Verba Legis 2018

PEÇAS MINISTERIAIS

 

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL nº 520-86.2016.6.09.0018
Recorrentes : LIDEVAM LUDIO DE LIMA
    CLEOSMAR DE ALMEIDA 
    FRANCISCO QUEIROZ DOURADO 
Recorrido : MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL
Relator : JUIZ LUCIANO MTANIOS HANNA

 

RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ILICITUDE DAS PROVAS JUNTADAS COM A INICIAL. PRELIMINARES AFASTADAS. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. DISTRIBUIÇÃO DE SANTINHOS EM ÔNIBUS DE TRANSPORTE DE EMPREGADOS. BEM DE USO COMUM. VEICULAÇÃO DE PROPAGANDA VEDADA. ART. 37, § 4º, LEI Nº 9.504/1997. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. AMEAÇAS DE PERDA DE EMPREGO. DISTRIBUIÇÃO DE MATERIAL DE CAMPANHA EM HORÁRIO DE EXPEDIENTE. INSERÇÃO DE DADOS ELEITORAIS EM LISTA FORNECIDA PELA EMPRESA.

  1. Constitui faculdade do Juiz Eleitoral, de ofício, ou mediante requerimento das partes, ouvir testemunhas que não tenham sido arroladas na inicial ou na defesa, sempre que entender relevante para formar sua convicção e buscar a verdade real, nos termos dos arts. 22, VII, e 23 da LC 64/90 (STF - ADI nº 1.082/DF). Precedentes.
  2. A AIJE  pode ser cumulada com representação da Lei nº 9.504/97, notadamente quando o juízo é competente para julgar ambas as ações eleitorais. Com efeito, a utilização de rito mais abrangente previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990, com maior amplitude de defesa, possibilita a cumulação de pedidos, nos termos do art. 327, § 2º, do CPC.
  3. A gravação ambiental realizada por um dos interlocutores é prova lícita, conforme entendimento do STF. Ademais, tratou-se de reunião em empresa com inúmeros empregados, sem qualquer expectativa de privacidade, o que reforça a ausência de ilicitude da prova, consoante precedentes do TSE.
  4. Comprovada que empresa privada de grande porte (pessoa jurídica) apoiou e patrocinou de forma explícita e massiva a candidatura à Prefeito e Vice dos recorrentes, com a anuência destes, inclusive com práticas ilícitas de ameaça de perda de emprego do empregado que manifestasse apoio a outros candidatos, e com a distribuição massiva de propaganda eleitoral pela empresa em suas dependências e veículos, até mesmo no ônibus de transportes coletivo dos empregados e em reuniões, em circunstâncias que denotam gravidade, restam configurados os ilícitos de captação ilícita de sufrágio, abuso do poder político/autoridade e propaganda eleitoral irregular (art. 41-A, da Lei nº 9.504/1997, art. 22 da LC 64/1990 e art. 37, §§§ 1º, 2º e 4º, da Lei nº 9.504/1997).
  5. Parecer pelo conhecimento e desprovimento do recurso eleitoral.

Trata-se de recurso eleitoral interposto por LIDEVAM LUDIO DE LIMA, CLEOSMAR DE ALMEIDA e FRANCISCO QUEIROZ DOURADO contra sentença proferida pelo Juízo da 18ª Zona Eleitoral, que, ao apreciar Ação de Investigação Judicial Eleitoral, proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, julgou procedentes os pedidos formulados na inicial e condenou todos os investigados ao pagamento de sanção de multa no valor de R$ 61.200,00 (sessenta e um mil e duzentos reais) por infrações aos arts. 37, § 1º e 41-A, ambos da Lei nº 9.504/1997; declarou a inelegibilidade de todos eles por oito anos, com fulcro no art. 22, XIV, da LC 64/90; bem como cassou os diplomas de prefeito e vice-prefeito outorgados a LIDEVAM LUDIO DE LIMA e CLEOSMAR DE ALMEIDA por violação aos artigos 22, XIV, da LC 64/90 e 41-A da Lei nº 9.504/1997.

Em razões recursais acostadas às fls. 489–537, os recorrentes alegam, preliminarmente: a) ofensa ao devido processo legal; b) impossibilidade jurídica do pedido que culminou na condenação de multa, por propaganda eleitoral irregular em sede de AIJE; c) ilicitude das provas juntadas com a inicial; d) ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário.

Quanto ao mérito, aduzem, em síntese, que:

  1. não houve a fixação de propaganda eleitoral nos ônibus da empresa USINA ENERGÉTICA SERRANÓPOLIS LTDA, mas tão somente distribuição de santinhos, conduta esta que não configura ilícito, somando-se ainda, o fato de que os recorrentes não tomaram conhecimento prévio, o que se afigura necessário para a configuração da propaganda irregular;
  2. os candidatos LIDEVAM LUDIO DE LIMA e CLEOSMAR DE ALMEIDA participaram apenas das reuniões políticas na sede da empresa USINA ENERGÉTICA SERRANÓPOLIS LTDA, as quais são legais, mas não tiveram ciência dos demais fatos, tais como supostas ameaças, coações, demissões, concessão de férias, confecção de lista com dados eleitorais, de modo que não podem ser punidos por essas condutas com a sanção de inelegibilidade e cassação dos registros de candidatura, haja vista que delas não participaram e sequer tiveram prévio conhecimento;
  3. não ocorreu o abuso do poder econômico e o que se tem é a falta de certeza dos depoimentos testemunhais constantes dos autos, seja porque JOSÉ SOARES ALVES DA SILVA, ANTÔNIO SERGIO TRINDADE e JOSÉ ADALTO ALVES VELOSO convergiram no sentido de que as acusações não ocorreram, seja porque a testemunha JOSENEILTON LOPES ALVES não tinha a isenção necessária, tanto que foi ouvido como informante; sendo, ainda, que os depoimentos de LEANDRO FONSECA MORAES, EVANDERSON GUEDES DA SILVA e LUCAS FREITAS SILVA, além de repletos de presunção e subjetivismos, conflitam frontalmente com os prestados pelas 03 (três) primeiras testemunhas mencionadas.
  4. não houve a demonstração inequívoca, robusta, insofismável e incontroversa da ocorrência dos ilícitos tidos como abusivos, e, mesmo que houvesse, estes não teriam gravidade suficiente para subsidiar as sanções de inelegibilidade e desconstituir os diplomas dos candidatos eleitos.

Postulam, ao final sejam reconhecidas: a) a ofensa ao devido processo legal, em razão do arrolamento de testemunhas pela parte autora após o ajuizamento a inicial; b) impossibilidade jurídica do pedido que culminou na condenação em multa por propaganda em sede de AIJE; c) ilicitude da gravação como meio de prova, bem como os demais elementos probatórios dela derivadas; d) a ausência de litisconsortes passivos necessários.

No tocante ao mérito, reivindicam a reforma da sentença para afastar a prática de propaganda irregular e do abuso de poder econômico, e, por conseguinte, as condenações impostas.

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL oferta contrarrazões às fls. 540–603 rebatendo os argumentos articulados nas razões recursais e postula o desprovimento do recurso aviado pelos representados/recorrentes.

 

É o relatório.

 

I. Das preliminares alegadas pelos recorrentes.

I.1. Ofensa ao devido processo legal

Os recorrentes LIDEVAM LUDIO DE LIMA e CLEOSMAR DE ALMEIDA sustentam, inicialmente, que houve ofensa ao devido processo legal, porquanto o Ministério Público Eleitoral teria arrolado duas testemunhas com a inicial. Posteriormente, manteve uma delas e arrolou outras duas (JOSENEILTON LOPES ALVES e LEANDRO FONSECA MORAES) cujos depoimentos foram considerados na sentença para condená-los.

Sustentam que na AIJE as testemunhas devem ser indicadas com a inicial, e, no caso, o arrolamento extemporâneo causou-lhes prejuízos, razão pela qual padece do vício da nulidade.

A regra geral atinente a ação de investigação judicial eleitoral é que o rol de testemunhas deve ser indicado na petição inicial e na defesa.

No presente caso, o Ministério Público Eleitoral narrou os fatos ilícitos e indicou EVANDRO GUEDES DA SILVA e FERNANDO VAGNER DE OLIVEIRA como testemunhas a serem ouvidas pelo juízo. Ocorre que os atos de abuso do poder continuaram a ocorrer na empresa USINA ENERGÉTICA SERRANÓPOLIS LTDA, mesmo após a propositura da AIJE.

Nesse contexto, ao tomar conhecimento desses novos fatos, inclusive que um dos trabalhadores da USINA havia prestado declarações na Delegacia de Polícia Civil, narrando atos relativo a coação dos funcionários para votarem nos candidatos investigados, o Ministério Público Eleitoral requereu que o Juízo Eleitoral, dentro de sua faculdade instrutória, para a busca da verdade real, nos termos do art. 22, incisos VI e VII, também ouvisse as testemunhas (terceiros) JOSENEILTON LOPES ALVES e LEANDRO FONSECA MORAES, desistindo da oitiva da testemunha FERNANDO VAGNER DE OLIVEIRA.

