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O direito à liberdade de expressão e o combate às notícias falsas: Um dilema na Justiça Eleitoral

por Fábio Busquin dos Santos Nota 01

 

Resumo

O presente trabalho tem por objetivo esclarecer o dilema posto às magistradas e aos magistrados eleitorais, uma vez que é necessário combater as notícias falsas; porém, é preciso observar o direito à liberdade de expressão. Ao final, concluímos que, em respeito ao princípio da liberdade de expressão, a intervenção judicial deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático, ficando limitada às hipóteses em que haja violações às leis eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas participantes do pleito eleitoral.


1. Introdução

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no artigo 5º, garante aos brasileiros e aos estrangeiros, dentre outros, a inviolabilidade do direito à liberdade.

O direito à liberdade possui um conceito amplo, mas, para o presente estudo, restringimo-nos à liberdade de expressão.

Com a popularização da internet, houve uma ampliação dos meios em que as pessoas podem externar as suas posições, tecer críticas ou elogios.

Hodiernamente, portando apenas um aparelho de telefone celular, uma pessoa pode atuar como repórter, transmitindo notícias em tempo real ou relatando fatos por meio da rede mundial de computadores.

Todavia, ao mesmo tempo em que possui um lado positivo, a ampliação no uso da internet possui um aspecto negativo, consistente na divulgação de notícias falsas de forma mais rápida.

Cumpre ressaltar que as notícias falsas sempre existiram; porém, com a rede mundial de computadores, elas são propagadas de uma forma mais célere.

Durante o processo eleitoral, seja nas Eleições Gerais ou nas Municipais, quando as causas relativas à divulgação de notícias falsas são levadas a julgamento, a magistrada ou o magistrado eleitoral depara-se com um dilema: garantir o direito à liberdade de expressão ou combatê-las.

No presente trabalho, tentaremos trazer alguns esclarecimentos a esta questão tormentosa para a Justiça Eleitoral.


2. O direito à liberdade de expressão

Na introdução, assentamos que o direito à liberdade possui um conceito amplo, podendo abranger tanto a liberdade interna como a externa, bem como os aspectos negativo e positivo.

Conforme leciona Silva, para o direito positivo,

interessa cuidar apenas da liberdade objetiva (liberdade de fazer, liberdade de atuar). É nesse sentido que se costuma falar em liberdade no plural, que, na verdade, não passa das várias expressões externas da liberdade. Liberdades, no plural, são formas da liberdade, (...)" (SILVA, 2008, p. 235)

No presente trabalho, iremos tratar do direito à liberdade de expressão, o qual constitui uma liberdade da pessoa de manifestar sua opinião sobre determinado assunto.

Na lição de Farias, o termo correto seria liberdade de expressão e comunicação, uma vez que esta locução captaria

melhora evolução jurídica da comunicação humana desde os seus primórdios, como liberdade negativa de não ser coarctada a expressão de pensamento, até a atualidade, com o acréscimo da liberdade positiva de comunicar fatos por meios institucionalizados, do direito de acesso às fontes de informação, do direito de acesso aos meios de comunicação de massa e dos direitos de ser informado. Assim, a locução liberdade de expressão e comunicação pretende-se aqui aludir a um direito fundamental de dimensão subjetiva (garantia de autonomia pessoal) e institucional (garantia de formação da opinião pública, da participação ativa de todos no debate público, do pluralismo político e do bom funcionamento da democracia) assegurado a todo cidadão, consistindo na faculdade de manifestar livremente os próprios pensamentos, ideias, opiniões , crenças, juízos de valor, por meio da palavra oral e escrita, da imagem ou de qualquer outro meio de difusão (liberdade de expressão), bem como na faculdade de comunicar ou receber informações verdadeiras sem impedimentos nem discriminações (FARIAS, 2001, p. 45).

No presente trabalho, iremos utilizar o termo direito à liberdade de expressão para uma melhor compreensão.

Cumpre ressaltar que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 garante a liberdade da manifestação do pensamento, vedando apenas o anonimato (artigo 5º, inciso IV).

Conforme se observa pelo texto constitucional, a regra é a liberdade; porém, é exigido daquele que emite uma opinião que se identifique, para que, em caso de veiculação de eventuais ofensas, possa ser responsabilizado pelos eventuais ofendidos.

Adentrando na seara do direito eleitoral, observa-se que o direito à liberdade de expressão é um dos fundamentos da propaganda política.

Cumpre, neste ponto, abrir parênteses, para que possamos estabelecer que propaganda política é gênero, sendo que as espécies são a partidária, a intrapartidária, a eleitoral e a institucional.

