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por Davi Pires Santos Nota 01, Felipe Jesus Nota 02 e Yasmin SamyNota 03
"A política baseia-se na pluralidade de homens. Deus criou o homem, mas os homens são produto da terra."
(Arendt, H. A Condição Humana, 1958)
Este artigo investiga a existência e as características da polarização afetiva e/ou ideológica no Brasil, bem como sua distribuição entre diferentes grupos sociais. Os resultados desta pesquisa apontam que: 1) a polarização está em ascensão, manifestando-se principalmente na esfera afetiva, com maior intensidade nas atitudes em relação aos candidatos; 2) embora sinais dessa polarização já fossem perceptíveis desde a primeira eleição direta, ela se torna significativamente mais pronunciada na contemporaneidade; 3) no plano ideológico, observa-se uma polarização assimétrica, marcada pelo fortalecimento e radicalização do ideológico. Com base nesses achados, conclui-se que a polarização brasileira possui características específicas, moldadas tanto por fatores estruturais de longa duração (como a frágil base social dos partidos) quanto por eventos recentes (como a reorganização da direita e a postura mais moderada do partido liberal). Assim como ocorre em outros países, a polarização tende a se concentrar entre indivíduos com maior envolvimento político.
As investigações sobre polarização política baseiam-se em um modelo caracterizado pela simetria e estabilidade, no qual ocorre um progressivo enfraquecimento das posturas moderadas, acompanhado de uma forte concentração nas posições extremas, resultante do afastamento entre as clivagens político-ideológicas e da consolidação de padrões específicos de consumo midiático. Dito isso, e observando o atual cenário da Pátria Amada, por que as últimas eleições brasileiras pareceram tão polarizadas? O que caracteriza o tipo predominante da polarização no Brasil?
Ao contrário do que poderia supor o senso comum, a ideia de polarização política não teve início com o estopim da Guerra Fria. Em 1949, o tema já era corriqueiro na imprensa brasileira, constantemente manchetado como o conflito que dava abertura para debates intelectuais e afloramento de pensadores e escritores. A Guerra Fria foi um conflito de palavras, uma deliciosa "revanche" dos escritores, dos poetas, dos oradores — indivíduos que lidam com as palavras — sobre os truculentos homens da guerra ativa, os generais, os estrategistas, os aviadores, os soldados (O ESTADO DE S. PAULO, 05 maio de 1949, p. 06). Um pouco antes do grande conflito bipolar, protagonizando duas superpotências com ideologias opostas, existia um país, recém-colonizado, que dava os primeiros passos no regime republicano, e que estava prestes a testemunhar uma ditadura militar. No Brasil, a criação do 1º Código Eleitoral Brasileiro, em 1932, veio para introduzir e organizar a Justiça Eleitoral, mas apenas em 1947 houve a primeira eleição direta após a Ditadura do Estado Novo, quando a população escolheu seus governadores e prefeitos.
A primeira eleição direta influenciou diretamente em como a população começou a procurar distinguir suas ideias conservadoras e liberais, e isso se deve ao fato de que os principais partidos políticos no Brasil tendiam a convergir gradualmente para o centro do espectro ideológico – por mais primordiais que fossem os partidos. As primeiras eleições desempenhavam como a lei de ação e reação. Quanto mais os partidos políticos se posicionavam na escala ideológica, mais os eleitores reagiam a ideologia do voto. Agora a pergunta: se a polarização sempre esteve presente nas formações partidárias, porque a Eleição de 2022 foi um episódio polêmico e esclarecedor para muitos eleitores?
Precisamos entender outro aspecto desencadeante além da história bruta das eleições: o papel da imprensa. Na Guerra Fria, grande parte dos veículos de comunicação brasileiros se alinhou com a perspectiva dos Estados Unidos e de outros países ocidentais, reforçando a retórica anticomunista. A imprensa contribuiu para a disseminação do medo do comunismo e para legitimar ações políticas e militares contra movimentos ou governos que fossem considerados de esquerda. A escala dessa guerra foi tão grande, no sentido de influência, que os principais jornais e revistas brasileiras apoiaram o golpe militar de 1964, retratando-o como uma "revolução" necessária para impedir a ameaça comunista. A cobertura da imprensa, naquele momento, ajudou a construir a narrativa de que o golpe foi um movimento de "salvação nacional" (O Globo, 1964).