Nesse ponto, fundamentou o Parquet na petição de fls. 151–152, apresentando juntamente o termo de declaração de fls. 153–155, verbis:

“(…) Considerando que os atos de abuso narrados na ação continuaram a ocorrer dentro da empresa, tendo o Ministério Público tomado conhecimento de que o funcionário da empresa Joseneilton Lopes Alves prestou declarações na Delegacia de Polícia Civil, narrando a coação sofrida pelos funcionários para votarem nos candidatos investigados, o Ministério Público requer a juntada do Termo de Declarações, a fim de instruir a ação.

Ademais, considerando a possibilidade da oitiva de testemunha, que não foram arroladas na inicial, constituindo-se como sendo uma faculdade, conforme o disposto no artigo 22, incisos VI e VII do artigo 22 da LC nº 64/90, o Ministério Público Eleitoral arrola o nome de novas testemunhas, mantendo-se apenas Evanderson Gues da Silva. Assim, requer sejam intimados pessoalmente para a audiência de instrução.”

Nesse contexto, o MM. Juízo Eleitoral a quo exercendo sua faculdade processual de ouvir terceiros não arrolados pelas partes na petição inicial ou na defesa (art. 22, VII, c/c art. 23 da LC 64/90)Nota 01, objetivando a busca da verdade real, decidiu acatar o requerimento justificado do Parquet, e ouvir LEANDRO FONSECA MORAES e JOSENEILTON LOPES ALVES.

 

Nesse ponto, durante a audiência de instrução, o MM. Juízo Eleitoral a quo fundamentou expressamente a oitiva de LEANDRO e JOSENILTON na sua faculdade processual prevista no inciso VII do art. 22 da LC 64/90, objetivando a busca da verdade real, tal como requerido pelo Parquet, verbis:

“Não entendo como preclusa o arrolamento da testemunha em momento posterior ao do protocolo da inicial, tendo em vista que poderão ser ouvidos terceiros conhecedores dos fatos e circunstâncias que possam influir na decisão do feito, notadamente ante a possibilidade de comparecimento da testemunha independentemente de intimação, na forma do art. 22, V e VII, da LC 64/90. Isto posto, indefiro a irresignação do causídico.”

Portanto, verifica-se que o MM. Juízo Eleitoral a quo decidiu ouvir a testemunha LEANDRO e o informante JOSENILTON no exercício da sua faculdade prevista no art. 22, inciso VII, da LC nº 64/90, para buscar a verdade real, o que é plenamente lícito e encontra-se em linha com o art. 23 da referida lei complementar, que possibilita inclusive o juiz a produzir provas de ofício na AIJE.

Com efeito, o Juízo Eleitoral obrigatoriamente deve ouvir as testemunhas arroladas pelas partes na petição inicial e na defesa antes de formar seu convencimento, sob pena de violação ao devido processo legal. Porém, o Juízo Eleitoral também tem a faculdade de ouvir outras testemunhas indicadas pelas partes em momento posterior, ou mesmo de ofício, sempre que entender relevante para a busca da verdade real, nos termos da inteligência do art. 22, VII, e 23 da LC nº 64/90.

Nesse sentido, confira-se precedentes do TSE, verbis:

“RECURSO ORDINÁRIO. CABIMENTO. DIREITO DE PROVA. CERCEAMENTO. NÃO OCORRÊNCIA. CONDUTA VEDADA. PROPAGANDA ELEITORAL. ASSEMBLEIA LEGISLATIVA. PARTICIPAÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO. CAMPANHA ELEITORAL. AUSÊNCIA. PROVA. 1. É cabível recurso ordinário quando a decisão recorrida versar matéria que possa ensejar a perda do mandato eletivo estadual, tenha ou não sido reconhecida a procedência do pedido. 2. O momento próprio para especificação de provas, inclusive indicação do rol de testemunhas, é o ajuizamento da representação, para o autor, e a apresentação da defesa, para o representado. Precedentes. 3. A oitiva de terceiros indicados pelas partes constitui faculdade do Juízo Eleitoral, conforme expressamente dispõe o art. 22, VII, da LC nº 64/90. 4. Do conjunto probatório dos autos não há como se concluir pela prática das condutas descritas nos incisos I e III da Lei nº 9.504/97. 5. Recurso ordinário desprovido.” (TSE - RO nº 1478, Rel. Min. Marcelo Henriques Ribeiro De Oliveira, DJE de , Página 24)

“(…) 4. Ao dispor o art. 22, VII, da LC nº 64/90, que "(…) o Corregedor poderá ouvir terceiros, referidos pelas partes, ou testemunhas, como conhecedores dos fatos e circunstâncias que possam influir na decisão do feito", estabelece-se uma faculdade, e não uma obrigatoriedade ao julgador que, a seu critério, afere a necessidade ou não da produção dessa prova.” (TSE - Recurso Especial Eleitoral nº 25215, Acórdão de , Relator(a) Min. Carlos Eduardo Caputo Bastos, Publicação: DJ - Diário de justiça, Volume 1, Página 171)

Na mesma esteira, confira-se também precedentes do TRE/GO, TRE/PA, do TRE/RN verbis:

“AGRAVO REGIMENTAL. AIJE. OITIVA DE TESTEMUNHAS APÓS REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO. ESSENCIALIDADE DA PROVA ORAL. PRODUÇÃO DE PROVAS. FACULDADE DO JULGADOR. Art. 130 DO CPC E ART. 22, VI, VII DA LC Nº 64/90. 1) Visando dar celeridade ao deslinde da Ação de Investigação Judicial Eleitoral, sob o rito da Lei Complementar nº 64/90, há possibilidade de analisar Agravo Regimental interposto contra decisão interlocutória proferida nos autos. 2) Ante a essencialidade da prova oral para elucidar os fatos narrados, e não sendo ouvida nenhuma testemunha indicada pelo Ministério Público Eleitoral na audiência de instrução e julgamento, é facultado ao Corregedor determinar nova oitiva das testemunhas, já que podem influir na decisão do feito. Inteligência do art. 22, VI, VII da Lei Complementar nº 64/90. 3) O Juiz é o destinatário final da prova, tem ele a faculdade, de ofício, determinar a produção de provas. No ordenamento jurídico-processual pátrio, as provas apresentadas objetivam formar a convicção do julgador (art. 130 do CPC). 4) Agravo Regimental conhecido e improvido.” (TRE/GO - INVESTIGAÇÃO JUDICIAL nº 889.543, ACÓRDÃO nº 11.520 de , Relator(a) GILBERTO MARQUES FILHO, Publicação: DJ - Diário de justiça, Volume 145, Tomo 1, , Página 3)

 

“MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO QUE INDEFERIU OITIVA DE TESTEMUNHA NÃO ARROLADA NA INICIAL. REQUERIMENTO DE SUSPENSÃO/ANULAÇÃO DE DETERMINAÇÃO JUDICIAL. APLICABILIDADE DO ARTIGO 130 DO CPC. APLICABILIDADE DOS INCISOS VI E VII DO ARTIGO 22 DA LC N.º 64/90. JUIZ É CONDUTOR E DESTINATÁRIO DAS PROVAS. TESTEMUNHA DO JUÍZO. FACULDADE. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DE LIMINAR. AUSÊNCIA DE DIREITO LIQUIDO E CERTO. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA. 1 - O juiz é destinatário das provas, cabendo a ele verificar a melhor forma de conduzir o processo. 2 - A possibilidade da oitiva de testemunha, que não foram arroladas na inicial, constitui-se como sendo uma faculdade, conforme o disposto no artigo 22, incisos VI e VII do artigo 22 da LC n.º 64/90. 3- Não há que se falar em concessão de liminar para sustar os atos do magistrado, uma vez que estão em conformidade com a sistemática processual. 4. Ausência de lesão a direito líquido e certo do impetrante. 5- Denegação da segurança.” (TRE/PA - Mandado de Segurança n 4554, ACÓRDÃO n 25.983 de , Relator(a) JOÃO BATISTA VIEIRA DOS ANJOS, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 68, , Página 2)

 

“(…) Preliminar de nulidade do feito por cerceamento de defesa e ofensa ao devido processo legal, suscitada pelos recorrentes, por alegação de oitiva de testemunhas intempestivamente arroladas na ação de investigação, igualmente rejeitada. Em razão de ser prerrogativa do juiz de determinar, ex officio, as provas necessárias à instrução do processo, nos termos do art. 23 da Lei Complementar 64/90 e art. 130 do Código de Processo Civil. (…)” (TRE/RN - RECURSO ELEITORAL nº 6.429, ACÓRDÃO nº 6.429 de , Relator(a) EXPEDITO FERREIRA DE SOUZA, Publicação: DJ - Diário de Justiça do Estado do RN, , Página 43)

 

“(…) Encerram uma faculdade - não uma obrigatoriedade, tanto o inciso VII do art. 22 da Lei complementar nº 64/90, ao estabelecer que o Corregedor (ou juiz, conforme o caso) poderá ouvir terceiros, referidos pelas partes ou testemunhas, quanto o art. 418, inciso I, do Código de Processo Civil, ao mencionar que o juiz pode ordenar, de ofício ou o requerimento da parte, a inquirição de testemunhas referidas nas declarações das partes ou das testemunhas.