Segundo Gomes, a propaganda partidária consiste

na divulgação das ideias e do programa do partido. Tem por finalidade facultar- lhe a exposição e o debate público de sua ideologia, de sua história, de sua cosmovisão, de suas metas, dos valores agasalhados, do caminho para que seu programa seja realizado, enfim, de suas propostas de melhoria ou transformação da sociedade. Com isso, a agremiação aproxima-se do povo, ficando sua imagem conhecida e, pois, fortalecida (...) Desnecessário dizer que a propaganda presta auxílio fundamental para a conquista e manutenção do poder político, já que atrai para a agremiação as pessoas que se identificam com seu ideário (GOMES, 2011, p. 320)

Apesar do conceito do autor, nos últimos anos, temos observado que a propaganda tem sido utilizada mais como divulgação de pretensos candidatos, do que para exposição e o debate sobre a ideologia do partido.

Por seu turno, a propaganda intrapartidária consiste em o filiado divulgar que pretende candidatar-se a um cargo e tentar convencer aqueles que irão votar na convenção partidária, ou seja, na reunião de escolha dos candidatos, de que é apto e pode ser eleito.

De acordo com Zilio, a propaganda intrapartidária visa

à escolha do nome do pretenso candidato na convenção partidária. Em síntese, trata- se da propaganda de caráter reservado, restrita aos membros da agremiação, que possuem o direito de participação assegurando internamente pelo respectivo partido político. Em face do seu caráter restrito, a propaganda intrapartidária ostenta limitação temporal e modal. Temporal, porque permitida somente na quinzena anterior à escolha pelo partido, modal, porque vedado o uso de rádio, televisão e outdoor, sendo permitida a afixação de faixas e cartazes em local próximo da convenção, com mensagem aos convencionais (ZILIO, 2012, p. 251)

Quanto a este tipo de propaganda, observa-se que, nos últimos anos, ela tem caído em desuso, uma vez que a convenção tornou-se mera formalidade, já que os candidatos são escolhidos previamente pelos representantes dos partidos políticos.

Ou, ainda, como ocorre nas eleições municipais, os órgãos diretivos são constituídos apenas para concorrer nas eleições e, no período anterior, qual seja o de filiação partidária, somente são filiados aqueles que irão concorrer no pleito eleitoral.

A propaganda eleitoral possui como objetivo divulgar as ideias e os projetos do candidato, para que ele possa angariar votos e, assim, alcançar o poder.

Na lição de Gomes,

"denomina-se propaganda eleitoral a elaborada por partidos políticos e candidatos com a finalidade de captar votos do eleitorado para investidura em cargo público- eletivo. Caracteriza-se por levar ao conhecimento público, ainda de que de maneira disfarçada ou dissimulada, candidatura ou motivos que induza a conclusão de que o beneficiário é o mais apto para o cargo em disputa. Nessa linha, constitui propaganda eleitoral aquela adrede preparada para influir na vontade do eleitor, em que a mensagem é orientada à conquista dos votos. (GOMES, 2011, p. 326).

Por último, a propaganda institucional consiste na divulgação das realizações da administração pública, bem como na veiculação de campanhas informativas para a população.

Segundo Carlomagno,

Levando em conta que, salvo exceções (campanhas de orientação social, por exemplo), o dever do Estado ao fazer a publicidade é prestar contas e gerar transparência, pode-se fazer uma analogia com a questão levantada por Buccim, e questionar: que contas podem ser prestadas em comercial de 30 segundos em horário nobre na televisão ou em um anúncio de página inteira em revista/jornal, além de passar a mensagem da eficiência daquela administração? (CARLOMAGNO, 2010, p. 17).

Neste ponto, não podemos esquecer a lição de Alvim, segundo o qual

conquanto advinda de - e realizada em - um contexto político, a propaganda eleitoral não se confunde com a propaganda política . Enquanto aquela é realizada por partidos e candidatos, no seio de um pleito eleitoral específicos e com o propósito imediato de captação de votos, a propaganda política, embora sempre relaciona ao poder, nem sempre se dirige à sua conquista, podendo visar à sua manutenção (propaganda oficial) ou mesmo à sua transformação (propaganda revolucionária). Segue-se que, em sentido amplo, a propaganda política pode existir sem que se fale em eleição. Basta lembrar as hipóteses de consulta popular (plebiscito e referendo)m iy a realização de propaganda institucional realizada pelo Poder Público, p. ex., para divulgar campanhas de vacinação. (ALVIM, 2016, p.288)

Retomando a análise do direito à liberdade de expressão, observa-se que ele constitui um princípio basilar da propaganda política, uma vez que permitirá ao postulante expor seus projetos e ideias, sem, contudo, ser censurado por elas.

