Artigos
por Juliana Saddi ArtiagaNota 01
O desenvolvimento do tema possui como objetivo específico demonstrar que a interpretação conferida pela doutrina e pelo Supremo Tribunal Federal ao artigo 15, inciso III, da Constituição Federal de 1988, merece ser revista sob uma nova perspectiva, a fim de propiciar ao condenado criminalmente que cumpre pena em livramento condicional, regime aberto ou sursis uma plena reintegração social, por meio da emissão do título eleitoral para fins exclusivos de obter regularidade com o exercício do voto, de forma a diminuir, inclusive, a reincidência na vida criminosa.
Palavras-chave: cidadania, suspensão, direitos políticos, alcance, reintegração.
O tema da "Suspensão de Direitos Políticos e Reintegração Social" visa propor uma discussão sobre o alcance do artigo 15, inciso III, da Constituição Federal, o qual dispõe sobre a suspensão de direitos políticos em virtude de condenação criminal com trânsito em julgado, enquanto durarem seus efeitos.
No afã de fundamentar o estudo proposto, imperioso tecer algumas considerações acerca da importância da noção de cidadania, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, consoante previsto no artigo 1º, inciso II, da Carta Magna, assim como o seu relevante aspecto social.
Em seguida, para melhor compreensão do tema em debate, insta registrar o entendimento doutrinário e jurisprudencial, especialmente do Tribunal Superior Eleitoral e Supremo Tribunal Federal, acerca da matéria.
Feitos tais apontamentos, necessário elencar as consequências práticas da aludida suspensão para a vida do condenado criminalmente que cumpre pena em livramento condicional, regime aberto ou sursis, haja vista a impossibilidade de ele possuir inscrição eleitoral regular e exercer o voto, o que gera uma série de empecilhos para seu reingresso na vida civil, dentre eles, a impossibilidade de solicitar documento de identidade e Cadastro Nacional da Pessoa Física (CPF), o que evidentemente impede a sua plena reintegração social, já que sem referidos documentos não é possível a um empregador contratá-lo formalmente, ainda que existam políticas públicas de incentivo para tanto.
Nesta esteira de raciocínio, há que se rediscutir, em nome da inclusão social, a proibição de o apenado que não se encontra encarcerado ter acesso à documentação eleitoral, ainda que com restrições - especialmente no que tange à impossibilidade de em tais casos obter-se a quitação eleitoral - haja vista a necessidade de sua reinserção na vida em sociedade, a qual pressupõe adequada identificação, e, ainda, possibilidade de ingresso no mercado de trabalho formal e na educação, via matrícula em cursos profissionalizantes e de capacitação, a fim de diminuir, inclusive, a possibilidade de reincidência de vida criminosa e de serem eleitos candidatos que tenham propostas consistentes no desenvolvimento de políticas públicas efetivas para coibir a reincidência na prática criminosa.
A discussão sobre o tema proposto carece de uma breve consideração acerca da noção de cidadania. Veja-se, na acepção empregada pelos sábios da Grécia antiga, tratava-se da razão da existência humana (burgo = cidade = homem = cidadania), ainda que poucos fossem os cidadãos e escassas as pessoas que tinham acesso à participação ativa na sociedade.
Somente na Revolução Francesa ventilou-se um novo modelo de cidadania, baseado na máxima de que "todo poder emana do povo e em seu nome é exercido", proclamando-se a fraternidade, liberdade e igualdade entre todos os homens.
Com o passar dos tempos, uma das conquistas mais importantes do fim do século passado foi o reconhecimento de que a cidadania perfaz o componente fundamental no desenvolvimento da sociedade. Este avanço está na esteira das lutas pelos direitos humanos e pela emancipação das pessoas e dos povos, bem como reflete o progresso democrático.
Democracia, por sua vez, é o sistema político no qual o acesso ao poder pretende ser majoritariamente regulado ou administrado, não imposto por minorias, mas sim, organizado em prol das maiorias. Não é viável suprimir em seu conceito o fenômeno do poder, porque faz parte da estrutura da sociedade, mas é possível administrá-lo de modo democrático, sobretudo com base num Estado de Direito.