Tal faculdade deve ser entendida em consonância com o disposto no art. 130 da Lei Adjetiva Civil, condicionando-a ao crivo do juiz, dentro do seu poder de deferir as provas necessárias ou indeferir as inúteis. Ao juiz cabe decidir o que é preciso para formar sua convicção e não às partes. Rejeição da preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa, suscitada pelas candidatas recorrentes.(…)” (TRE/RN - RECURSO ELEITORAL nº 6.155, ACÓRDÃO nº 6.155 de , Relator(a) JOSÉ CORREIA DE AZEVEDO, Publicação: DJ - Diário de Justiça do Estado do RN, , Página 38 LIV - Livro de Decisões do TRE/RN, Volume 47, Tomo 11, Página 201)

Nessa mesma linha de raciocínio, o STF no julgamento da ADI nº 1.082/DF, j. , por unanimidade, declarou constitucional o art. 23 da LC 64/90, assentando a faculdade de o Juiz Eleitoral produzir provas de ofício para a reconstituição dos fatos objeto da AIJE, a fim de formar sua convicção, ou seja, buscar a verdade real, consoante assentado no voto-condutor da lavra do Ministro MARCO AURÉLIO (Relator), verbis:

O processo não é um fim em si. Não existe somente para a satisfação dos operadores do direito nem se revela apenas nos atos e relações internas a envolver as partes e o magistrado. No direito processual moderno, destaca-se o caráter instrumental, o aspecto externo, sob o qual o processo é mais útil quanto mais eficiente for para a efetiva prestação da jurisdição e garantia de acesso a uma ordem jurídica justa.

(…)

Considerada a existência de relação direta entre o exercício da atividade probatória e a qualidade da tutela jurisdicional, a finalidade de produção de provas de ofício pelo magistrado é possibilitar a elucidação de fatos imprescindíveis para a formação da convicção necessária ao julgamento do mérito.

É claro que se recomendam temperamentos na aplicação da regra. A atenuação do princípio dispositivo no direito processual moderno não serve a tornar o magistrado o protagonista da instrução processual. A iniciativa probatória estatal, se levada a extremos, cria, inegavelmente, fatores propícios à parcialidade, pois transforma o juiz em assistente de um litigante em detrimento do outro. As partes continuam a ter a função precípua de propor os elementos indispensáveis à instrução do processo, mesmo porque não se extinguem as normas atinentes à isonomia e ao ônus da prova.

A par desse aspecto, não se espera mais do magistrado uma atitude passiva, inerte, porquanto imparcialidade não se confunde com indiferença. Abriu-se caminho para que possa suprir a deficiência da instrução. Da constatação da natureza pública da relação jurídico processual e da busca da verdade real decorre a exigência de prática de atos voltados a viabilizar a formação da certeza jurídica e da tranquilidade necessárias ao julgamento do mérito.

(…)

Nesta ação direta, está envolvido processo eleitoral, a direcionar a direitos e interesses indisponíveis, de ordem pública. Por mais que se tenha buscado assentar a completa separação entre o direito de ação e o material pleiteado em juízo, revela-se inegável a influência exercida pelo objeto da causa no próprio transcorrer do processo. Em direitos de ordem pública, quando a possibilidade de transação, disponibilidade e decretação da revelia é eliminada ou reduzida, apenas para exemplificar, mostra-se evidente o maior interesse do Estado na reconstituição dos fatos.”

Destarte, tem-se que o MM. Juízo Eleitoral a quo, na linha do entendimento firmado pelo STF na ADI nº 1.082/DF, não assumiu uma posição passiva e inerte, mas sim exerceu sua faculdade prevista nos arts. 22, VII, e 23 da LC 64/90, para fins de buscar a verdade real e formar sua convicção, razão pela qual decidiu ouvir as testemunhas LEANDRO e JOSENILTON conforme requerido e justificado pelo Parquet, não havendo, assim, nenhuma nulidade na referida oitiva.

Destarte, deve ser rejeitada a preliminar.

 

I.2. Impossibilidade jurídica do pedido

Os recorrentes sustentam que não poderiam ter sido condenados em sede de AIJE, por suposta propaganda eleitoral irregular, disciplinada no art. 37, § 4º, da Lei nº 9.504/1997. Alegam que a ação de investigação judicial tem como objeto apurar o uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou, ainda, a utilização indevida de veículos e meios de comunicação e não, a propaganda irregular.

Porém, sem razão os recorrentes.

Isso porque, a utilização de rito mais abrangente previsto no art. 22, da Lei Complementar nº 64/1990, com maior amplitude de defesa, possibilita a cumulação de AIJE por abuso de poder com as representações previstas na Lei nº 9.504/1997, nos termos do art. 327, § 2º, do CPC, notadamente quando o juízo eleitoral é igualmente competente para julgar ambas as ações eleitorais, que possuem os mesmos fatos jurídicos como causa de pedir.

Nessa esteira, confira-se precedentes do TSE, TRE/MT e TRE/MS, verbis:

“(…) 3. Não há óbice a que haja cumulação de pedidos na AIJE, apurando-se concomitantemente a prática de abuso de poder e a infração ao art. 73 da Lei nº 9.504/97, seguindo-se o rito do art. 22 da LC nº 64/90. (…)” (TSE - Agravo de Instrumento nº 11.359, Acórdão, Relator(a) Min. Marcelo Henriques Ribeiro De Oliveira, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 113, , Página 66)

 

"RECURSO ELEITORAL. AIJE. ABUSO PODER ECONÔMICO. MEIO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. USO INDEVIDO. PRELIMINAR ILEGITIMIDADE PASSIVA. AFASTADA. MULTA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. DEVIDA. CUMULAÇÃO DE AIJE COM REPRESENTAÇÃO. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. RECURSO DESPROVIDO. (…) 3. Admite-se a cumulação de AIJE com Representação Eleitoral, tendo em vista que os prazos daquela são mais elásticos que os desta, não havendo qualquer prejuízo às partes. (…)” (TRE/MT - Recurso Eleitoral nº 33.217, ACÓRDÃO nº 23.177 de , Relator(a) JOSÉ LUÍS BLASZAK, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 1472, , Página 1-8 )

 

“RECURSO. REPRESENTAÇÃO E INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CUMULAÇÃO DE PEDIDOS. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR E ABUSO DE PODER ECONÔMICO. ARTS. 43 DA LEI Nº 9.504/1997 E 22 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/1990. EXAME PARCIAL. SENTENÇA CITRA PETITA. NULIDADE DE OFÍCIO.

Considerando que o nome conferido à demanda se mostra irrelevante, sendo que a postulação se identifica pela análise do pedido e da causa de pedir, por sua vez integrada pelos fundamentos de fato e de direito, é permissivo a utilização de dois meios processuais diversos, em cumulação de pedidos no mesmo feito com postulações autônomas, tais como a representação (art. 96 da Lei nº 9.504/1997) por prática irregular de propaganda eleitoral (art. 43), e a ação de investigação judicial (art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990, sob a alegação de abuso de poder econômico, imprimindo-se o rito ordinário mais benéfico à parte (§ 2.º do art. 292 do Código de Processo Civil).

Assim, deixando o magistrado a quo de analisar ambas as questões, ou seja, ter enfrentado apenas as imputações acerca do art. 22, inclusive aferindo sobre os requisitos específicos exigidos, tal como a potencialidade lesiva, e omitindo-se quanto à propaganda irregular paga que, supostamente, teria afrontado o art. 43 da Lei das Eleições, trata-se de sentença citra petita, que padece de error ir procedendo e, assim, deve o tribunal anulá-la, mesmo de ofício ante o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, e devolver ao órgão a quo para novo pronunciamento.

Declara-se nula a sentença citra petita proferida nestes autos, determinando a devolução do feito ao Juízo a quo para que seja exarado novo decisório abrangendo todas as postulações.” (TRE/MS - RECURSO ELEITORAL nº 1.357, Acórdão nº 6.225 de , Relator(a) MARCO ANDRÉ NOGUEIRA HANSON, Publicação: DJ - Diário de justiça, Tomo 2064, , Página 348–349, g.n.)

Destarte, deve ser rejeitada a preliminar.

 

I.3. Ilicitude da gravação como meio de prova, bem como, todas as demais provas dela derivadas

Os recorrentes alegam que as gravações juntadas com a inicial, são ilícitas, nulas e imprestáveis como meio de prova, tendo em vista que foram realizadas sem o conhecimento dos interlocutores, ressaltando, ainda, que as demais provas dos autos são decorrentes das gravações, motivo pelo qual, também são nulas.

No caso, conforme restou apurado, a gravação da reunião realizada no dia , na sede da empresa Energética Serranópolis, foi realizada por um dos participantes do evento, devendo-se destacar que se tratava de uma reunião política/eleitoral, não sigilosa, com a realização de verdadeiro discurso e participação de candidatos, funcionários da empresa, totalizando um número de cerca de 100 (cem) participantes, ou seja, sem qualquer expectativa de privacidade.

Com efeito, não é verossímil pretender dar ao referido evento e ao discurso realizado caráter sigiloso, tendo em vista não se tratar de conversa particular, inexistindo quaisquer ofensas à privacidade. Ao contrário, trata-se de gravação ambiental feita por um dos participantes do evento (reunião com uma centena de pessoas), portanto, prova lícita.

