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por Flávio Roldão de Carvalho Lelis Nota 01, George Lauro Ribeiro de Brito Nota 02, Adenir José de Sousa Nota 03, Ilana Murici Ayres Nota 04, José Carlos Lucio Maia Nota 05, Katiusse Kelle de Melo Soares Nota 06, Luciana Mamede da Silva Nota 07, Luiz Henrique Borges de Azevedo Silva Nota 08, Márcio Antônio Duarte Oliveira Nota 09
e Vitor Carneiro Ramos Nota 10
A crescente demanda por práticas sustentáveis na administração pública tem impulsionado órgãos do Poder Judiciário a reverem seus fluxos de trabalho, buscando alinhar eficiência, responsabilidade ambiental e qualidade no atendimento ao cidadão.
No âmbito do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE/GO), recentemente a Direção-Geral, por meio da Portaria nº 37/2025 instituiu grupo de estudos para apresentar soluções com vistas à redução do consumo de papel e de copos descartáveis (GE 37/2025).
A iniciativa surgiu como resposta às diretrizes da Resolução CNJ nº 400/2021, que trata da sustentabilidade no Judiciário, e a manifestações internas sobre os impactos de medidas restritivas que tiveram de ser tomadas pela Administração.
Um dos principais desafios enfrentados pela equipe do GE 37/2025 foi o de sugerir mudanças no comportamento organizacional que fossem efetivas para os resultados esperados, mas sem comprometer a experiência do cidadão. Para tanto, reconheceu-se que a simples adoção de novas ferramentas ou rotinas não seria suficiente.
Era necessário desenvolver uma estratégia estruturada de gestão da mudança, capaz de articular comunicação clara, engajamento dos servidores e respeito à diversidade de perfis e contextos das unidades eleitorais. O processo foi conduzido com base na metodologia da pesquisa-ação, que possibilita a escuta ativa, a experimentação em ambientes reais e a revisão contínua das estratégias adotadas.
Este artigo tem por objetivo apresentar a abordagem utilizada pelo GE 37/2025 no eixo de Gestão da Mudança, destacando os princípios orientadores, as etapas do planejamento e os resultados iniciais observados.
A proposta baseou-se em conceitos consolidados da literatura sobre transformação organizacional, como os modelos de Kotter e Stauffer, mas também foi enriquecida por vivências práticas ocorridas nas zonas eleitorais que participaram do processo.
O foco principal foi garantir que a redução de impressões fosse percebida não como imposição, mas como um gesto consciente de sustentabilidade — com liberdade de escolha para o cidadão.
Ao explorar esse eixo temático, o artigo reforça a ideia de que mudanças sustentáveis no setor público não dependem apenas de soluções tecnológicas, mas principalmente de uma condução sensível e inteligente do processo de transição.
O sucesso da iniciativa, nesse sentido, está diretamente relacionado à capacidade da instituição de dialogar com as equipes de trabalho e com os cidadãos que utilizam seus serviços, promovendo um ambiente onde inovação, cultura e serviço público caminham juntos.
A seguir, serão apresentados os principais fundamentos teóricos, os passos adotados pela equipe de trabalho e as lições aprendidas durante a implementação da mudança.
A transformação organizacional no setor público exige mais do que alterações estruturais ou introdução de novas ferramentas. Envolve, sobretudo, a capacidade de engajar pessoas em torno de uma visão compartilhada de futuro.
Para que um esforço de mudança ganhe impulso, a comunicação precisa ir além da transmissão de dados objetivos — é necessário lidar com as emoções dos colaboradores (Stauffer, 2007).
Isso implica reconhecer o papel dos servidores como protagonistas do processo, sobretudo aqueles que atuam na linha de frente, identificados por Stauffer (2007) como "a face pública da organização". A adesão dessas pessoas é fundamental para que a mudança alcance o grau de excelência desejado.
Ainda segundo o autor, o êxito de uma transformação institucional depende de uma combinação equilibrada entre abordagens de cima para baixo (top-down) e de baixo para cima (bottom-up). Isso reforça a importância de processos dialógicos e da escuta ativa no planejamento da mudança.
Os referidos princípios se alinham ao modelo proposto por Kotter (2008), que compreende o processo de mudança como algo estruturado em fases sucessivas. Embora o percurso possa ser demorado, pular etapas gera apenas a ilusão de velocidade e compromete os resultados esperados.
Para que a transformação ocorra, é necessário definir uma visão clara, uma imagem de futuro convincente que possa ser comunicada de maneira acessível e inspiradora.
Kotter também destaca que a coerência entre discurso e prática é essencial. A comunicação, segundo ele, não se limita às palavras: "nada tem maior poder de enfraquecer a mudança do que o comportamento de indivíduos importantes que seja inconsistente com suas palavras" (Kotter, 2008).
Essa perspectiva reforça a necessidade de alinhamento entre liderança institucional, decisões estratégicas e atitudes cotidianas, especialmente em um ambiente como o da Justiça Eleitoral, onde a credibilidade é um ativo central.
