Verba Legis 2018

PEÇAS MINISTERIAIS

 

AÇÃO ORDINÁRIA DECLARATÓRIA nº 39-49.2017.6.09.0096
Recorrente : MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL
Recorrido : ADEMIR FREITAS ASSIS
Relator : JUIZ JESUS CRISÓSTOMO DE ALMEIDA

 

AÇÃO ORDINÁRIA DECLARATÓRIA. PEDIDO DE SUSPENSÃO DOS EFEITOS DE ACORDÃO DO TCM/GO QUE REJEITOU AS CONTAS DA GESTÃO DO AUTOR RELATIVAS AO CARGO DE PRESIDENTE DA CÂMARA DE VEREADORES. INELEGIBILIDADE PREVISTA NO ART. 1º, I, “G”, DA LC 64/90.

  1. A verificação se a decisão do Tribunal de Contas que rejeita as contas do agente público enquadra-se ou não na inelegibilidade prevista no art. 1º, I, “g”, da LC 64/90, consiste em matéria afeta a competência privativa da Justiça Eleitoral.
  2. A Ação Ordinária Declaratória não é a via adequada para se obter pronunciamento jurisdicional sobre situação de inelegibilidade, pretensão esta que deverá ser veiculada em sede de ação de impugnação de registro de candidatura.
  3. Sendo o autor carecedor do direito de ação, em face da ausência de interesse processual pela utilização da via inadequada, deve o processo ser extinto sem resolução do mérito nos termos do art. 485, VI, do Código de Processo Civil.
  4. Parecer pela rejeição da preliminar de incompetência da Justiça Eleitoral e pelo reconhecimento da falta de interesse processual, e, por conseguinte, pela extinção do processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC/2015.

 

Trata-se de recurso eleitoral interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em face de sentença proferida pelo Juiz da 96ª Zona Eleitoral (Itajá/GO), que ao apreciar ação ordinária declaratória com pedido de tutela antecipada de urgência, ajuizada por ADEMIR FREITAS ASSIS julgou parcialmente procedente a demanda e declarou a inocorrência da inelegibilidade prevista na alínea “g” do inciso I, do art. 1º da LC 64/90.

Em razões recursais lançadas às fls. 190–204 o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL alega, inicialmente, que a sentença ofendeu o princípio da congruência porquanto encerra em seu conteúdo decisão de natureza ultra petita.

Relativamente ao mérito, pontua, em síntese, que a decisão que rejeitou as contas do recorrido ADEMIR FREITAS ASSIS, na condição de gestor da Câmara de Vereadores de Itajá/GO, demonstram todos os requisitos para a incidência da causa de inelegibilidade prevista na alínea “g” do inciso I, do art. 1º da LC 64/90, porquanto: a) foi proferida por órgão competente (TCM/GO) no ano de 2009; b) é irrecorrível; c) a desaprovação se deu em face de irregularidades insanáveis; d) irregularidades que configuram atos dolosos de improbidade administrativa; e) prazo de oito anos contados da decisão não exaurido; f) decisão não suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário.

Requer, por fim, seja o recurso conhecido e provido para o esse egrégio Tribunal conheça a questão preliminar arguida. Quando ao mérito, postula seja reformada a sentença proferida pelo Magistrado a quo, para reconhecer a incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, alínea “g”, da LC 64/90, a fim de se afastar o recorrido do cargo de vereador.

ADEMIR FREITAS ASSIS apresenta contrarrazões às fls. 213–226 onde alega primeiramente a incompetência da Justiça Eleitoral para o feito.

Informa, em seguida, que foi concedida tutela de urgência antecipada que lhe permitiu concorrer ao cargo de vereador no pleito 2016; bem como durante o registro de candidatura não houve impugnação pelos legitimados legais (partido político, coligação, candidato e Ministério Público Eleitoral), de modo que foi eleito e consolidou-se uma situação, não sendo mais possível questionar o seu mandato em face da preclusão.