Ademais, a gravação ambiental feita por um dos interlocutores da conversa afigura-se como prova lícita. Isso porque, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 583.937 QO-RG, Rel. Min. CEZAR PELUSO, DJE de , cuja repercussão geral foi reconhecida (Tema 237), decidiu pela validade da prova produzida por meio de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores.” (STF – AgR no RHC 125.319/CE, rel. Min. TEORI ZAVASCKI, 2ª Turma, julgado em , DJE de )

Na mesma esteira, os seguintes precedentes do STF: AgR no ARE 742.192/SC, rel. Min. LUIZ FUX, 1ª Turma, julgado em , DJE de ; AgR no RE 685.764/SC, rel. Min. ROBERTO BARROSO, 1ª Turma, julgado em , DJE de ; AgR no ARE 933.530, rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, 2ª Turma, julgado em , DJE de .

No mesmo sentido, caminha a jurisprudência do TRE/GO: RECURSO ELEITORAL nº 28.952, Acórdão nº 13.884 de , Relator(a) ABEL CARDOSO MORAIS, Publicação: DJ - Diário de justiça, Volume 1, Tomo 133, , Página 3; RECURSO ELEITORAL nº 36.965, Acórdão nº 13.797 de , Relator(a) DORACI LAMAR ROSA DA SILVA ANDRADE, Publicação: DJ - Diário de justiça, Volume 1, Tomo 093, , Página 6; RECURSO ELEITORAL nº 21.107, Acórdão nº 384/2015 de , Relator(a) LEÃO APARECIDO ALVES, Publicação: DJ - Diário de justiça, Tomo 149, , Página 6–7.

Outrossim, o TSE também tem entendido pela validade da gravação ambiental em reuniões com inúmeras pessoas, sem qualquer expectativa de privacidade, como ocorre no presente caso. Confira-se, verbis:

“(…) Ilicitude de Gravação Ambiental 2. Diálogos travados em ambiente particular - porém com acesso franqueado a qualquer um do povo - não estão protegidos pelas garantias constitucionais de privacidade e intimidade (art. 5º, X, da CF/88), inexistindo resguardo de sigilo por parte de candidato que realiza reunião em sua própria casa com inúmeras pessoas. Precedente: REspe 640-36/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, sessão de . (…)” (TSE - Recurso Especial Eleitoral nº 54.542, Acórdão, Relator(a) Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Relator(a) designado(a) Min. Antonio Herman De Vasconcellos E Benjamin Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, , Página 85–86)

Por outro lado, a gravação ambiental constitui apenas um dos elementos de provas utilizados para demonstrar a prática das condutas descritas na inicial. Contudo, outras provas independentes foram colacionadas aos autos, consistentes em fotos, prints de textos em rede social (Facebook e WhatsApp), depoimentos colhidos pelo Ministério Público Eleitoral, depoimentos colhidos em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, as quais de forma autonômas corroboram a prática das condutas narradas na inicial.

Destarte, deve ser rejeitada a preliminar.

 

II. Do mérito

No mérito, imputa-se na AIJE que ocorreu abuso de poder econômico e propaganda eleitoral irregular, em suma, em face da (a) realização de atos eleitoreiros nas dependências da empresa Energética de Serranópolis, em favor da candidatura de LIDEVAM e CLEOSMAR, em que material de campanha dos candidatos eram ostensivamente distribuídos nas dependências da empresa, de forma coercitiva pelos vigilantes, sendo que os que se recusavam eram perseguidos e retaliados; o controle do voto, sendo os funcionários compelidos a preencherem uma lista, especificando local e seção de suas respectivas votações, lista esta que ficava afixada em mural da empresa, o que possibilitaria por parte da empresa fiscalizar se o número de votos aos candidatos apoiados estaria compatível com o número de funcionários da empresa registrados nas seções eleitorais declaradas e ainda; da (b) distribuição de santinhos dentro do ônibus de transporte coletivo dos empregados da empresa; e (c) da captação ilícita de sufrágio, já que o desligamento do empregado era sugerido como consequência possível, em caso de eventual manifestação política contrária à posição eleitoral da direção da empresa.

 

II.1 Dos fatos e provas

Da detida análise dos autos, verifica-se que os graves fatos imputados na AIJE aos recorrentes ficaram devidamente comprovados na instrução processual, mediante provas testemunhais, gravação de vídeo, postagens em redes sociais, que formam um conjunto probatório robusto. Vejamos.

Inicialmente, registre-se que a empresa Energética Serranópolis, conta com 1.249 (um mil, duzentos e quarenta e nove) empregados, dos quais 679 (seiscentos e setenta e nove) possuem domicílio eleitoral em Serranópolis, o que corresponde a aproximadamente 11,53% (onze, cinquenta e três por cento) do eleitorado de 5.889 (cinco mil, oitocentos e oitenta e nove) eleitores aptos nas Eleições Municipais de 2016. Assim, considerado que a maioria dos empregados possuí família (cônjuge, filhos adolescentes, etc.), tem-se que mais de 20% do eleitorado de Serranópolis depende diretamente dos empregos gerados pela empresa.

Assim, a Energética Serranópolis trata-se inequivocamente de empresa de grande porte e influência no município de Serranópolis, sendo que expressiva parte do eleitorado daquele município é empregado da referida empresa.

Nesse contexto, em , nas dependências da empresa Energética Serranópolis Ltda., o recorrente FRANCISCO, na qualidade de proprietário e dirigente da referida empresa, reuniu mais de uma centena de empregados e apresentou os candidatos LIDEVAM e CLEOSMAR para estes, ocasião em que manifestou o apoio da empresa em favor da candidatura destes no pleito eleitoral, além de realizar a distribuição de material de campanha aos empregados no referido ato eleitoral de campanha.

Com efeito, na referida ocasião, foi feito o seguinte discurso político-eleitoral de apoio da empresa, por intermédio de seu dirigente/proprietário, em favor da candidatura de LIDEVAM (cf. degravação e CD às fls. 107–109), que obviamente escutam o patrão com temor reverencial de perda do emprego, verbis:

Francisco: “Cada um tem seu direito de escolher qual é o candidato melhor, mas eu acho que nós temos a obrigação, né, de dizer, “- olha, para a empresa o melhor é esse caminho”. E, então, eu acho que da outra vez, talvez se a gente tivesse firmado uma posição, a gente não teria tido um mandato que ninguém pode dizer que, acho que ninguém, nem o eleitor dele, pode dizer que o mandato do atual prefeito é bom. Então, eu acho que é importante que a gente demonstre né…. porque a agente apoia o Lidevan? Porque quando a gente chegou aqui a gente tinha muita coisa contra, né. Tinha a desconfiança, porque vinha de administrações que não deram certo. E enfim, era de fora, de outra região, ninguém conhecia. Então, a gente teve na época um prefeito que nos apoiou, um prefeito que nos ajudou. Deu sequência, né. A gente não quer nada demais da Prefeitura. Quer o apoio pra que a gente desenvolva um trabalho nosso. Então, a gente na época, nós tivemos um apoio da Prefeitura, né. E a gente como, acredito que, a gente tem que ter sempre gratidão pelo que é bem feito. Eu acho que é importante a gente tomar uma posição no sentido de que Lidevam, eu entendo que seja o melhor caminho. Além do mais, além de ser uma pessoa capaz, que já demonstrou capacidade, é uma pessoa que tão junto do … ali ligado ao Governador, né; Então o Prefeito hoje da cidade não pode se dar ao luxo de brigar com o Governador, né. Ele, por mais divergência que ele tenha, política, ele tem que ter uma proximidade né, porque a Prefeitura de uma cidade pequena é muito dependente do Governo do Estado. Então eu acho que é importante essa proximidade. Lidevam é ligado ao Marconi, é ligado ao Governo e isso certamente que traz benefícios pra Prefeitura.

Lidevam é amigo de meu pai, amigo da família. Então eu acho que é importante, importante que nós colocássemos essa posição pra vocês, pra vocês refletirem, né, e uma opção que eu acho que é importante. Vou passar a palavra a ele aqui e queria agradecer a vocês de ter disponibilizado de nos escutar.”

Som de palmas

Lidevam: Eu agradeço profundamente. Eu acho que eu vivo hoje aqui, talvez, o momento mais emocionante da minha vida pública. É uma situação realmente que nos deixa, assim, bastante felizes (…)”

Nesse ponto, o próprio candidato LIDEVAM reconheceu e divulgou em seu Facebook o apoio recebido pela empresa Energética Serranópolis em favor de sua candidatura: “É com grande alegria que recebemos o apoio da Empresa Serranópolis na pessoa do Sr. Francisco Dourado, representado na ocasião por seu filho Francisco e Filho e demais colaboradores. (…).” (fls. 59)

Outrossim, a referida reunião política-eleitoral de apoio da empresa à candidatura de LIDEVAM, dentre outras, também encontra-se documentada em várias fotografias juntadas aos autos, conforme se verifica às fls. 04, 07, 61, 64, 65, 67 69, 72 e 76–82.

