à corrupção, uma vez que os interesses e direitos envolvidos no processo eleitoral se revestem de características próprias que demandam estruturação específica do programa de compliance.

Para a consecução dos objetivos previstos, o presente artigo se estrutura em três capítulos, apresentando-se no primeiro o panorama geral sobre o compliance e as implicações para o estudo que se propõe com o presente artigo. No segundo capítulo é abordado o compliance como instrumento de estratégia no processo eleitoral, tendo por base a revisão da literatura sobre o processo eleitoral e bases conceituais sobre o compliance, com utilização da triangulação de dados e informações. O terceiro capítulo é reservado às considerações finais.

 

1. Compliance como instrumento de estratégia no processo eleitoral

O processo eleitoral pode ser compreendido como a retaguarda normativa das eleições, as quais são realizadas nas formas e sistemas democráticos de governo para viabilizar e legitimar, no caso do Brasil, a escolha dos legisladores (vereadores, deputados e senadores), do chefe do Poder Executivo (prefeitos, governadores e Presidente da República).

No entanto, Gomes (2021, p. 354)Nota 04 ressalta que no Direito Eleitoral o termo processo assume um sentido amplo e outro restrito, os quais são dotados de linguagem, método e finalidade próprios.

Apesar de Gomes (2021, p. 354)Nota 05 asseverar que o processo eleitoral tem início com a efetivação das convenções pelas agremiações políticas, é necessário considerar que esse posicionamento coexiste com outros entendimentos, dentre o autor destaca:

(i) o processo eleitoral começa com o pedido de registro de candidaturas, ou seja: no dia 15 de agosto do ano eleitoral;

(ii) seu início coincide com a data mais remota de desincompatibilização, que é o mês de abril do ano das eleições;

(iii) principia com o início das restrições impostas pela legislação eleitoral, sendo esse marco o mês de janeiro do ano eleitoral ante o disposto no artigo 73, § 10, da Lei n° 9.504/97, que proíbe, no ano em que se realizar eleições “a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública [...]”;

(iv) inicia-se um ano antes do certame, face à regra da anterioridade ou anualidade eleitoral, prevista no artigo 16 da Constituição Federal. (GOMES, 2021, P. 354).

No entanto, reconhecida a importância do marco temporal para a deflagração do processo eleitoral, se mostra necessário dialogar com a necessidade de se reconhecer o marco normativo como mecanismo de coesão conceitual.

Assim, ao se levar em consideração que ´´o processo eleitoral configura-se como bem jurídico´´ (GOMES, 2021) Nota 06, é producente considerar que o processo eleitoral deve ser regido pelo marco normativo e não por um marco temporal. Dessa forma, mesmo como procedimento, o processo eleitoral pode ser compreendido como o percurso regido por regras e normas preestabelecidas que se concretiza com a consolidação do resultado obtido nas eleições.

Nesse caso, o marco normativo considera os fatos relacionados aos partidos, candidatos, eleições e impugnações e reclamações resultados das eleições para se estabelecer o âmbito de abrangência do processo eleitoral.

Desse modo, as fases do processo eleitoral englobam desde a prática dos atos partidários direcionados para a viabilização da participação das eleições, passando pela realização das convenções e registro das candidaturas com a realização das eleições e pelo momento posterior às eleições com a abertura da oportunidade para deflagração das ações relacionadas ao resultado das eleições.

Por esse viés, não se estabelece um marco temporal para o início e fim do processo eleitoral, mas um marco normativo que se mostra coerente com a finalidade precípua do processo eleitoral que é a de garantir a lisura e legitimidade das eleições.

Nesse aspecto, cabe considerar que a regulação do processo eleitoral está sempre em constante evolução através das inovações normativas, cujo objetivo é o de fazer incidir princípios e regras com a finalidade de salvaguardar o processo eleitoral de práticas que caracterizem abuso do poder econômico e político, do abuso dos meios de comunicação social, fraudes e outros ilícitos que possam macular a lisura e legitimidade das eleições (GOMES, 2021) Nota 07.

Ao se considerar que o processo eleitoral tem a finalidade de regular o acesso ao poder político, o compliance se materializa como instrumento que pode ser utilizado por partidos e candidatos para maximizar a conformidade normativa e, assim, legitimar os resultados obtidos nas urnas.

