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A inelegibilidade por suspensão da filiação partidária fundada em fato superveniente à convenção partidária – estudo de caso

por Murilo Soares de Castro Nota 01

 

Nas eleições gerais de 2018 o Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE/GO) enfrentou uma questão muito peculiar no requerimento de registro de candidatura individual, autos n. 0601877-38.2018.6.09.0000.

À época, um filiado ao Diretório Regional do Partido Rede Sustentabilidade em Goiás, que fora escolhido em convenção partidária para concorrer ao cargo de Deputado Estadual, acabou sendo preso em operação deflagrada pelo Ministério Público de Goiás, cujo objetivo foi combater uma organização criminosa que atuava na prática de extorsões, concussões e corrupção, quatro dias após a convenção.

A executiva do Partido, após tomar conhecimento do fato pela impressa, decidiu pela abertura de processo ético disciplinar, e, em caráter de urgência, com previsão estatutária Nota 02, o suspendeu liminarmente das atividades partidárias por tempo indeterminado, bem como negou o uso de legenda para disputa de cargo eletivo.

Conjuntamente, foi estabelecido o envio da decisão ao conselho de ética da agremiação para apuração dos fatos.

Inconformado, e ainda preso, após o edital de publicação do pedido de Requerimento de Registro de Candidatura do Partido (RRC) não constar seu nome, o candidato procedeu o Requerimento de Registro de Candidatura Individual (RRCI), por sua vez, impugnado pelo partido (Ação de Impugnação ao Registro de Candidatura – AIRC).

Apenas para melhor visualização quantos as datas:

Convenção partidária: 02 e 05/08/2018;

 Prisão do candidato: 09/08/2018;

Suspensão preventiva da filiação partidária: 10/08/218;

 RRC: 14/08/2018;

RRCI: 16/08/2018;

AIRC: 24/08/2018.

De forma sucinta, na AIRC, a agremiação alegou que a representação política no Brasil se dá através dos partidos e as convenções partidárias são marco inicial da escolha dos candidatos para a disputa do pleito eleitoral, “esse ato é a mais pura personificação da autonomia partidária consagrada no art. 3º da Lei nº 9.096/95 Nota 03” , tanto é verdade que, com exceção de algumas limitações, em especial a data de suas realizações, todas as demais questões são totalmente, ou pelo menos deveriam ser dirimidas internamente pelos Partidos Políticos.

Art. 3º da Lei nº 9.096/95 - É assegurada, ao partido político, autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento.

Na mesma linha, trouxe que Constituição Federal estabelece no §1º do artigo 17 o Princípio da livre organização partidária, assegurando aos partidos autonomia para definir sua estrutura interna, organização, funcionamento, bem como estabelecer normas de fidelidade e disciplina partidária.

Art. 17 da Constituição Federal. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

 § 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.

Igualmente assentou que essa prerrogativa Constitucional, confere enorme força aos estatutos das agremiações partidárias, inclusive, em tese, proíbe que Lei Ordinária sobreponha-se às normas estatutárias relativas à estrutura interna, à organização, ao funcionamento e à formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios.

Assim, citou que é vedado ao Poder Judiciário interferência sobre a autonomia partidária Nota 04.

[...] O postulado constitucional da autonomia partidária criou, em favor dos Partidos Políticos – sempre que se tratar da definição de sua estrutura, de sua organização ou de seu interno funcionamento – uma área de reserva estatutária absolutamente indevassável pela ação normativa do Poder Público. Há, portanto, um domínio constitucionalmente delimitado, que pré-exclui – por efeito de expressa cláusula constitucional (CF , art. 17, §1º) – qualquer possibilidade de intervenção legislativa em tudo o que disser respeito à intimidade estrutural, organizacional e operacional dos Partidos Políticos. Precedente: ADI n. 1.063-DF, Rel . Min. Celso de Mello. Processo eleitoral e Princípio da reserva Constitucional de Competência legislativa do Congresso Nacional (CF . art. 22, I)  Nota 05.