Com efeito, o estreito vínculo do candidato LIDEVAM com a direção da empresa Serranópolis, que explicitamente patrocinou sua campanha perante os empregados da empresa, também fica evidenciado em outras postagens no Facebook de LINDEVAM, que relatam outras visitas e reuniões na empresa: “Visitamos hoje a Empresa Energética Serranópolis, onde tivemos a alegria de conversarmos com a diretoria e colaboradores do campo. (…)” (cf. fls. 94 e fotos de fls. 95–100) e Proprietário da Energética Serranópolis Francisco Filho deixou seu apoio a Lidevan Lima 45 no comício do dia 16. Ele e a direitoria da Energética estão com Lindevan Lima 45…”. (fls. 93)

Entretanto, o apoio e patrocíneo da empresa Energética Serranópolis à candidatura de LIDEVAM não se limitou apenas à reunião dos funcionários em horário de expediente para ouvirem discursos de seu proprietário e do candidato LIDEVAM, em detrimento dos demais candidatos; mas também na distribuição massiva de propaganda eleitoral (santinhos e adesivos) aos empregados, inclusive distribuídas pelos vigilantes por ordem da direção da empresa e nos ônibus de transporte coletivo dos empregados; bem como na veiculação massiva de propaganda eleitoral nas dependências da empresa e em seus veículos, com a colocação de adesivos da campanha de LIDEVAM.

Nesse ponto, às FLS. 59–101 verifica-se várias fotografias retratando adesivos do candidato do 45 (número de urna de LIDEVAM) em diversos veículos (caminhões e carros) da empresa Energética Serranópolis, bem como nas suas dependêcias (em portas, vidros, etc.). Ou seja, os bens da empresa (pessoa jurídica) forma massivamente utilizados para a veiculação de propaganda eleitoraldo candidato LIDEVAM.

Nesse ponto, o depoimento da testemunha LEANDRO está totalmente em linha com os registros fotográficos juntados às fls. 59–101 ao informar que as dependências e os veículos da empresa Energética Serranópolis eram adesivados com a propaganda eleitoral do LIDEVAM (número de urna 45), verbis:

“(…) Promotora: Lá na indústria as dependências eram adesivadas com adesivo do LIDEVAM? Testemunha: Eram. Era adesivado, os carros todos eram adesivados. Promotora: Havia algum carro particular ou mesmo carro da energética com outro candidato a Prefeito que não fosse o LIDEVAM? Testemunha. Não. Eu não vi. Dentro da empresa eu não vi. (…)”

Na mesma linha, também foram as declarações do informante JOSENILTON, verbis:

“Advogado: 'Você ficou sabendo se o Francisco também determinou que os funcionários colassem adesivos do Lidevam em seus veículos particulares, ou até usassem adesivo dentro da sede da empresa?' Informante: 'Eu sei sim, eu até participei, eu até colei, trabalho na rádio, até nos rádios, eu ouvia falar assim: o carro que entrar aqui na garagem não sai sem adesivo.' Advogado: 'A pergunta é assim, você foi obrigado a colocar um adesivo em você ou vocês tiveram a orientação para colocar adesivos em veículos da Energética? Informante: “Foi nos carros da Energética. (…)

Outrossim, além da adesivação de seus bens e reuniões com seus empregados, a empresa Energética Serranópolis também apoiou e patrocinou a candidatura de LIDEVAM mediante a distribuição da propaganda eleitoral de LIDEVAM (santinhos), feita pelos vigilantes (empregados) da empresa, nas suas dependências, durante a entrada e saída dos demais empregados, por determinação dos dirigentes da empresa, conforme se infere do depoimento do vigilante LUCAS FREITAS SILVA, ouvido como testemunha do juízo, verbis:

“(…)

Juiz: O Senhor já viu alguém distribuindo santinho? Testemunha: Já teve sim a distribuição de santinho, inclusive na portaria, foi colocado para os vigilantes, os próprios vigilantes distribuir os santinhos. Juiz: “Que vigilante são esses? Testemunha: Tipo, nós, eu sou vigilante, então meu encarregado chegou e disse a partir de hoje você tem esse serviço, a mais para você fazer, a partir de hoje você tem que entregar esses santinhos. Juiz: Na entrada? Testemunha: Na entrada e na saída. Aí tinha um pacote de santinhos de tal candidato. Juiz: Então o Senhor também entregou santinhos? Testemunha: Todos os turnos. São 3 turnos, todos os turnos foi entregue santinho. Aí teve uma certa época que cortou, acho que chegou alguma reclamação na empresa, alguma carta para eles, eles pegou e cortou, já estava proibido e não podia entregar para mais ninguém

(…)

Juiz: O senhor se negou a entregar santinho? Testemunha: Sim, na mesma hora eu falei pra ele, pro meu encarregado, que eu não queria entregar santinho porque eu não queria politicar para ninguém (…)

Juiz: E quando o senhor se negou eles questionaram, o senhor se manteve lá no trabalho? Testemunha: No momento, em que eu falei pro meu encarregado que não ia entregar, que eu não estava satisfeito e não ia entregar, ele disse que eu teria que resolver com o pessoal da diretoria, porque ele não ia ficar pondo a cara dele para bater mais porque tudo que tava errado, o que os vigilantes fazia de errado, ele que defendia nós nesses acontecimentos que a diretoria já tinha dito que estava apoiando esse tal candidato, a gente tinha que fazer o serviço pra ele, então eu me neguei a fazer, aí quando foi uma semana depois, no dia 15/09, ele me pôs de férias (…) ele recebeu ordem lá de cima e ele queria passar ordem para nós (….)

Promotora: Seus colegas que faziam isso, eles faziam isso contrariados ou faziam isso porque gostavam? Testemunha: Alguns fez contrariados, outros já fez de boa vontade, já eram do lado deles, então eles não questionou não. Promotora: Quem deu essa ordem pra distribuir? Testemunha: O Gualberto, meu encarregado (…)

Advogado: Foi muito rápido que isso aconteceu? Quantos dias? Um dia? Testemunha: Um dia não, foi uma semana, uma semana e pouca, aí depois cortou, teve alguma denúncia, e eles cortou o santinho.” Advogado: Mais foi proibido os demais? Testemunha: Não podia entrar de 15 lá não, era proibido. Advogado: Você não disse que o rapaz ia todos os dias de adesivo? Testemunha: Ele ia para provocar. Advogado: Então era proibido? Testemunha: Era proibido, não podia ir de 15 lá dentro da usina, o cara não podia ir, quando o Evanderson ia de 15, só ele ia de 15 para provocar. E outra, ele trabalhava a noite, o movimento da noite com o dia é diferente.”

Além disso, a testemunha LUCAS também afirmou em seu depoimento que havia distribuição dos santinhos dentro dos ônibus de transporte coletivo de funcionários da empresa, verbis:

Promotora: Lucas, havia distribuição de material de campanha, de santinhos, também dentro do ônibus? Testemunha: Dentro do ônibus, teve. Quando parava o ônibus, chegava no ponto. Lá na usina tem tipo uma rodoviarinha. O ônibus encostava, tinha uma fila de pessoas. Essa pessoa tava aguardando o ônibus enconstar. Encostava o ônibus, todo mundo entrava e sentava. Vinha um dos vigilantes, ou o vigilante que tivesse entrando, que ia chegar e ia distribuir os santinhos. Todo mundo sentado. Aí saia de banco em banco distribuindo os santinhos. (…) ”

Da mesma forma, a testemunha LEANDRO também corroborou os referidos fatos narrados pela testemunha LUCAS em seu depoimento, verbis:

“(…) Promotora: Você sabe dizer se havia a ordem de distribuição de santinho na portaria? Testemunha: Tinha na portaria e dentro dos ônibus. (…)”

Além disso, outra circunstância relevante de natureza grave, é que os empregados eram proibidos de manifestar apoio a outros candidatos, tanto no local de trabalho como na sua vida particular, sob pena de represália da empresa; bem como sofriam represália àqueles que não cumpriam a ordem de seus superiores hierárquicos de fazerem campanha para os candidatos durante o exercício de suas funções.

Nesse tocante, os depoimentos prestados perante a Promotoria Eleitoral, e ratificadas em juízo, sob o crivo do contraditório, por EVANDERSON, cuja contradita não fora acolhido, tendo prestado compromisso (fl. 104), verbis:

“(…)

teve a passeata do candidato adversário, sendo que alguns colegadas de serviço compareceram e, no dia seguinte, após comparecer na empresa, os encarregados de cada setor, principalmente Mávio, chamaram a atenção, dizendo que não poderiam manifestar do outro lado, se caso não apoiassem o 45 era para ficar quieto; que durante a passeata do candidato adversário, alguns colegas publicaram em um grupo de whatsapp feito pelos funcionários da empresa denominado “Família Energética”, fotos com adesivo do 15, sendo que tiveram chamada a atenção pela conduta; que outras fotos e imagens apoiando o adversário também já foram publicadas, tendo sempre os encarregados chamado a atenção de quem publica; que um funcionário que publicou propaganda do candidato adversário no grupo, ganhou férias imediatamente, e outro funcionário, o declarante ficou sabendo que ganhará férias, por não ter aceitado entregar santinhos dos candidato na portaria (…). Esse depoimento, o senhor confirma ele todo, que o senhor prestou no Ministério Público? Testemunha: “Todo, confirmo.