Analisando, portanto, a cidadania num enfoque democrático, cumpre questionar o que seria então ser cidadão.
Inicialmente, cumpre trazer à baila a lição de Maria de Lourdes Manzini Covre (1995, p. 09), que adverte que para muitos, ser cidadão confunde-se com o direito de votar. Mas, seguindo outra linha de raciocínio, quem já teve alguma experiência política - no bairro, igreja, escola, sindicato etc. - sabe que o ato de votar não garante por si só nenhuma cidadania. Vejamos:
"(…) a melhor proposta para definição de cidadania é a de que todos os homens são iguais ainda que perante a lei, sem discriminação de raça, credo ou cor. E ainda: a todos cabem o domínio sobre seu corpo e sua vida, o acesso a um salário condizente para promover a própria vida, o direito à educação, à saúde, à habitação, ao lazer. E mais: é direito de todos poder expressar-se livremente, militar em partidos políticos e sindicatos, fomentar movimentos sociais, lutar por seus valores. Enfim, o direito de ter uma vida digna de ser homem."
Na verdade, veja-se, cidadania é o próprio direito à vida em sentido amplo e, para ser plenamente exercida, vislumbra-se a concepção de que ela é algo que demanda construção coletiva de direitos e deveres, possuindo um forte viés político, envolvendo, além dos direitos políticos, os civis e sociais.
Portanto, a dimensão da cidadania não pode ser aferida exclusivamente pela lei ou pelos juristas, haja vista que sua materialização encontra guarida na vida dos indivíduos e na comunidade em que estão inseridos.
Ante esses breves apontamentos acerca da democracia e cidadania, é de fácil constatação que suas dimensões encontram-se em permanente construção, uma vez que envolvem conceitos de civismo, participação política, igualdade, dentre outros, o que torna este tema sempre relevante e atual, mormente no que diz respeito a discussões e ponderações de seus reflexos na vida civil e política dos jurisdicionados.
Sob outro enfoque, segundo Dallari (2015, p. 39), "a aquisição da cidadania depende sempre das condições fixadas pelo próprio Estado, podendo ocorrer com o simples fato do nascimento em determinadas circunstâncias, bem como pelo atendimento de certos pressupostos que o Estado estabelece".
Nestes termos, apesar de o conceito de cidadania, como bem descrito por Maria de Lourdes Manzini Covre, em sua obra anteriormente citada, não se reduzir apenas à capacidade de votar e de ser votado, necessariamente há que se passar pelo exercício dos direitos políticos para o amplo acesso ao referido instituto.
No ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seu artigo 1º, inciso III, a cidadania entre os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, e, destinou o Capítulo IV do Título II, para disciplinar acerca "Dos Direitos Políticos" dos cidadãos brasileiros, cuja suspensão dos direitos daqueles indivíduos condenados criminalmente será objeto do estudo proposto.
Direitos políticos, consoante ensina o doutrinador Alexandre de Moraes (2013, p. 538), "são o conjunto de regras que disciplina as formas de atuação da soberania popular, conforme preleciona o caput do art. 14 da Constituição Federal. São direitos públicos subjetivos que investem o indivíduo no status activae civitatis, permitindo-lhe o exercício concreto da liberdade de participação nos negócios políticos do Estado, de maneira a conferir os atributos da cidadania".
O cidadão, contudo, pode ser privado de seus direitos políticos, temporária ou definitivamente, sendo que o texto constitucional, em seu artigo 15, vedou expressamente a cassação de direitos políticos, amplamente empregada pelo governo militar (Ato Institucional nº 1/64).
Com efeito, a perda reflete uma privação definitiva dos direitos políticos, o que significa o término da condição de eleitor da pessoa, assim como de todos os direitos inerentes a sua cidadania, e ocorre nas hipóteses de cancelamento da naturalização por sentença com trânsito em julgado e recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa. Já a suspensão remonta a uma privação temporária do direito de votar e ser votado, onde o indivíduo poderá readquirir respectivos direitos quando cessados os motivos que a ela deram causa, quais sejam: a incapacidade civil absoluta, condenação criminal com trânsito em julgado e improbidade administrativa.