Por sua vez, a agremiação aduziu que: “manutenção de candidato maculado com acusações de extorsão, concussão e corrupção, com prisão em flagrante amplamente difundida pela imprensa goiana, tem o condão de causar enorme prejuízo não apenas à agremiação, mas a todos os seus candidatos.”.

Ainda nessa linha, sustentou que naquela convenção Nota 06, foi ratificado pelos convencionais a observância e cumprimento das disposições estatutárias, especialmente quanto a fidelidade e a disciplina partidárias, bem como as diretrizes legitimamente estabelecidas pelo Partido.

Portanto, a prisão do candidato violaria os preceitos da agremiação, em especial, o dever de manter conduta pessoal, profissional e social de acordo e compatível com os objetivos e princípios éticos do Partido.

Estatuto do Partido rede Sustentabilidade – 2017 (em vigência à época);

 Art. 14 – Constituem deveres dos filiados:

 III – manter uma conduta pessoal, profissional e social de acordo e compatível com os objetivos e princípios éticos da REDE;

Ademais, lembrou que foi autorizado pelos convencionados “a Comissão Executiva a indicar e proceder com registro de candidatos [...] substituir o nome escolhido e aprovado, se caso este renunciar, falecer, ou for considerado inelegível, posteriormente ao registro”, e de que a ata foi aprovada por aclamação, sem impugnações.

Por outro lado, em contestação, de forma resumida, o candidato alegou a supremacia da convenção partidária e o suposto direito adquirido do filiado, também citou que o próprio estatuto da agremiação que lhe garantiria o contraditório e ampla defesa em caso de expulsão.

Estatuto do Partido rede Sustentabilidade – 2017 (em vigência à época) Nota 07;

 Art. 16 – O cancelamento imediato da filiação partidária verificar-se-á nos casos de:

 III – Expulsão, garantido o contraditório e a ampla defesa nos termos deste Estatuto Partidário;

Argumentou ainda perseguição política, e que a suspensão da filiação não poderia ocorrer, pois, decisões como aquela, poderiam fragilizar o processo democrático de escolha dos candidatos em detrimento a interesses de pequenos grupos.

Contudo, o Tribunal Regional Eleitoral de Goiás, por unanimidade, acolheu o voto do Relator Rodrigo de Silveira Nota 08 e julgou procedente a impugnação:

Ante o exposto, cravado no art. 14, § 3º, V da Constituição Federal, vale dizer, filiação partidária suspensa pelo partido, e art. 17, § 1º da CF - princípio da autonomia partidária, julgo a Ação de Impugnação procedente de Registro de Candidatura e indefiro o Requerimento de Registro de Candidatura de Jorge Carneiro Correia.

 Art. 14 da Constituição Federal. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

 § 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei:

 V - a filiação partidária

O Relator ponderou que apesar da vasta jurisprudência anexada pelo candidato, em momento algum, naqueles autos, se discutiu a expulsão do filiado, e sim, uma decisão partidária de natureza cautelar, fundada em fatos supervenientes à convenção com previsão estatutária.

Estatuto do Partido Rede Sustentabilidade – 2017 (em vigência à época);

 Art. 145 – Constituem infrações éticas e disciplinares:

 I – a violação às diretrizes programáticas, à ética, à fidelidade, à disciplina e aos deveres partidários ou a outros dispositivos previstos neste Estatuto;

 

 Art. 146. São as seguintes as medidas disciplinares:

 IV– suspensão das atividades partidárias por tempo determinado;

 VII – negativa de legenda para disputa de cargo eletivo.

Ainda em seu Voto, o Magistrado mencionou a Súmula TSE n. 52 e acrescentou que o Estatuto do Partido continha disposição expressa para a suspensão das atividades partidárias e a proibição do uso da legenda dos filiados em caso de descumprimento das diretrizes nacionais, com a possibilidade de revisão pela instância superior dessa decisão, garantindo o contraditório e ampla defesa.