Observa-se que, em dispositivos da Lei n° 9.504/1997, há comandos proibindo a censura, como, por exemplo, o artigo 41, § 2o, segundo o "o poder de polícia se restringe às providências necessárias para inibir práticas ilegais, vedada a censura prévia sobre o teor dos programas a serem exibidos na televisão, no rádio ou na internet".

Verifica-se, ainda, no artigo 53, que "não serão admitidos cortes instantâneos ou qualquer tipo de censura prévia nos programas eleitorais gratuitos".

Conforme se observa, a regra é o direito à liberdade de expressão, tanto que, se houver a veiculação de propaganda que possa degradar ou ridicularizar candidatos, ela ensejará ao infrator a perda do direito à veiculação de propaganda no horário; porém, o conteúdo não poderá ser censurado previamente (Lei n° 9.504/1997, artigo 53, § 1º).

De acordo com Gomes, na propaganda política "a livre circulação de ideias é essencial à democracia. Sem ela, não floresce a criatividade, estorva-se o diálogo, ficam tolhidos as manifestações de inconformismo e insatisfação. Não se pode olvidar o papel histórico dessa liberdade na própria formação do Estado Democrático, na reivindicação de direitos fundamentais individuais e sociais, na expressão e sociais, na expressão e afirmação de ideologia e religiões" (GOMES, 2011, p. 318).

Assim, garantir o direito à liberdade de expressão é fundamental, para que os candidatos possam expor as suas plataformas aos eleitores e, assim, almejar a possibilidade de serem eleitos.

Segundo Alvim,

a liberdade de propaganda é um corolário do princípio da competitividade das eleições. Nessa diapasão, eleições verdadeiramente competitivas pressupõem possam os contendores divulgar, com a maior amplitude possível, as suas plataformas políticas, os seus planos de governo (...). Em conclusão, malgrado encontre-se minuciosamente regulamentada, a propaganda eleitoral desenrola-se em marcos bastantes extensos: quanto à forma, no que não se encontre proibida, é permitida; quanto ao conteúdo, no que não afete direitos alheios também. Sob o aspecto ideológico, a barreira deriva do fato de que a liberdade de propaganda, como toda liberdade democrática, encontra limites em outros direitos fundamentais. Assim, é que, a pretexto de divulgar ideias ou plataformas políticas, não está o partido ou candidato autorizado a afrontar o ordenamento jurídico, seja em suas bases legais, seja em sua estrutura principiológica (ALVIM, 2016, p. 290)

Todavia, na propaganda política, apesar de ser garantido o direito à liberdade de expressão, esta não permite que sejam veiculadas notícias falsas, uma vez que o conteúdo deverá ser verdadeiro, o que caracteriza o princípio da veracidade.

De acordo com Gomes, os fatos e informações veiculadas devem corresponder à verdade. Reflexo desse princípio é a proibição de utilização de imagens ou cenas incorretas ou incompletas, efeitos ou quaisquer outros recursos que distorçam ou falseiem os fatos ou sua comunicação, bem como degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação (GOMES, 2012, p. 333)

Todavia, com a massificação da utilização da internet, a divulgação de notícias falsas com finalidade eleitoral passou a ser mais rápida e passou a gerar um problema no combate a elas.

Mas, como poderíamos conceituar as notícias falsas ?


3. As notícias falsas ou fakes news e o dilema imposto à Justiça Eleitoral.

As notícias falsas sempre fizeram parte das campanhas eleitorais, seja através dos meios de comunicação (rádio ou televisão) ou no contato do candidato e seus apoiadores com os eleitores e as eleitoras.

Podemos citar, ainda, como meio de divulgação de notícias falsas, a distribuição de panfletos, os quais atribuem conteúdo difamatório ao candidato.

Cumpre citar caso ocorrido em Iporá, Goiás, no qual o Tribunal Regional Eleitoral de Goiás reconheceu o abuso do poder econômico por parte de candidato, quando este realizou derrame massivo de panfletos apócrifos difamatórios por helicóptero (Tribunal Regional Eleitoral de Goiás. Acórdão 60/2020 proferido no RE 25576. Relator: Desembargador Eleitoral: José Proto de Oliveira).

Segundo Delmazo e Valente, "Notícias falsas, histórias fabricadas, boatos, manchetes que são isco de cliques (as chamadas clickbaits) não são novidade. Darnton (2017) relembra o surgimento dos pasquins, na Itália do século XVI, que se transformaram em um meio para difundir notícias desagradáveis, em sua maioria falsas, sobre personagens públicos. Também recorda o surgimento dos Canards, gazetas com falsas notícias que circularam em Paris a partir do século XVII. (DELMAZO e VALENTE, 2018,p. 156)

Conforme se observa, as notícias falsas sempre foram utilizadas nas campanhas eleitorais.