Acerca da suspensão prevista no supracitado artigo 15, inciso III, da Constituição Federal, insta registrar que a doutrina defende a sua auto-executoriedade e eficácia plena e imediata, sendo esta também a posição pacífica da jurisprudência, com enfoque para o Tribunal Superior EleitoralNota 02 e o Supremo Tribunal Federal, consoante julgado abaixo citado do Ministro Celso de Melo, que cita, ao final, o voto precursor do debate em tela proferido pelo então Ministro Moreira Alves:
"(…) A norma inscrita no art. 15, III, da Constituição reveste-se de auto-aplicabilidade, independendo, para efeito de sua imediata incidência, de qualquer ato de intermediação legislativa. Essa circunstância legitima as decisões da Justiça Eleitoral que declaram aplicável, nos casos de condenação penal irrecorrível - e enquanto durarem os seus efeitos, como ocorre na vigência do período de prova do sursis -, a sanção constitucional concernente à privação de direitos políticos do sentenciado. Precedente: RE nº 179.502-SP (Pleno), Rel. Min. MOREIRA ALVES. Doutrina. (RMS 22470 AgR/SP - SÃO PAULO
AG.REG.NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Relator: Min. CELSO DE MELLO - Julgamento: 11/06/1996)."
Outro ponto acerca da questão ora abordada, cujo alcance apresenta inúmeros reflexos para a vida do apenado, é justamente a duração da aludida suspensão de direitos políticos, tema que será abordado em sequência. Preconiza o citado inciso que a suspensão dos direitos políticos perdura enquanto durarem os efeitos da sentença penal condenatória, ou seja, enquanto não for decretada a extinção da punibilidade do condenado, não há que se falar em reaquisição dos direitos políticos.
Uma das maiores dificuldades enfrentadas pelo indivíduo condenado criminalmente quando volta ao convívio em sociedade, ainda no cumprimento da pena a ele aplicada, por meio do livramento condicional, com monitoramento eletrônico, em regime albergue domiciliar ou aberto, bem como em relação ao sursis, diz respeito à assistência e ao amparo da legislação de forma a propiciar o seu reingresso na vida civil.
Dentre esses empecilhos, destaca-se, precipuamente, a impossibilidade de as referidas pessoas requererem a inscrição eleitoral ou obterem a regularidade daquela que já possui por estarem com os seus direitos políticos suspensos. E, sem a regularidade eleitoral, não há possibilidade de serem exercidos muitos outros atos da vida civil, destacados pelo artigo 7º do Código Eleitoral, dentre eles:
"Art. 7º (…)
§ 1º Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor:
(…)
V - obter passaporte ou carteira de identidade;
VI - renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo;
(…)"
Cumpre abrir um parêntese nesse ponto a fim de explicar a diferença entre regularidade com o exercício do voto e quitação eleitoral. A primeira pressupõe que o comparecimento do eleitor às urnas para votar, justificar ou pagar multa referente à ausência às urnas; ao passo que a segunda é um conceito que abrange o primeiro, e diz respeito, conforme o disposto no artigo 11, §7º, da Lei nº 9504/97, além da regularidade com o exercício do voto, a plenitude do gozo dos direitos políticos, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas em caráter definitivo pela Justiça Eleitoral e não remitidas e a apresentação de contas de campanha eleitoral.
É importante delimitar que o que é defendido no caso em estudo é o acesso do indivíduo que cumpre pena em liberdade ao título eleitoral e, consequentemente, ao voto, ou seja, que ele possa ser considerado regular com a Justiça Eleitoral a fim de exercer sua cidadania e poder obter toda documentação que dependa da referida inscrição. Não há que se falar, portanto, na possibilidade de quitação eleitoral para a situação em análise, posto não ter o apenado a plenitude do gozo dos direitos políticos, o qual pressupõe, além da capacidade eleitoral ativa, a capacidade eleitoral passiva, isto é, susceptibilidade de ser eleito.
É evidente, ainda, que deve haver uma ponderação acerca de quais atos o apenado poderá exercer com o título eleitoral em mãos. Não seria razoável, por exemplo, admitir que ele solicite passaporte, ante a sua impossibilidade de ausentar-se do país.