Quando se fala em imprensa, o brasileiro direciona seu pensamento à repressão e censura. Durante o regime militar, a imprensa sofreu com a censura oficial imposta pelo Estado, especialmente após o Ato Institucional nº 5 (AI-5), de 1968. Jornais, revistas, rádios e televisões tinham conteúdos vetados ou modificados pelos censores, principalmente em relação a denúncias de tortura, corrupção e violações de direitos humanos. Apesar disso, alguns setores da imprensa buscaram resistir e contornar a censura, utilizando metáforas ou publicando conteúdos críticos de forma velada. Revistas como a Veja (em certos períodos) e jornais alternativos como o Pasquim desempenharam papéis importantes nesse tipo de resistência.
Diante desse percurso histórico, percebemos que a polarização política no Brasil não é um fenômeno recente, mas sim um processo contínuo, moldado por fatores institucionais, culturais e midiáticos ao longo das décadas. A atuação da imprensa, ora como agente de legitimação, ora como espaço de resistência, foi fundamental para conformar o imaginário político nacional e as formas de identificação partidária. Assim, compreender as características e a intensidade da polarização nas eleições de 2022 exige um olhar atento não apenas para os aspectos conjunturais daquele pleito, mas também para as raízes históricas que condicionaram o modo como os brasileiros lidam com as disputas ideológicas, a informação política e a participação democrática. É nesse contexto que esta análise se insere, buscando desvendar as particularidades da polarização no Brasil contemporâneo.
Modernização e polarização, a priori, parecem ser conceitos distintos. Porém, será demonstrado como andam juntos no mundo atual.
Com o advento da tecnologia, ocorreu o fenômeno que chamamos de Globalização, nome que foi dado para a nova realidade que permitia as pessoas se conectarem via tecnologia por todo o mundo. Assim, também foram criadas as redes sociais, como o Facebook, Instagram, Twitter (atualmente chamado de X), que permitiam as pessoas se conectarem, trocarem interações e estarem mais próximas mesmo estando em países distintos.
Contudo, como uma história tem sempre duas versões, também tivemos alguns malefícios dessa conectividade, e aqui nós retornamos ao contexto brasileiro para refletir como isso tem afetado as eleições.
Não é segredo para ninguém que as duas últimas eleições brasileiras foram extremamente polarizadas, mas afinal, o que é a polarização? Segundo o dicionário "DICIO", polarização política se define da seguinte forma: "Divisão da sociedade em dois polos, entre dois únicos grupos, cujas convicções não dialogam entre si, ou seja, estes dois grupos não estão dispostos ou abertos ao diálogo."
Não se tem uma definição melhor para este conceito, já que foram duas eleições que ficaram divididas entre dois aspectos políticos da sociedade. Com isso, esses dois lados não conversavam, não se comunicavam e, pior, por muitas vezes se odiavam. Tornou-se comum escutarmos histórias de famílias que brigaram no grupo de Whatsapp por causa de discussões políticas e mães que pararam de falar com filhos, tios brigados com sobrinhos, criando assim divisões. Festas de final de ano foram afetadas e até mesmo canceladas, o que demonstra uma situação extremamente preocupante.
Nesse sentido, a modernização, que aqui vem acompanhada da tecnologia, teve um papel fundamental para disseminar essa polarização, principalmente das redes sociais.
É de conhecimento público que as redes sociais trabalham com algoritmos específicos que mandam para o usuário apenas posts ou vídeos que ele curte ou gosta. Junto a isso, temos o dado do Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF) que indica que 29% da população brasileira é alfabeto funcional, ou seja, tem dificuldades de interpretação de textos. Além de tudo, essa pesquisa aponta que apenas um a cada quatro brasileiros (23%) de 15 a 64 anos tem altas habilidades digitais e, por fim, o IBGE aponta que cerca de 5,9 milhões de brasileiros não tiveram acesso à internet no ano de 2023.