Na mesma esteira, a testemunha LUCAS, o qual também afirmou que foi compulsoriamente colocado de férias, em pleno período de safra, uma semana depois de se recursar a obedecer a ordem de seu superior hierarquico de entregar santinhos de LIDEVAM na portaria da empresa, e nítido ato de represália, verbis:

“Juiz: Senhor Lucas, quando o senhor entrou de férias. Testemunha: Apartir do dia primeiro. Juiz: O senhor para tirar férias na energética, como é que faz? O senhor marca as férias, pede para o supervisor? Testemunha: Eu tinha pedido, eu tinha marcado para o final do ano. Aí depois desse… da política, ele pegou e antecipou essas férias. Mas aí ele pegou e falou para mim que a partir do dia primeiro eu estaria de férias. Juiz: Mas essas férias sempre são assim, ou sempre são marcadas? Testemunha: Ora, costuma sempre ser marcada porque nunca dão férias na época de safra. E a usina está em safra. (…) [relata sobre a ordem do supervisor de o vigilante distribuir santinhos, que era uma determinação da diretoria] Juiz: Aí o senhor se negou. Aí passou uma semana, o senhor lá trabalhando, sem saber de nada. Aí o senhor não estava entregando santinho. Testemunha: Não. (…) Juiz: Aí depois de uma semana o senhor foi comunicado que ia sair de férias, foi isso? Testemunha: foi. Juiz: Foi uma semana sem entregar santinho. Entendi. E essa uma semana foi na semana da eleição? Testemunha: Não, foi em setembro no começo da eleição. Foi no dia 07 ele deixou lá esse santinho para ser entregue, na outra semana eu cheguei na portaria e já a nossa conversa não tava a mesma, pois eu não fiz o serviço que ele pediu. Aí ele pegou e disse a partir do dia primeiro você está de férias. Juiz: Dia primeiro…? Testemunha: Dia primeiro de outubro.”

Nessa mesma esteira, também o relato da testemunha LEANDRO, o qual também foi colocado compulsoriamente de férias, em pleno período de safra, após negar-se a apoiar e votar em LIDEVAM, verbis:

“Promotora: Leandro você ainda trabalha na energética? Testemunha: Atualmente estou de férias, mas trabalho lá sim. Promotora: Atualmente você está de férias. Essas férias você pediu ou foi disponibilizada para você? Testemunha: Essas férias foram em plena safra, né doutora, geralmente as férias lá são no final da safra, a gente combina, mas são no final da safra, durante a safra não tem férias não. Promotora: Você pediu essas férias, ou não? Testemunha: Não. Promotora: Promotora: Qual a razão de ter sido dada essas férias para você. Testemunha: Eu deduzo que é para me mandar em bora. (…) Promotora: E qual a razão para te mandar embora? Testemunha: Seria a questão política, porque fizeram reunião dentro da empresa e pediram para eu votor num candidato, eu falei que não votava, e que o direito de votar era meu. (…)”

(…)

Eu só relatei nas redes sociais o que eu achei melhor, o em candidato, entendeu?!

(…)

Pessoal do laboratório, colega de trabalho, até pessoas que trabalham comigo, me disseram: fica quieto, não faz isso, não manifesta na rua sobre o outro candidato se não vai te mandar férias e embora (…) Sim, me deram atenção, não publica isso (…) O que eu sei é que essa perseguição foi só pra quem realmente apoiou outro candidato, entendeu?

Houve algum caso de alguém que foi em alguma carreata ou alguma passeata ou alguma passeata ou alguma to de outro candidato opositor e que foi chamado a atenção em razão disso? Teve, várias pessoas que foi, o próprio menino que vai depor agora, o Joseneilton, ele foi, foi chamado a atenção dele, o supervisor, só não me recordo o nome dele, o Jailson, ele reunia com nós no laboratório e disse: estou aqui sou funcionário, e me pediram; agora, se foi o Francisco, quem foi, eu não sei; pediram pra eu pedir voto pro Lidevam. Abre aspas, quero que você votem no candidato pois se ele não ganhar, a empresa faz um x com o município e o município faz um x com a usina, então estou aqui pedindo voto e queria que vocês apoiassem (…)”

Nesse ponto, quanto à análise das provas, vale colacionar excerto das contrarrazões do Ministério Público Eleitoral:

“(…)

Portanto, pelo conjunto probatório carreado nos autos, restou evidente que a empresa concedia uma única alternativa aos seus funcionários para se manterem no emprego: apoiar e participar da campanha dos candidatos Lidevam e Cleosmar. Caso contrário, conforme os relatos das testemunhas mencionadas acima, Evanderson, Lucas, Leandro e Joseneilton, o funcionário tinha sua atenção chamada, depois, conforme ocorreram com eles, recebia férias, temendo, ao final do período, ser demitido, como aconteceu com Evanderson, que não se redimiu e continuou a demonstrar fortemente seu apoio ao candidato adversário, tendo recebido repressão severa. Ademais, necessário ressaltar que os funcionários estranharam a concessão de férias durante o período de safra e sem qualquer requerimento, por não ser período em que se concede tais benefícios, devido o aumento de trabalho.

Pontua-se que o empregador, detentor de poder de demitir, utilizou dos meios mais absurdos para conseguir o apoio de seus funcionários, de modo a conseguir a vitória dos candidatos Lidevam e Cleosmar. Primeiro, desde logo, adotou condutas para reprimir os candidatos que enfrentavam os abusos cometidos, retirando-os do ambiente da empresa, de modo que permanecessem apenas aqueles que não se rebelaram e/ou que demonstraram seguir a mesma posição política, com efeito pedagógico para os demais funcionários, forçando-os a não adotarem a mesma postura dos punidos. Segundo, considerando que se tratam de funcionários de baixa renda e pouca instrução, aproveitou de sue discurso para pressionar os funcionários a seguirem o “melhor caminho' para empresa, dizendo-lhes o quanto era “importante” a opção Lidevam/Cleosmar. Assim, diante das condutas praticadas, quem em sã consciência e precisando do emprego adotaria postura diferente!?”

Sobreleva ressaltar, ainda, que os empregados também foram compelidos a preencher lista com seus dados eleitorais, o que se evidencia no documento de fls. 56–58, o que torna evidente o uso eleitoreiro da empresa, que tinha como objetivo controlar o número de votos obtidos em cada seção de modo a confirmar os votos conferidos pelos empregados.

Por derradeiro, como bem analisou o MM. Juízo Eleitoral a quo na sentença recorrida “o único testemunho contrário aos fatos imputados aos investigados é o de ANTONIO: (…) Entretanto, como é único, diante de todos os outros elementos colhidos, bem como das imagens colacionadas pela investigante, desconsidero suas declarações, por ser contrária à prova dos autos.

Nesse contexto, tem-se que o conjunto probatório composto por (a) prova testemunhal, corroborada por; (b) gravação ambiental da reunião político/eleitoral com os empregados da empresa, promovida pelo proprietário da empresa e o candidato LIDEVAM; (b) diversas fotos das dependências e veículos da empresa adesivados com propaganda de LIDEVAM; (c) prints de redes sociais (Facebook e WhatsApp), evidenciando o apoio da empresa à candidatura de LIDEVAM, bem como seu vínculo político/eleitoral com os dirigentes desta; formam um quadro probatório robusto quanto ao abuso de poder econômico imputado na AIJE; e (d) documentos, dentre eles lista de funcionários com dados eleitorais.

Com efeito, registre-se que, ainda que fossem excluídos os depoimentos da testemunhas LEANDRO e do informante JOSENEILTON, em face da preliminar objeto do item I.1 deste parecer, o que só se admite em face do princípio da eventualidade, as demais provas produzidas já seriam suficientes para comprovar de forma robusta os ilícitos eleitorais objeto da AIJE.

Destarte, o que se infere das provas dos autos é que a empresa (pessoa jurídica), Energética Serranópolis, agindo por intermédio de seus dirigentes, notadamente seu sócio-proprietário FRANCISCO QUEIROZ DOURADO, com a anuência e participação dos candidatos LIDEVAM e CLEOSMAR, utilizou sua estrutura material e de pessoal para patrocinar explicitamente a campanha destes perante os seus empregados, mediante a realização de massiva propaganda eleitoral em suas dependências e em seus veículos (v.g. distribuição de santinhos, realização de discursos, adesivação), inclusive nos ônibus de transporte coletivo dos funcionários, bem como na realização de enormes reuniões com discursos e distribuição de propaganda eleitoral, além de adotar práticas gritantemente abusivas de pressionar os empregados a apoiarem apenas os candidatos da empresa e os vigilantes a distribuírem material de campanha, sob pena represália.

 

II.2. Do abuso de poder econômico e da captação ilícita de sufrágio

O Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 4.650Nota 02, concluído no dia , nos termos do voto-vencedor proferido pelo Ministro LUIZ FUX, declarou inconstitucionais os arts. 24 e 81, caput e § 1º, a Lei nº 9.504/1997 os quais autorizavam o financiamento de pessoa jurídica para campanhas eleitorais. Isso, por consider serem vedadas pela ordem constitucional as referidas doações.

Outrossim, após o referido julgamento da ADI nº 4.650 pelo STF, foi promulgada a Lei nº 13.165, no dia , chamada de “Minirreforma Eleitoral”, que em seu art. 15 revogou integralmente o art. 81 da Lei nº 9.504/1997, considerando-se, assim, vedada qualquer doação eleitoral feita por Pessoa Jurídica.