Segundo Assi (2018, p. 19) Nota 08, compliance pode ser entendido como a obediência, o cumprimento, a execução daquilo que se encontra determinado. No âmbito do processo eleitoral, o compliance não pode ter sua compreensão relacionada somente ao combate à corrupção ou ao engessamento que vincula sua conceituação aos aspectos formais de conformidade.

Assim, além de prevenir atos de desvio e de submeter partidos e candidatos à conformidade normativa, o compliance deve ser compreendido como um instrumento estratégico que tem por desígnio viabilizar a consecução dos objetivos almejados pelos atores que participam do processo eleitoral.

É necessário compreender que o compliance se aplica no âmbito interno dos partidos políticos nas relações que são estabelecidas entre os órgãos partidários e seus filiados, mas é aplicável também na relação que se estabelece entre os partidos e os atores externos (sociedade, Justiça Eleitoral, Estado, etc).

Portanto, diante da multiplicidade de funções desempenhadas pelos partidos, o compliance pode ser implementado de diversas formas no âmbito das greis partidárias, a depender das funções que desempenham, sendo que para o presente artigo o foco será direcionado para as funções desempenhadas pelos partidos políticos no âmago do processo eleitoral.

 

1.1 O Compliance como mecanismo de avaliação e mitigação de riscos no contexto do processo eleitoral

A complexidade do processo eleitoral demanda o mapeamento, avaliação e planejamento de ações direcionadas à mitigação dos riscos que envolvem os partidos e candidatos.

O mapeamento dos riscos envolvidos no processo eleitoral remete para fase anterior ao registro da candidatura, uma vez que o registro convalida atos praticados pelos partidos e candidatos em momento anterior ao da realização das convenções.

Assim, como estratégia política e eleitoral, é necessário que os partidos realizem uma avaliação prévia das condições de elegibilidade e se os filiados se encontram distantes de qualquer causa de inelegibilidade, tudo para fins de evitar prejuízos relacionados à realização de convenção partidária que venha escolher candidaturas juridicamente inviáveis.

Apesar do Art. 7º da Lei nº 9.504/97 delegar aos partidos a normatização do processo de escolha e substituição de candidatos e formação de coligações, não há margem para que as candidaturas e o processo adotado pelos partidos possam afastar das balizas estabelecidas pelas normas que regem as eleições. (Brasil, 1997) Nota 09.

É no período que antecede a realização das convenções que os partidos e filiados devem realizar o planejamento para participar das eleições, o que leva ao mapeamento dos riscos envolvidos e avaliação de todos os aspectos relacionados às condições de elegibilidade e causas de inelegibilidade dos filiados interessados em participar das eleições.

O compliance na primeira fase do processo eleitoral é de extrema importância para viabilizar a candidatura, na medida que possibilitar que o partido e candidatos participem regularmente da segunda fase do processo eleitoral, que compreende desde a convalidação do registro até a validação e computação dos votos.

A estruturação do compliance durante o processo eleitoral pode ser melhor compreendida através da análise da Figura abaixo:

 

Figura 2: Compliance na primeira fase do processo eleitoral

Fonte: Elaborado pelo autor.

 

A consideração do marco normativo para fins de conceituação do processo eleitoral possibilita que o compliance seja aplicado em todas as fases que antecedem o registro de candidatura, uma vez que o processo eleitoral deve compreender as fases que permeiam atos pretéritos praticados pelas greis partidárias.

Segundo Miranda (2019, p. 174) Nota 10, há uma tendência de que os partidos sejam cada vez mais regidos pelo Direito Público, seja em razão da relevância das funções que exercem na ordem pública, seja em razão do imperativo de moralidade, liberdade e igualdade entre as agremiações.

Assim, o compliance tem relevância na primeira fase do processo eleitoral como mecanismo voltado a possibilitar a participação dos partidos e filiados de forma regular e efetiva, uma vez que qualquer problema que seja constatado na seleção e indicação das candidaturas pode inviabilizar a efetivação da deliberação partidária.