Destaca também que o lapso temporal da inelegibilidade esgotou-se no ano de 2017. Arrimado nesses argumentos sustenta que houve a perda superveniente do objeto do presente processo.

Quanto ao mérito rebate as teses levantadas pelo recorrente e sustenta que as irregularidades encontradas nas suas contas de gestão são formais e não atribuíveis a ato de má-fé.

 

É o relatório.

 

Razão não assiste à parte recorrida quando alega incompetência da Justiça Eleitoral para o deslinde do feito. Isso porque, toda a causa de pedir por ele desenvolvida na petição inicial da presente ação ordinária declaratória está relacionada com o a ausência de enquadramento jurídico do acórdão do Tribunal de Contas na inelegibilidade prevista no art. 1º, I, alínea “g”, da Lei Complementar nº 64/90.

Por oportuno, vale pinçar trechos dos argumentos articulados na peça inicial que corroboram a assertiva supra:

“Ademais, conforme dispões o art. 1º, inciso I, alínea “g” da Lei complementar nº 64/90, supramencionado, ficarão inelegíveis aqueles que tiverem sua contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição.

Primeiramente, como se pode notar, o requerente jamais cometera ato de irregularidade insanável quando estava na Presidência da Casa Legislativa, de Itajá/GO, no ano de 2.007, por isso, deve enquadrar-se na ressalva do artigo supramencionado.

O que ocorreu, em tese, e está sendo motivo suficiente para incluí-lo na lista de inelegíveis, é o fato de ter havido irregularidades técnicas, repisa-se, totalmente sanáveis, na prestação de contas do requerente (balancete rejeitado), motivo claramente insuficiente para finalidade tão grave, e que não tem força, todavia, para tolher o direito constitucional de disputar qualquer que seja o pleito pretendido, pois, são por demais irrelevantes as anormalidades financeiras imputadas.

(…) Aqui, Excelência, o que está a ocorrer é uma descabida e desproporcional punição antecipada aos direitos civis e constitucionais (art. 14, da Constituição Federal) do requerente, isto porque sendo os erros meramente formais, não há falar, portanto, em atos dolosos, o que já descaracteriza por completo esta acusação.

Já no que tange à improbidade administrativa, esta segue a mesma linha intelectiva da ausência de dolo nas ações em tese levadas a efeito pelo requerente e aqui rebatidas, isto é, os erros formais que sequer foram estribados pelo elemento culposo (imprudência, negligência e imperícia) e, tampouco doloso”. (sic, fls. 06–08)

Arrimado nesses argumentos o autor, apresenta precedentes jurisprudenciais da Justiça Eleitoral (fls. 09–11) para reforçar a causa de pedir e o seu pedido.

Ou seja, em que pese haver ingressado com a ação ordinária declaratória na Justiça Comum deduzindo como pedido a suspensão dos efeitos do acórdão do TCM/GO nº 00567-09, da Resolução Administrativa nº 00096/2016 e a exclusão do seu nome da lista administrativa de agentes públicos cujas contas foram rejeitadas pela Corte de Contas, o certo é que o autor/recorrido pretende na verdade é ver afastar o enquadramento jurídico da inelegibilidade decorrente do acórdão do TCM/GO que desaprovou suas contas.

Portanto, o que se discute nos presentes autos são questões relativas ao enquadramento jurídico dos elementos que conduziram à rejeição das contas de gestão aos dispositivos da Lei Complementar nº 64/1990, a fim de se verificar a existência ou não de eventual situação de inelegibilidade.

Portanto, é a inelegibilidade estatuída no art. 1º, I, alínea “g”, da Lei Complementar nº 64/1990 a causa de pedir que deu ensejo ao ingresso com essa ação.

Entretanto, a Justiça Comum Estadual possui competência para aferir eventual vício administrativo no acórdão do Tribunal de Contas, e, em caso positivo, suspendê-lo; hipótese na qual a Justiça Eleitoral fica vinculada a essa decisão na análise da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, alínea “g”, da Lei Complementar nº 64/1990, como previsto nesse próprio dispositivo legal.