Complementando essa visão, Sirkin, Keenan e Jackson (2008) propõem uma abordagem baseada em quatro fatores críticos para o sucesso da mudança, que eles denominam de estrutura DICE: duração, integridade, comprometimento e esforço.
Segundo os autores, ao analisar processos de transformação em mais de 200 empresas, verificou-se que o desempenho nesses quatro fatores guarda uma correlação direta com a obtenção de resultados efetivos (Sirkin, Keenan e Jackson, 2008).
Essa constatação sugere que, mesmo em ambientes com limitações de recursos, o foco em disciplina de execução e clareza de objetivos pode viabilizar mudanças sustentáveis e duradouras.
A literatura também chama atenção para aspectos menos previsíveis do processo de mudança. Para Gary (2007), por exemplo, a inovação não está restrita aos setores high tech. Instituições consideradas mais tradicionais também podem inovar sem necessariamente aplicar intensamente novas tecnologias digitais.
O autor também destaca que a inovação muitas vezes emerge em contextos de pressão e escassez. "As limitações podem servir como a pressão necessária para a mudança ocorrer", afirma (Gary, 2007).
Ele defende ainda que a mudança bem-sucedida requer discussões construtivas centradas em ideias, e não em personalidades, bem como a capacidade de buscar inspiração fora do setor de atuação, o que amplia as possibilidades de solução criativa (Gary, 2007).
Por fim, Anthony e Christensen (2007) enfatizam que inovação e mudança não devem ser tratadas como eventos aleatórios. Embora a serendipidade possa desempenhar um papel eventual, existem padrões e mindsets que podem ser aprendidos e replicados.
Dentre estes padrões, destacam-se: a) aplicar critérios de mensuração adequados a cada fase da mudança; b) aceitar e lidar com a incerteza de forma construtiva; c) reconhecer que o fracasso pode gerar aprendizados valiosos; e d) perceber a escassez como oportunidade criativa (Anthony e Christensen, 2007).
Esses princípios se mostraram especialmente úteis na experiência vivida pelo TRE-GO para adequação às diretrizes do CNJ sobre sustentabilidade, que estabeleceram o desafio de fazer mais — e melhor — com os recursos já disponíveis.
No âmbito do GE 37/2025, a frente de Gestão da Mudança foi concebida com o objetivo de propor diretrizes capazes de garantir que eventuais alterações nos fluxos de trabalho relacionados ao uso de papel e copos descartáveis fossem compreendidas, aceitas e incorporadas de forma gradativa, com respeito à experiência dos servidores e à expectativa dos cidadãos.
Essa frente foi estruturada com base na metodologia da pesquisa-ação, adotando um planejamento dividido em quatro fases: mapeamento das expectativas, construção da estratégia, campanha de sensibilização e proposta de mecanismos de monitoramento e ajustes futuros.
Na primeira fase, foram identificadas percepções recorrentes entre servidores quanto às limitações provocadas por medidas restritivas relacionadas à impressão de documentos, em especial nos cartórios eleitorais.
Também foi observada uma preocupação institucional em conciliar as exigências da Resolução CNJ nº 400/2021, que trata da sustentabilidade no âmbito do Poder Judiciário, com a manutenção de um atendimento de qualidade ao cidadão, inclusive com a possibilidade de acesso a documentos físicos quando assim desejado.
A partir desse diagnóstico, foram definidos princípios orientadores para pautar as ações a serem desenvolvidas:
Esses princípios balizaram a construção das propostas apresentadas pelo GE 37/2025.
Entre as ações sugeridas estão a elaboração de campanhas informativas para estimular o uso consciente de recursos, como o e-Título e as certidões digitais, além da valorização de iniciativas que respeitam a autonomia do cidadão — como o envio de documentos por meios eletrônicos nos casos em que isso for viável e desejado pelo usuário.
Também foi proposta a criação de um plano de comunicação voltado para a promoção da sustentabilidade com foco positivo, evitando termos que remetam à escassez ou à limitação de direitos. Por fim, sugeriu-se o acompanhamento contínuo da percepção dos servidores e dos eleitores sobre as medidas adotadas, como forma de subsidiar ajustes e garantir aderência institucional ao longo do tempo.
Considerando que o escopo do GE 37/2025 se concentrou na elaboração de propostas, e não na execução imediata das medidas sugeridas, os resultados observados até o momento referem-se à construção coletiva de diretrizes e soluções para o enfrentamento do problema identificado: o consumo elevado de papel e copos descartáveis, com possível impacto na qualidade do atendimento ao cidadão.
No eixo da gestão da mudança, o principal produto foi a definição de um conjunto de princípios orientadores e estratégias estruturadas para facilitar a aceitação das transformações propostas.
O GE 37/2025 destacou que, para que as ações de redução de impressões ganhem legitimidade, é essencial manter a possibilidade de entrega de documentos físicos ao cidadão como uma opção legítima e acessível, evitando que a digitalização seja percebida como uma forma de restrição.
Com base nisso, foram elaboradas sugestões de campanhas institucionais e orientações para a elaboração de materiais de comunicação que respeitem esse princípio.
Outro aprendizado importante relatado pelo GE 37/2025 diz respeito à relevância das percepções subjetivas dos servidores em relação à mudança.