Nesse contexto, extrai-se da ratio da ADI nº 4.650, e da legislação eleitoral, que era vedada à pessoa jurídica (empresa) Energética Serranópolis, agindo sob a direção de seu sócio-proprietário FRANCISCO e demais dirigentes que lhes são subordinados, apoiar e patrocinar perante seus empregados a campanha de LIDEVAM e CLEOSMAR para os cargos de Prefeito e Vice-Prefeito de Serranópolis, mediante: (a) utilização de sua estrutura (dependências e veículos) para atos de propaganda eleitoral, quais sejam, adesivação de propaganda eleitoral e realização de reuniões eleitorais em horário de expediente, onde era manifestado explicitamente, em discursos do sócio-proprietário, o apoio da empresa aos candidatos, bem como distribuído material de propaganda eleitoral; (c), mais grave, a utilização dos vigilantes (empregados) da empresa para, durante o exercício de suas funções, distribuírem santinhos dos candidatos, tanto na portaria (na entrada e saída), bem como no ônibus de transporte coletivo dos empregados; e (d) coação para que os empregados não apoiassem outros candidatos.

O quadro de gravidade fica patente quando se verifica que a empresa Energética Serranópois é de grande porte, e conta com 1.249 (um mil, duzentos e quarenta e nove) empregados, dos quais 679 (seiscentos e setenta e nove) possuem domicílio eleitoral em Serranópolis, o que corresponde a aproximadamente 11,53% (onze, cinquenta e três por cento) do eleitorado de 5.889 (cinco mil, oitocentos e oitenta e nove) eleitores aptos nas Eleições Municipais de 2016. Assim, considerado que a maioria dos empregados possuí família (cônjuge, filhos adolescentes, etc.), tem-se que mais de 20% do eleitorado de Serranópolis depende diretamente dos empregos gerados pela empresa; ou seja, o abuso de poder econômico praticado teve reflexo eleitoral direto em mais de 20% do eleitorado.

Portanto, tem-se que os atos de abuso de poder econômico praticados pelos representados atingiram mais de 20% do eleitorado do município de Serranópolis, sendo evidente o enorme reflexo eleitoral e a gravidade dos atos praticados.

Não bastasse isso, a gravidade do abuso de poder econômico, e o uso ilícito da empresa Energética Serranópolis em favor da candidatura de LIDEVAM, fica mais evidenciada ainda quando se verifica que os vigilantes e empregados da empresa que não aceitaram cumprir o encargo ilícito de distribuir santinhos (material de campanha) de LIDEVAM durante seu horário de expediente, sofreram represálias, sendo colocados compulsoriamente de férias em pleno período de safra, logo após sua negativa, como relataram as testemunhas LUCAS e EVANDERSON; sendo que idêntica represália também sofreu a testemunha LEANDRO após manifestar que não votaria nem apoiaria LIDEVAM, e manifestar em redes sociais apoio a candidatos adversários.

Ora, o referido quadro inequivocamente aumenta a gravidade do uso ilícito da empresa Energética Serranópolis no apoio e patrocínio da campanha de LIDEVAM e CLEOSMAR aos cargos de Prefeito e Vice-Prefeito de Serranópolis.

Nesse ponto, vale colacionar trecho da sentença recorrida, no qual o MM. Juízo Eleitoral a quo bem analisou a elevada gravidade da conduta abusiva no contexto da eleição municipal de Serranópolis, verbis:

“(…)

Fica claro assim que os atos impugnados foram direcionados a parcela expressiva do eleitorado, detendo gravidade suficiente, em que foram submetidos a condutas abusivas por parte dos investigados em busca de apoio político e voto.

Acresça-se à parte quantitativa o fatos dos atos terem sido realizados de forma coativa sobre funcionários de empresa, em horário de trabalho, em que o ambiente organizacional da empresa foi alçado à condição de comitê eleitoral, praticando atos de campanha contra a vontade dos empregados, que não detinham liberdade de comparecimento ou escolha simplesmente por necessitarem de ali permanecerem para manterem seus postos de trabalho.

Além disso, o apoio público dado pelo investigado FRANCISCO às candidaturas de LIDEVAM e CLEOSMAR, externado nos ambientes da empresa e na sua condição de sócio-administrador da indústria, publicamente em carreatas e comícios, diante da importância do complexo industrial para a economia no município e como seu principal empregador, criou a ideia de que o melhor para a cidade seria o voto aos candidatos investigados, o que possui gravidade também suficiente para desequilibrar o pleito que ocorreu, mesmo em eleitores não vinculados diretamente à Usina.(g.n.)

Ressalte-se, ainda, que mesmo antes do julgamento da ADI nº 4.650, que vedou o financiamento de campanha por pessoa jurídica, o TSE reconheceu no julgamento do RO nº 437.764/DF, em caso análogo ao presente, que configura abuso de poder econômico a utilização de estrutura de empresa de porte considerável para o patrocínio de candidatura, bem como captação ilícita de sufrágio a pressão exercida sobre os empregados, comprometendo sua liberdade de voto (art. 41-A da Lei nº 9.504/1997). O referido precedente do TSE ficou assim ementado, verbis:

“RECURSO ORDINÁRIO. PROVIMENTO PARCIAL. DEPUTADO DISTRITAL. COMPRA DE VOTOS. COAÇÃO DE FUNCIONÁRIOS. MANUTENÇÃO. ABUSO DE PODER. INELEGIBILIDADE. CASSAÇÃO DE DIPLOMA. INCIDÊNCIA. LC Nº 135/2010. RECURSOS ESPECIAIS PREJUDICADOS. ASSISTENTES SIMPLES. DESISTÊNCIA. RECURSO. ASSISTIDO. 1. A utilização da estrutura de empresa de considerável porte para a realização de campanha eleitoral em favor de candidato, mediante a convocação de 1000 (mil) funcionários para reuniões nas quais houve pedido de votos e disponibilização de material de propaganda, bem como a distribuição posterior de fichas de cadastros nas quais cada empregado deveria indicar ao menos dez pessoas, configura abuso do poder econômico, com potencial lesivo ao pleito eleitoral. 2. Tais condutas também configuram captação ilícita de sufrágio, na linha de entendimento da Corte, com ressalva do ponto de vista do relator. 3. (…) 6. Recurso Ordinário desprovido, para manter a cassação do diploma, a imposição de multa e a declaração de inelegibilidade por 8 (oito) anos, com base nos arts. 41-A da Lei nº 9.504/1997 e 22, XIV e XVI, da LC nº 64/90, com a nova redação da LC nº 135/2010, em razão da prática de abuso do poder econômico e captação ilícita de sufrágio. 7. Recursos especiais prejudicados.” (Recurso Ordinário nº 437.764, Relator Min. Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira, RJTSE 22/114 e DJE de , página 34–35).

No referido precedente, assentou o voto-vencedor do Ministro ARNALDO VERSIANI quanto a configuração da captação ilícita de sufrágio, verbis:

“Mas, voltando à captação ilícita de sufrágio, penso que vários aspectos podem ser abordados, essencialmente um que foi bem exposto no voto do relator do acórdão recorrido, o Desembargador Mário Machado, em que Sua Excelência aborda a compra de votos sob dois aspectos. Primeiro a compra de votos em si, porque foi feita reunião visando à obtenção do voto, para manter o emprego.

Aqui em Brasília essa não é a única hipótese em que esse fato já aconteceu. Em eleições passadas, tivemos episódio semelhante, se não idêntico. Penso que a única diferença dos casos é que, naquele, não houve a alegação de coação, mas era a mesma hipótese. Não me lembro de qual era a empresa, mas até hoje esse caso, ou não foi julgado, ou o parlamentar beneficiado continua desempenhando o seu mandato. O fato é que essa questão ainda não veio a julgamento neste Tribunal. É lamentável que o Distrito Federal, que possui eleitorado tão esclarecido, se preste a esse tipo de comportamento. Esta é a segunda vez que certa empresa se volta exclusivamente para beneficiar candidatos apoiados pelo seu dono, sejam amigos, parentes ou pais.

Por isso, Senhor Presidente, faço questão de divergir quanto à captação ilícita, porque, na prática, a única diferença é a aplicação da multa. O resultado efetivo da ação, tanto pelo voto do ministro relator quanto pelo meu voto, é o mesmo, ou seja, a aplicação da pena de cassação do com inelegibilidade de oito anos. Mas faço questão de manter a captação ilícita com aplicação de multa, porque espero que o que aconteceu no caso dos autos e o que ocorreu antes não aconteça no futuro, exatamente para impedir candidatos se beneficiem desse esquema, dessa estrutura que foi montada.

Como eu disse, o acórdão recorrido se voltou para a hipótese de compra de votos para manter o emprego. A outra hipótese foi por coagir o empregado, o vigilante, a votar no candidato, sob pena de demissão. Uma das testemunhas, inclusive, relatou o fato de que, durante o seu discurso, o candidato, que compareceu àquela reunião tida como administrativa, se referiu à manutenção da empregabilidade.

Imagino qual seria a hipótese prática em que o candidato a deputado distrital, chamado a uma reunião administrativa em que estavam presentes os donos da empresa e o virtual dono, pai dos donos efetivos, além de um candidato, cujo discurso seja o de manter a empregabilidade? Realmente, o dono virtual da empresa, ou seus filhos, desejavam que seus empregados conhecessem o candidato? Esse é um direito legítimo, todo patrão pode estimular os empregados a chamarem não apenas um, mas vários candidatos, para exporem as suas ideias, mas não daquela maneira, cuja estrutura montada não teve outro propósito senão o de captação de sufrágio.