Porém, a competência para realizar o enquadramento jurídico de acórdão do Tribunal de Contas na inelegibilidade do art. 1º, I, alínea “g”, da Lei Complementar nº 64/1990, é privativa da Justiça Eleitoral.

Assim, a pretensão de afastar a inelegibilidade em face dos argumentos de que inexistem no acórdão os elementos exigidos pela norma do art. 1º, I, alínea “g”, da LC 64/90 (vícios insanáveis, atos dolosos de improbidade administrativa, etc.), cuida-se de matéria afeta à competência da Justiça Eleitoral.

Nesse sentido preconiza a jurisprudência do TSE, verbis:

“ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. PREFEITO (COLIGAÇÃO FRENTE AMPLA - PRB/PDT/PT/PPS/PSD). INDEFERIDO. ART. 1º, I, G, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/1990. AUSÊNCIA DE REPASSE DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONFIGURAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. AUSENTE PROVIMENTO JUDICIAL SUSPENSIVO.

  1. Não se configura a omissão, quando o Tribunal de origem dirime as questões que lhe foram submetidas de forma fundamentada, apreciando integralmente a controvérsia.
  2. O não recolhimento de contribuições previdenciárias constitui irregularidade insanável que configura ato doloso de improbidade administrativa, apta a atrair a causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/1990.

Precedentes.

  1. Cabe à Justiça Eleitoral, rejeitadas as contas, proceder ao enquadramento das irregularidades como insanáveis ou não e verificar se constituem ato doloso de improbidade administrativa, não lhe competindo, todavia, a análise do acerto ou desacerto da decisão da Corte de Contas. Precedentes.
  2. Ir além do contido no acórdão recorrido, para buscar no julgamento das contas eventuais detalhes que supostamente possam afastar esta conclusão, implicaria o procedimento de reexame de fatos e provas, vedado nesta sede a teor do que dispõe a Súmula nº 24/TSE”.

(Recurso Especial Eleitoral nº 10397, Acórdão, Relator(a) Min. Rosa Maria Weber Candiota Da Rosa, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 65, Data 31/03/2017, Página 172) (grifamos)

“ELEIÇÕES 2016. REGISTRO DE CANDIDATO. VEREADOR. INELEGIBILIDADE. REJEIÇÃO DE CONTAS.

  1. As contas do agravante, relativas à época em que exerceu a presidência da Câmara Municipal, foram rejeitadas pelo Tribunal de Contas do Estado, em razão do descumprimento do art. 29-A da Constituição Federal, por ter realizado despesa acima dos 8% constitucionalmente previstos, e em virtude do pagamento de diárias no montante de R$ 43.083,85, sem respaldo legal.
  2. O TRE/MS proferiu decisão em consonância com a jurisprudência do TSE, no sentido de que a não observância do limite previsto no art. 29-A da Constituição Federal configura irregularidade insanável que constitui, em tese, ato doloso de improbidade administrativa para efeito da incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/1990. Precedentes.
  3. Quanto ao pagamento a maior aos vereadores, o entendimento desta Corte é de que tal vício também atrai a inelegibilidade por rejeição de contas. Precedentes.
  4. "Cabe à Justiça Eleitoral, rejeitadas as contas, proceder ao enquadramento das irregularidades como insanáveis ou não e verificar se constituem ou não ato doloso de improbidade administrativa, não lhe competindo, todavia, a análise do acerto ou desacerto da decisão da corte de contas" (RO 725-69, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE de 27.3.2015).

Agravo regimental a que se nega provimento”.

(Recurso Especial Eleitoral nº 3420, Acórdão, Relator(a) Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 01/12/2016) (grifamos)

Solucionada a questão da competência, tem-se que o processo deve ser extinto, sem resolução de mérito, por ausência de interesse processual decorrente da total inadequação da via eleita para a pretensão postulada pelo autor (arts. 17, 330, III, e 485, inciso VI, do CPC/2015).