Pois bem, feitos tais esclarecimentos, nota-se que pesa sobre o indivíduo que não possui ao menos regularidade com o exercício do voto consequências rigorosas previstas no Código Eleitoral, das quais destacam-se duas: impossibilidade de obtenção de carteira de identidade e de matricular-se em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo. Ou seja, o indivíduo que pretende a sua reintegração na sociedade se vê impossibilitado de obter a carteira de identidade, documento imprescindível para inserção ou até mesmo existência de qualquer pessoa no mundo civil e ainda de procurar profissionalizar-se através dos estudos em instituições oficiais de ensino.
Há de se ressaltar, ainda, que o indivíduo sem o título eleitoral não consegue solicitar CPF (Cadastro de Pessoa Física)Nota 03, e, por conseguinte, praticar todos os atos que dele dependa. Também não pode tirar o certificado de alistamento militar, caso o condenado não o tenha feito antes de sua condenação criminal com trânsito em julgado , e não tem acesso, também, ao cadastro do PIS/PASEP, requisito indispensável para sua admissão em um emprego formal.
Cumpre registrar, por oportuno, que há iniciativas do poder público para a inserção dos cumpridores de penas e medidas alternativas (assim como os presos, egressos e adolescentes em conflito com a lei, os quais, contudo, não são objetos deste estudo) no mercado de trabalho, como o programa "Começar de Novo" do Conselho Nacional de JustiçaNota 04, que outorga o "Selo do Programa Começar de Novo" às instituições públicas e entidades privadas que "criam postos de trabalhos e cursos de capacitação profissional a condenados e egressos do sistema carcerário". Mas, há de se frisar que, como dito alhures, o possível empregador fica impedido de contratar formalmente quem não possuir documentação necessária.
Pode-se concluir, portanto, que o indivíduo sem a inscrição eleitoral e a regularidade com o exercício do voto encontra-se praticamente alijado da vida civil e política, o que afronta o próprio espírito da Constituição Federal de 1988, batizada pelo então presidente da Câmara dos Deputados, quando da sua promulgação, Deputado Ulysses Guimarães, de "Constituição Cidadã", e, em assim sendo, possui a Carta Magna Brasileira como um dos vetores de condução da sociedade a função de propiciar a todo indivíduo o direito de buscar a sua representatividade, prerrogativa esta que não pode ser negada ao condenado que se encontra em liberdade, sob pena de ele viver às margens da sociedade.
Considerando os levantamentos apontados acerca das consequências de um indivíduo sem título eleitoral e sem regularidade com o exercício do voto, constata-se que a reintegração na sociedade, especialmente via emprego formal, de condenado que cumpre pena em livramento condicional, regime albergue domiciliar ou aberto é praticamente inatingível nos moldes ora existentes.
Dessa forma, há que se provocar uma discussão sistêmica acerca do alcance da expressão "enquanto durarem seus efeitos", contido no artigo 15, inciso III, da CF.
Com efeito, a título de reflexão sobre a matéria posta em debate, a suspensão de direitos políticos prevista no artigo 15, inciso II, da Constituição Federal de 1988, no que tange aos absolutamente incapazes sofreu significante alteração pela legislação infraconstitucional, posto que a Lei nº 13.146, de 06 de junho de 2015, que instituiu a Lei Brasileira da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), e entrou em vigor em 02 de janeiro de 2016, alterou os limites da incapacidade civil, a fim de, consoante previsto em seus artigos 1º e 2º, assegurar e promover o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, seja ela de natureza física, intelectual ou sensorial.
Ademais, no artigo 76, §1º, inciso IV, o supracitado estatuto dispôs acerca da "garantia do livre exercício do direito ao voto e, para tanto, sempre que necessário e a seu pedido, permissão para que a pessoa com deficiência seja auxiliada na votação por pessoa de sua escolha".