Durante os trabalhos, foi possível identificar que parte da resistência a medidas de sustentabilidade não se relaciona diretamente à sua viabilidade técnica, mas a sentimentos de insegurança quanto à percepção do público ou ao risco de prejuízo à imagem institucional.
Diante disso, o GE 37/2025 propôs que as ações de mudança sejam acompanhadas por estratégias comunicacionais que deem visibilidade à preocupação da instituição com a qualidade do serviço e com o bem-estar do cidadão.
Também foi possível observar que experiências bem-sucedidas em unidades específicas podem funcionar como referência positiva para outras. O relatório menciona, por exemplo, como são realizados os atendimentos aos eleitores na Assistência de Atendimento ao Eleitor, Acessibilidade e Socioambiental (ATEND), que adotou um fluxo de trabalho otimizado para evitar a impressão de documentos, mas sem comprometer a satisfação das pessoas que buscam o serviço eleitoral.
Situações como essa demonstram que iniciativas pontuais, ainda que informais, podem indicar caminhos viáveis para a consolidação de novas práticas organizacionais, desde que respeitados os limites legais e a autonomia do cidadão.
Por fim, o GE 37/2025 ressaltou a importância de que a mudança seja conduzida como um processo contínuo e adaptável, com mecanismos de escuta e de revisão periódica das ações implementadas. A proposta de incluir a percepção dos servidores e usuários como critério de monitoramento foi destacada como forma de garantir que as ações permaneçam alinhadas às reais condições e expectativas das unidades.
Assim, o eixo de gestão da mudança contribui com fundamentos estratégicos e operacionais que auxiliam na construção de uma cultura organizacional mais sensível à sustentabilidade e mais comprometida com a qualidade do serviço público.
A frente de trabalho dedicada à Gestão da Mudança no âmbito do projeto de transformação sustentável do TRE/GO concentrou esforços na construção de estratégias voltadas à aceitação e à viabilidade das medidas propostas, especialmente aquelas relacionadas à redução do consumo de papel e copos descartáveis.
Partindo da premissa de que toda mudança institucional bem-sucedida depende da adesão dos servidores e da confiança dos usuários, buscou-se desenvolver diretrizes que respeitassem as particularidades da cultura organizacional, bem como as expectativas legítimas dos cidadãos quanto à qualidade do atendimento prestado.
A metodologia da pesquisa-ação permitiu que a elaboração das propostas se baseasse em percepções reais e experiências concretas observadas nas unidades da Justiça Eleitoral.
Ainda que os efeitos das medidas sugeridas não tenham sido implementados no momento da redação deste artigo, o processo de escuta, análise e formulação colaborativa permitiu avançar na definição de princípios fundamentais para orientar eventuais mudanças futuras.
Entre os principais aprendizados obtidos durante os trabalhos, destacam-se: a importância da comunicação clara e coerente como ferramenta de engajamento; o reconhecimento da liberdade do cidadão como valor a ser preservado nas ações de sustentabilidade; e o papel estratégico de servidores da linha de frente como agentes multiplicadores de boas práticas.
Além disso, o GE 37/2025 evidenciou que resistências institucionais não devem ser tratadas como barreiras intransponíveis, mas como indicativos da necessidade de ajustes, diálogos e adaptações.
Espera-se que as propostas desenvolvidas nesta frente possam subsidiar decisões futuras da Administração do TRE/GO e sirvam de inspiração para outras iniciativas semelhantes no âmbito do serviço público.
A consolidação de uma cultura institucional comprometida com a sustentabilidade depende, em grande parte, da forma como as mudanças são conduzidas, comunicadas e percebidas por quem as vivencia.
Nos próximos artigos desta série, serão abordadas as frentes de Transformação Digital e Gestão das Impressões, que, junto à Gestão da Mudança, compõem os pilares da proposta apresentada.
Nota 01 Doutor em Estruturas e Construção Civil (UnB). Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado de Goiás - Câmpus Goiânia. E-mail: flavio.roldao@ifg.edu.br.
Nota 02 Doutor em Estruturas e Construção Civil (UnB). Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado de Goiás - Câmpus Goiânia. E-mail: flavio.roldao@ifg.edu.br.
Nota 03 Mestrando do PPGGTD da UFT. E-mail: adenir.sousa@uft.edu.br .
Nota 04 Mestranda do PPGGTD da UFT. E-mail: ilanamurici@gmail.com .
Nota 05 Mestrando do PPGGTD da UFT. E-mail: lucio.maia@uft.edu.br
Nota 06 Mestranda do PPGGTD da UFT. E-mail: katiusse.soares@uft.edu.br .
Nota 07 Mestranda do PPGGTD da UFT. E-mail: luciana.mamede@uft.edu.br .
Nota 08 Doutorando do PPGGTD da UFT. E-mail: lhbasilva@gmail.com .
Nota 09 Mestrando do PPGGTD da UFT. E-mail: duarte.marcio@uft.edu.br .
Nota 10 Mestrando do PPGGTD da UFT. E-mail: carneiro.ramos@uft.edu.br .