É que a via processual adequada para se discutir a presença das condições de elegibilidade e das causas inelegibilidade dos candidatos é o registro de candidatura, conforme se infere do art. 11, § 10, da Lei nº 9.504/1997, verbis:

Art. 11. Os partidos e coligações solicitarão à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos até as dezenove horas do dia 15 de agosto do ano em que se realizarem as eleições.

(…)

§ 10. As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade.”

Assim, a análise e julgamento das condições de elegibilidade e das causas de inelegibilidade é feita em cada pleito eleitoral, nos processos de registro de candidatura que seguem o rito previsto no art. 11 da Lei nº 9.504/1997, inclusive com a possibilidade de propositura de ação de impugnação pelos legitimados para tanto.

Outrossim, não existe no direito eleitoral a figura da ação declaratória de presença de condição de elegibilidade ou ausência de causa de inelegibilidade prévia, capaz de vincular o juiz ou tribunal competente no processo de registro de candidatura.

Portanto, a ação ordinária em epígrafe não tem previsão legal e viola toda a sistemática processual eleitoral de análise e julgamento das causas de inelegibilidades, mostrando-se como via inadequada para a pretensão postulada, cujo provimento jurisdicional seria inútil, seria incapaz de vincular o juiz e tribunal competente para o julgamento dos registros de candidatura, e dos eventuais impugnantes (art. 11 da Lei nº 9.504/1997 c/c art. 89 do Código Eleitoral).

Nesse contexto, a via processual adequada para se postular a avaliação sobre a ocorrência ou não da causa inelegibilidade prevista no art. 1º, I, alínea “g” da LC 64/90 é o registro de candidatura, cujo processamento e julgamento será feito pelo órgão competente, a depender do cargo postulado (art. 89 do Código Eleitoral), seguindo-se o rito processual previsto em lei. Assim, tem-se como flagrantemente incabível a via eleita pelo autor para tentar discutir e a situação de inelegibilidade em questão.

Destarte, tem-se como patente a falta de interesse processual da parte autora, por manifesta inadequação da via eleita, nos termos dos arts. 17, 330, III, e 485, inciso VI, do CPC/2015.

Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Marcus Vinicius GonçalvesNota 01, verbis:

“De acordo com o art. 17 do CPC, para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade. O interesse de agir exige o preenchimento do binômio: necessidade e adequação. É preciso que a pretensão só possa ser alcançada por meio do aforamento da demanda e que esta seja adequada para a postulação formulada. Há os que ainda incluem a utilidade como elemento do interesse de agir, mas parece-nos que ele é absorvido pela necessidade, pois aquilo que nos é necessário certamente nos será útil.

(…)

Também é necessário que haja adequação entre a pretensão do autor e a demanda por ele ajuizada. Ao escolher a ação inadequada, o autor está se valendo de uma medida desnecessária ou inútil, o que afasta o interesse de agir. O autor carecerá de ação quando não puder obter, por meio da ação proposta, o resultado por ele almejado.”

Nessa linha de raciocínio, se o interesse processual do autor é aferido in status assertionis e analisado ante o binômio da necessidade e utilidade que o provimento jurisdicional poderá lhe oferecer, forçoso concluir pela carência do direito de ação, pela inadequação da via eleita que é inapropriada para se buscar a pretensão deduzida em juízo.

Destarte, em face da inadequação da via eleita o processo deverá ser extinto sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, VI, do Código de Processo Civil.

Ante o exposto, a Procuradoria Regional Eleitoral manifesta-se:

  1. pela rejeição da preliminar de incompetência da Justiça Eleitoral suscitada pelo recorrido;
  2. pela extinção do processo, sem resolução de mérito, em face da falta de interesse processual (inadequação da via eleita), nos termos do art. 485, VI, do CPC/2015.

 

Goiânia, 13 de abril de 2018.

 

ALEXANDRE MOREIRA TAVARES DOS SANTOS

Procurador Regional Eleitoral

Nota 01 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil esquematizado. 8. ed. – São Paulo : Saraiva, 2017, p. 223.