Veja-se como exemplo o caso do partido que, sem planejar e mapear os riscos, realiza sua convenção para a definição da lista de candidatos, lançando o limite mínimo de candidaturas do gênero feminino de forma a contemplar os 30% previstos na Lei nº 9.504/97. Entretanto, no decorrer do processo eleitoral, na fase de registro, é constatado que uma das candidatas não preenche as condições de elegibilidade e/ou está maculada por uma das causas de inelegibilidade. Apesar da possibilidade de substituição ou de preenchimento da vaga por outra candidatura feminina, a falta de planejamento e mapeamento de riscos pode colocar em risco toda a ´´chapa´´ de candidatos para eleição proporcional.

Além do planejamento e mapeamento dos riscos que envolvem as candidaturas femininas, o compliance pode ser aplicado na primeira fase do processo eleitoral da seguinte forma:

- Mapeamento das candidaturas com maior possibilidade de êxito, de acordo com levantamento de dados das últimas eleições;

- Avaliação das indicações dos filiados que participarão das eleições, com levantamento de informações que contemplem as condições de elegibilidade e causas de inelegibilidade;

- Definição de estratégia para os casos de questionamento das candidaturas lançadas pelo partido político;

- Definição de estratégia para distribuição de recursos e horários destinados à propaganda eleitoral;

É necessário levar em consideração que o compliance não deve ser encarado pelos partidos políticos como um entrave para a consecução dos objetivos partidários, mas sim como um mecanismo que possibilita o planejamento, mapeamento e avaliação de riscos para possibilitar a efetiva participação do partido e de seus filiados em todo o processo eleitoral.

O entendimento engessado de que o processo eleitoral só se instaura com o registro das candidaturas tem levado partidos a direcionarem suas ações somente para remediar problemas. No entanto, a prevenção através do planejamento estratégico deve ser considerada para fins de implementação do compliance em todas as fases do processo eleitoral pelos partidos políticos.

 

Conclusão

As eleições demonstram a necessidade de aprimoramento dos mecanismos de planejamento e avaliação por parte dos partidos políticos, uma vez que é comum a notícia de casos em que os partidos são prejudicados em razão da inobservância das normas eleitorais, principalmente em relação à cota gênero estabelecida pela Lei nº 9.504/97 (Brasil, 1997) Nota 11.

A conformidade com as normas reduz riscos e possibilita a participação dos partidos em todas as fases do processo eleitoral, sem causar riscos aos filiados e, principalmente, aqueles que lograram êxito ao serem eleitos pelo voto democrático obtidos nas urnas.

O compliance deve ser entendido como o mecanismo de direcionamento do partido para a consecução de seus objetivos em todo o processo eleitoral, através do planejamento e definição de estratégias que estejam em conformidade com as normas eleitorais.

Deixar de adotar o compliance no âmbito do processo eleitoral torna o partido político vulnerável a interferência do Estado-juiz para a correção de distorções que possam macular a normalidade do processo eleitoral e vários outros princípios que o norteiam.

Nota 01 Mestre em Administração Pública pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Especialista em Direito Eleitoral. Pós-Graduado em Compliance e Integridade Corporativa pela PUC Minas Gerais. End: Rua Dr. Nelson Jorge, Quadra 23, Lote 1/16. Ed. Ecovilagio, apt. 1403, torre sole. Jardim Bela Vista. Aparecida de Goiânia. Goiás. CEP: 74912-034. Tel: (62) 9 9835-0339. E-mail: luizcesarone@gmail.com

Nota 02 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. São Paulo: Grupo GEN, 2021. 9788597028126. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597028126/. Acesso em: 20 mar. 2022

Nota 03 ASSI, Marcos. Compliance: como implementar, 1ª edição. São Paulo: Editora Trevisan, 2018. 9788595450356. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788595450356/. Acesso em: 20 mar. 2022.

Nota 04 GOMES, op. cit., p. 354.

Nota 05 Id, op. cit., p. 354.

Nota 06 GOMES, op. cit., p. 357.

Nota 07 GOMES, op. cit., p. 355.

Nota 08 ASSI, op. cit., p. 19.

Nota 09 BRASIL. Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. Brasília, DF: Presidência da República, 1997. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm. Acesso em: 09 out. 2022.

Nota 10 MIRANDA, Jorge. Os partidos políticos no regime democrático. Revista Populus, Salvador, n. 7, p. 163-182, dez. 2019

Nota 11 BRASIL, op., cit.