De acordo com Carvalho e Kanffer, a problematização

já se fazia presente, em menor escala, na eleição de 2014, sendo pertinente trazer a registro o primeiro indiciado pela Polícia Federal em razão de compartilhamento de fake news, caso em que um empresário do Espírito Santo compartilhou uma falsa pesquisa eleitoral, mediante engenhoso mecanismo em que o endereço eletrônico onde encontrava-se a enquete era bastante semelhante a um jornal local de elevada credibilidade, que inclusive divulgava frequentemente pesquisas oficiais e registradas junto ao TSE (Carvalho e Kanffer, 2018, p. 3)

Nas eleições norte-americanas de 2016, as notícias falsas, ou as chamadas fake news, passaram a ganhar maior destaque, uma vez que o fenômeno pode ter influenciado o resultado do pleito eleitoral.

Retornando ao Brasil, observa-se que, nas Eleições Presidenciais de 2018, o combate às notícias falsas passou a constituir um problema a ser enfrentado pela Justiça Eleitoral.

Há um grande desafio posto, uma vez que as notícias falsas passaram a ser propagadas mais rapidamente, pois, com uma simples postagem, milhares ou até milhões de eleitores podem ter ciência dela, o que comprometeria o equilíbrio do pleito eleitoral.

Com o objetivo de combatê-las, em 2017, o Tribunal Superior Eleitoral criou o Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições, que tinha por objetivo realizar estudos e propor alterações na legislação eleitoral, bem como analisar os riscos das chamadas fakes news nas eleições.

Posteriormente, o Tribunal Superior Eleitoral passou a atuar junto às empresas proprietárias das redes sociais Facebook e WhatsApp, com o objetivo de serem desenvolvidas medidas para o combate à desinformação e à conscientização do eleitor.

Todavia, um dilema para a Justiça Eleitoral ainda persiste: como combater as notícias falsas sem ofender o princípio da liberdade de expressão?


4. Como conciliar o combate às notícias falsas e o princípio da liberdade de expressão.

A magistrada ou o magistrado eleitoral ao receber uma representação eleitoral, que tem por objeto, por exemplo, o pedido de fazer cessar a divulgação de uma notícia falsa, depara-se diante de um dilema, qual seja como combatê-la sem ofender o direito à liberdade de expressão.

O Tribunal Superior Eleitoral, ao julgar o Recurso Inominado na Representação nº 060176521, relator Ministro Admar Gonzaga, trouxe balizas ao julgador eleitoral, quando prescreve que a intervenção da Justiça Eleitoral nos conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível, ficando limitada às hipóteses em que sejam constatadas violações às regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas que participem do processo eleitoral.

Na primeira hipótese mencionada no julgamento, seria quando, por exemplo, são divulgadas pesquisas sem o devido registro perante a Justiça Eleitoral, conforme determina o artigo 33, da Lei n° 9.504/1997, ou seja, há uma transgressão a uma norma jurídica.

Por seu turno, a segunda hipótese seria quando, por exemplo, é atribuído ao candidato a prática de um crime, que não ocorreu (fato calunioso).

Assim, o magistrado ou a magistrada eleitoral ao julgar a representação por notícia falsa deve tomar cautela para o não cercear o direito à liberdade da propaganda, devendo proibir apenas aquelas que importem em violações às regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas que participem do processo eleitoral.


5. Conclusão

Ao concluir o presente artigo, constatamos que o dilema entre garantir o direito à liberdade de expressão e o combate à divulgação de notícias falsas pode ser conciliado por meio dos parâmetros prescritos pelo Tribunal Superior Eleitoral, ao julgar o Recurso Inominado na Representação nº 060176521, ou seja, a intervenção deve ser a mínima possível e ficar limitada às hipóteses em que sejam constatadas violações às regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas participantes do pleito.

 

Referências

Nota 01 Formado pela Faculdade de Direito de Franca, São Paulo, em 2002. Servidor da Justiça Eleitoral de Goiás desde 2005. Conclui o curso de pós-graduação em Direito Eleitoral e Processual Eleitoral em 2011 pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais, São Paulo. Atualmente, encontra-se cursando o Mestrado Interinstitucional em Direito Constitucional oferecido pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento, Ensino e Pesquisa (IDP) e a Universidade Evangélica de Goiás (UniEVANGÉLICA).