Súmula TSE n. 52: em registro de candidatura, não cabe examinar o acerto ou desacerto da decisão que examinou, em processo específico, a filiação partidária do eleitor.

Vale ressaltar que a questão não pôde ser pacificada no Tribunal Superior Eleitoral, visto que, o pretenso candidato interpôs recurso ordinário contra decisão que indeferiu o seu pedido de registro de candidatura, contudo, nos termos do inciso II do art. 57 da Resolução TSE n. 23.548/2017, o recurso adequado seria o recurso especial, pois a matéria versa sobre condição de elegibilidade, qual seja, filiação partidária.

Art. 57 da Resolução TSE n. 23.548/2017 - Dos acórdãos proferidos pelos tribunais regionais eleitorais no exercício de sua competência originária cabem os seguintes recursos para o Tribunal Superior Eleitoral, no prazo de 3 (três) dias. II - recurso especial, quando versar sobre condições de elegibilidade.

Destarte, o referido recurso ordinário teve seu seguimento negado com base no § 6º do artigo 36 do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral.

Art. 36 do Regimento interno do TSE - O Presidente do Tribunal Regional proferirá despacho fundamentado, admitindo, ou não, o recurso.

 § 6º. O relator negará seguimento a pedido ou recurso intempestivo, manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior.

Dessa maneira, sabendo que as condições de elegibilidade, entre elas a filiação partidária, devem ser aferidas pelo Judiciário no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, e que no caso específico em análise, quando procedeu o pedido de registro de candidatura individual, o candidato não preenchia os requisitos do inciso V, §3º do artigo 14 da Constituição Federal (filiação partidária), indeferido foi o seu pedido.

 

Nota 01 Murilo Soares de Castro. Mestrando em Direito (PPGDA/UFG). Especialista em Direito Eleitoral (PUC/MINAS) e Direito Tributário (IBET). E-mail: murilocastro84@gmail.com

Nota 02 PARTIDO REDE SUSTENTABILIDADE. Estatuto do Partido Rede Sustentabilidade, de 01 de fevereiro de 2017, disponível em: https://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-resolucao-do-partido-redesustentabilidade-aprovado-em-1-2-2017/rybena_pdf?file=https://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tseresolucao-do-partido-rede-sustentabilidade-aprovado-em-1-2-2017/at_download/file. Acesso em: 01 abr. 2021.

Nota 03 FUX, Luiz et al. Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, v. 2, 2018. p. 391.

Nota 04 COÊLHO, Marcus Vinícius Furtado. Direito Eleitoral, Direito Processual Eleitoral e Direito Penal Eleitoral. 4º Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016.

Nota 05 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 1407 MC. Relator: Ministro Celso de Mello. Tribunal Pleno. Julgado em 07/03/1996. Publica em 24/11/2000.

Nota 06 PARTIDO REDE SUSTENTABILIDADE. Ata da Convenção Partidária do Partido Rede Sustentabilidade, eleições 2018. disponível em: https://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tre-go-rede-ata-de convencao/rybena_pdf?file=https://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tre-go-rede-ata-deconvencao/at_download/file. Acesso em: 01 abr. 2021.

Nota 07 PARTIDO REDE SUSTENTABILIDADE. Estatuto do Partido Rede Sustentabilidade, de 01 de fevereiro de 2017, disponível em: https://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-resolucao-do-partido-rede-sustentabilidade-aprovado-em-12-2017/rybena_pdf?file=https://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-resolucao-do-partido-redesustentabilidade-aprovado-em-1-2-2017/at_download/file. Acesso em 01 abr. 2021

Nota 08 BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral de Goiás. Registro de Candidatura. Acordão n. 206900/2018. Relator Rodrigo de Silveira. Data de Julgamento 12/09/2018. Disponível em: https://apps.trego.jus.br/publicacao/faces/pesquisa_acordaos.xhtml#. Acesso em: 01 abr. 2021.