Todos esses dados são importantes para mostrar que a população brasileira, em sua maioria, está propícia para ser manipulada pelas redes sociais. A título de exemplo agora, se um eleitor do aspecto da direita brasileira ficar vendo posts e vídeos em sua rede social apenas em relação ao seu candidato ou a pessoas que propagam as mesmas opiniões, é óbvio que o outro lado parecerá um monstro. Da mesma forma funciona com os eleitores da esquerda brasileira. Assim, para piorar a situação, temos os dados acima que demonstram que esses eleitores, na maior parte, não sabem interpretar um texto, não tem pensamento crítico em relação a algum vídeo e muito menos saber dizer quando uma notícia é falsa ou não. Então esses mesmos eleitores que ficam extremamente polarizados em um lado político vão continuar repassando essas informações, o que vai gerar um efeito manada e, dessa forma, chegamos aos resultados que tivemos nessas duas últimas eleições, um país dividido ao meio, com ideias sociais esquecidas e apenas com a preocupação de se propagar discursos midiáticos para se ganhar uma eleição.
A polarização, no cenário atual, tem ocasionado a criação de narrativas conflitantes sobre a realidade. Isso, por sua vez, tem prejudicado a capacidade dos indivíduos de dialogar e cooperar dentro da sociedade. Assim, quase é inviabilizada a formulação e implementação de políticas públicas que atendam a todos os segmentos da população.
Nesse mesmo cenário, fica evidente que o fenômeno da polarização tem comprometido parte das instituições, levando ao favorecimento de ideias pessoais em detrimento da realidade material.
No âmbito individual, estudos contemporâneos acerca do cérebro humano já identificaram que uma opinião já consolidada tem mais valor no nosso subconsciente do que qualquer prova concreta relacionada a ele. Dessa forma, é notório que damos mais valor a quaisquer fatos e informações que reforçam nossas opiniões, mesmo por muitas vezes não sendo reais, ou seja, fake news, em detrimento daquelas que vão de encontro às nossas convicções.
O efeito mais notório e nefasto da polarização no âmbito social é a fragmentação do tecido social. Isso nada mais é do que a deterioração da confiança mútua, elemento basilar para convivência social, fazendo com que retornemos a tribos, caracterizadas por grupos homogêneos ideologicamente, hodiernamente conhecidos como bolhas.
Os espaços públicos para a troca e o desenvolvimento de ideias, os quais diferentes grupos interagiam amistosamente, estão sendo deturpados e corrompidos para se tornarem verdadeiras zonas de guerras, onde não mais importa alcançar um entendimento mútuo, visando a evolução social e mitigação dos problemas contemporâneos, mas sim na imposição de uma visão de mundo sobre a outra.
Essa atual deturpação dos espaços de debate tem gerado uma incapacidade de diálogo e negociação entre os polos opostos, cuja consequência é a paralisação decisória. Assim, políticas públicas urgentes, a exemplo as áreas da saúde e educação, ficam travadas em disputas ideológicas, retardando cada vez mais o bem-estar coletivo.
Também, no cenário atual, é possível observar que a polarização tem minado a confiança nas instituições democráticas. A erosão de confiança em órgãos como o legislativo e o judiciário, que passam a ser vistos como suspeitos quando suas ações decisórias estão associadas ao grupo adversário, apresentam um sério risco à estabilidade democrática.
Com base nisso, a manipulação da informação passa a ser uma arma estrategicamente posta para explorar a existente divisão social, alimentando a raiva e explorando os vieses de cada grupo.
Por fim, resta claro que a polarização, nos moldes contemporâneos, tem sido um elemento corrosivo aos laços comunitários, consequentemente paralisando as políticas públicas. Portanto, é fundamental e urgente encontrar um caminho para reverter esse quadro, sendo estritamente necessário que reconstruamos a confiança nas instituições e fomentemos a restauração do diálogo visando o bem comum.
Portanto, conclui-se que as eleições brasileiras estão envoltas em uma polarização há muitos anos, porém, esse fenômeno se acentuou com o advento da tecnologia e da ascensão da mídia como influenciadora na formação de opiniões.
A situação demonstra uma séria preocupação com o rumo que esse fenômeno gera. Não podemos nos esquecer do fatídico dia de 8 de janeiro de 2023, no qual a democracia brasileira foi fortemente ameaçada por pessoas que entraram nesse extremo de ideias e já não sabiam nem mais discernir o que era um ato de protesto de um crime contra sua pátria.
Como já dizia o grande filósofo Sócrates: "Não sou nem ateniense, nem grego, mas sim um cidadão do mundo". Ou seja, não somos nem de direita, nem de esquerda, somos cidadãos brasileiros que devem se preocupar com o bem do nosso país, com o fortalecimento das nossas instituições democráticas, com defesa de ideias sociais e não políticos, porque esses estão lá para servir a população, não o contrário.