Ante a tal alteração legislativa, o Tribunal Superior Eleitoral determinou, por unanimidade, em acórdão proferido no Processo Administrativo nº 114-71.2016.6.00.0000 que não sejam procedidas às anotações de suspensões de direitos políticos no Cadastro Nacional de Eleitores dos indivíduos que sofreram interdição por incapacidade civil absoluta, nos termos da supracitada lei, de forma a permitir a inclusão social da pessoa com qualquer forma de deficiência.
Deve-se, neste ponto, fazer uma ponderação: se lei infraconstitucional alterou o conceito de incapacidade civil absoluta de forma a permitir que uma pessoa que não possa exprimir sua vontade de forma consciente tenha o direito, e até mesmo dever, de eleger os dirigentes dos poderes executivo e legislativo, por que não um condenado que não esteja privado de sua liberdade e possui plena consciência de seus atos não o possa fazê-lo?
O mesmo intuito que levou o legislador a conferir a inclusão social e cidadã da pessoa com deficiência deve ser considerado também para aqueles que cometeram práticas delituosas e não se encontram encarcerados, até porque tal medida garantiria uma efetiva reintegração social, na medida em que, tendo referidos indivíduos acesso ao título de eleitor, poderão solicitar documentação que dele dependa, conforme dito anteriormente (CPF, PIS etc.), e também praticar atos da vida civil e política inerentes ao conceito de cidadania.
Para tanto, compete ao próprio Supremo Tribunal Federal uma nova interpretação ao artigo 15, inciso III, da Carta Magna, de forma a conferir ao aludido dispositivo uma interpretação sistêmica e holística com os princípios constitucionais da universalidade do sufrágio, da proporcionalidade, da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana, o qual, assim como a cidadania, constitui um dos fundamentos da república.
Consoante esse novo paradigma ora proposto, caberia, ainda, à Corte Suprema, delimitar quais atos decorrentes da regularidade do voto, previstos no citado artigo 7º do Código Eleitoral, poderia o apenado em liberdade ter acesso, a fim de que, pela própria visão teleológica da norma constitucional, a cidadania possa por ele ser exercida sem, contudo, interferir ou prejudicar o próprio direito punitivo do Estado.
Diante do que foi debatido no artigo em tela, há de se ponderar sobre uma pujante necessidade de rediscussão acerca da abrangência do artigo 15, inciso III, da Constituição Federal face ao próprio fundamento constitucional da cidadania que, a despeito de não se reduzir a isso, significa passar, obrigatoriamente, pelo exercício dos direitos políticos.
Conforme alerta Dalmo Dallari (1998, p. 14), "quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e tomada de decisões ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social" e, é exatamente a fim de diminuir a parcela de brasileiros que vivem num status de marginalização política e social que se propõe o acesso ao voto dos brasileiros que cumprem pena em liberdade.
Há que se considerar, ainda, o disposto no artigo 21.1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, datada de 1948, devidamente ratificada pelo Brasil, onde está explicitado que "toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direcção dos negócios públicos do seu país, quer directamente, quer por intermédio de representantes livremente escolhidos".
Ante o delineado nessas breves linhas, considerando os já enumerados princípios e fundamentos do Estado Democrático de Direito, construídos sobre os pilares da vontade popular, a manutenção pelo Supremo Tribunal Federal da atual interpretação literal ao artigo 15, inciso III, da Constituição Federal, configura verdadeiro cerceamento à cidadania e, portanto, à capacidade constitucional dos indivíduos apenados em liberdade de expressarem suas aspirações por meio do voto.
Ademais, ante a falta de vontade política dos detentores de mandatos eletivos no que se refere à ressocialização do condenado, a medida ora proposta propiciaria aos candidatos a cargos eletivos a se interessarem em realmente oferecer um programa de governo que incremente políticas públicas efetivas ao sistema penitenciário, assim como aos egressos, a fim de diminuir, ou quiçá, em uma visão prospectiva, cessar a reincidência dessas pessoas na criminalidade.
Nota 01 Técnica Judiciária no Tribunal Regional Eleitoral de Goiás.
Nota 02 651-72.2012.626.0133, AgR-REspe nº 65172 - São Simão/SP, Acórdão de 29/04/2014, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 98, Data 28/5/2014, Página 82/83.