Na mesma esteira, também foi o entendimento do TSE no julgamento do REspe nº 48.369, rel. Min. HENRIQUE NEVES, assim ementado, verbis:

“ELEIÇÕES 2012. PREFEITO E VICE-PREFEITO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO E CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. AÇÕES ELEITORAIS (AIJE, RCED e AIME). IDENTIDADE FÁTICA. RECURSOS ESPECIAIS. APRECIAÇÃO CONJUNTA. (…) 7. O Tribunal Regional Eleitoral manteve a sentença que reconheceu as práticas de abuso do poder econômico e captação ilícita de sufrágio, em razão de os recorrentes terem oferecido, em troca do voto, empregos no grupo empresarial de propriedade do irmão do prefeito eleito e, também, por terem ameaçado aqueles já empregados de modo a obrigá-los a votar nos candidatos e pedir votos aos seus familiares e amigos, sob pena de demissão. (…) 10. A prática da captação ilícita de sufrágio se caracteriza tanto pela promessa de emprego, como pela ameaça grave de demissão aos empregados que não votassem e trabalhassem em benefício da candidatura do candidato irmão do dono do grupo empresarial. 11. O abuso do poder econômico e a corrupção eleitoral podem decorrer da utilização da estrutura de empresa de considerável porte para a realização de campanha eleitoral em favor de candidato (RO nº 4377-64, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE de ). 12. (…)” (TSE - Recurso Especial Eleitoral nº 48.369/PI, Relator Min. Henrique Neves da Silva, DJE de , página 75–77)

Portanto, tem-se que os fatos abusivos objeto da AIJE também configuram captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei nº 9.504/1997), por comprometerem a liberdade do voto dos empregados da empresa, conforme bem relatado nos testemunhos de LEANDRO (cf. conferir respostas da testemunha ao advogado de defesa), LUCAS e EVANDERSON, na linha dos precedentes do TSE sobre a matéria.

Outrossim, não assite razão ao recorrente quando aduz que a aplicação de multa em razão de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei nº 9.504/1997) configuraria julgamento extra petita. Isso porque, o candidato defende-se dos fatos imputados na inicial, que delimitam os limites do pedido, e não de sua capitulação legal, consoante a inteligência do art. 322, § 2º, do novo CPC (princípio da congruência).

Nesse sentido, dispõe a Súmula nº 62 do TSE, verbis:

Súmula nº 62. Os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor.

Sobre o tema, vale colacionar o escólio doutrinário de JOSÉ JAIRO GOMESNota 03, litteris:

(…) O princípio da congruência possui no processo jurisdicional eleitoral sentido semelhante ao que lhe é atribuído no processo penal. De modo que a correlação nos processos eleitorais traduz-se na conexão que se estabelece entre os fatos narrados na petição inicial e o conteúdo da decisão judicial que aprecia o mérito. Dos próprios fatos descritos e trazidos à apreciação do Poder Judiciário, decorrerá a aplicação pelo órgão judicial, das sanções previstas em lei, ainda que não pedidas expressamente pela parte autora

Na mesma esteira, confira-se precedente do TSE e do TRE/MS, verbis:

“(…) 2. Inexiste nulidade no acórdão regional. O magistrado pode qualificar os fatos apresentados e aplicar as sanções adequadas, sem que se configure violação ao princípio da adstrição ou julgamento extra petita. Incidência da Súmula TSE nº 62. (…)” (TSE - Recurso Especial Eleitoral nº 44.259, Relator desig. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de )

 

“(…) Ademais, o representado defende-se dos fatos narrados na inicial, e não da capitulação jurídica invocada pelo autor, podendo, por conseguinte, o órgão julgador promover a subsunção dos fatos às normas jurídicas que entender adequadas ao caso, respeitados os limites da causa de pedir, sem que isso promova qualquer afronta ao contraditório e à ampla defesa. (…) (TRE/MS - RECURSO ELEITORAL nº 92.195, Acórdão nº 8.036 de , Relator(a) HERALDO GARCIA VITTA, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eleitoral, Tomo 919, , Página 09–10 )

Por derradeiro, registre-se que pela dimensão dos atos praticados pela empresa Energética Serranópolis, cuja estrutura foi nitidamente colocada a serviço das candidaturas de LIDEVEM e CLEOSMAR, em detrimento dos demais candidatos, bem como do apoio explícito de seu sócio-proprietário FRANCISCO em favor destes, o que se evidencia em reuniões com os funcionários, em comícios, nas redes sociais, bem como de reuniões de LIDEVAM com a diretoria da empresa, e do vasto material de campanha distribuído, verifica-se a participação direta e anuência de todos os três representados nos graves atos praticados que são objeto da AIJE.

Destarte, restou comprovada e caracterizada a prática de abuso de poder econômico por parte dos representados/recorridos (art. 22, XVI, da LC 64/90), bem como de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei nº 9.504/1997), não merecendo qualquer reparo a sentença recorrida.

 

II.3. Da propaganda eleitoral irregular

Da detida análise dos autos, verifica-se que também restou comprovado que os recorrentes realizaram propaganda eleitoral irregular no interior de ônibus que serve para transporte coletivo dos empregados da usina Energética Serranópolis, com a distribuição de santinhos, como relatado pelas testemunhas LUCAS e LEANDRO.

Ora, o ônibus de transporte coletivo dos empregados da empresa configura-se como bem de uso comum, nos termos do artigo 37, § 4º, da Lei nº 9.504/97, verbis:

“Art. 37. Nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do poder público, ou que a ele pertençam, e nos bens de uso comum, inclusive postes de iluminação pública, sinalização de tráfego, viadutos, passarelas, pontes, paradas de ônibus e outros equipamentos urbanos, é vedada a veiculação de propaganda de qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a tinta e exposição de placas, estandartes, faixas, cavaletes, bonecos e assemelhados.

(…)

§ 4º. Bens de uso comum, para fins eleitorais, são assim definidos pela Lei nº 10.406, de — Código Civil e também aqueles a que a população em geral tem acesso, tais como cinemas, clubes, lojas, centros comerciais, templos, ginásios, estádios ainda que propriedade privada.

Com efeito, o ônibus utilizado para o transporte dos funcionários da empresa Energética Serranópolis, configura-se bem de uso comum pois, muito embora seja particular, é utilizado para o transporte coletivo e rotineiro dos funcionários da empresa em geral, razão pela qual sofre restrição em seu uso, nele não podendo ser realizada a propaganda eleitoral.

De outro lado, ao contrário do que argumenta a defesa, a lei não diferencia a afixação da distribuição da propaganda eleitoral, logo, não cabe ao intérprete fazê-lo. Conforme o artigo 37, § 4º, da Lei nº 9.504/1997, é vedada a realização de propaganda eleitoral de qualquer natureza, compreendendo qualquer espécie de propaganda, inclusive, a distribuição de “santinhos” dos candidatos eleitos LIDEVAM e CLEOSMAR.

Sobre o tema, já assentou o TSE, verbis:

“RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. DISTRIBUIÇÃO DE MATERIAL IMPRESSO DE CAMPANHA EM BENS PÚBLICOS OU DE USO COMUM. RODOVIÁRIA. PROIBIÇÃO. ART. 37 DA LEI Nº 9.504/1997. NEGADO PROVIMENTO. 1. A distribuição de panfletos com propaganda eleitoral em bens públicos ou de uso comum configura publicidade irregular, nos termos do art. 37 da Lei nº 9.504/1997. Precedentes. 2. Recurso a que se nega provimento. (RESPE - Recurso Especial Eleitoral nº 760.572 - RIO DE JANEIRO – RJ, Acórdão de , Relator(a) Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Relator(a) designado(a) Min. José Antônio Dias Toffoli, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 222, , página 191).

Além disso, a propaganda eleitoral feita em veículo de empresa (pessoa jurídica), promovida inequivocamente por esta aos seus empregados, é vedada pela legislação eleitoral, haja vista a vedação de financiamento de campanha por pessoa jurídica, seja diretamente (doação de dinheiro) ou indiretamente (doação de bem estimável, mediante veiculação de propaganda em seus bens), tendo em vista a decisão do STF na ADI nº 4.650 e da Lei nº 13.165/2015 que revogou o art. 81 da Lei nº 9.504/1997.

Nesse contexto, os recorrentes ao utilizarem os vigilantes (empregados) da empresa para distribuírem santinho aos demais empregados, na portaria e nos ônibus de transporte coletivo (cf. depoimentos testemunhais), bem como usarem a estrutura da empresa para fixarem propaganda eleitoral em seus veículos e dependências (cf. depoimentos e fotos), nitidamente contrariam a legislação eleitoral.

Portanto, também por esse fundamento justifica-se a aplicação de multa aos recorridos por propaganda eleitoral irregular em bem particular. Explico.

Para que a propaganda eleitoral em bens particulares seja considerada regular, e não incida na sanção de multa prevista no §§ 1º e 2º do art. 37 da Lei nº 9.504/1997 é preciso que atenda a três requisitos cumulativos: (a) deve ser feita em adesivo ou papel; (b) não exceder a 0,5m²; e (c) não contrariar a legislação eleitoral.

Outrossim, o requisito "não contrarie a legislação eleitoral" pressupõe que outras limitações específicas também podem ser feitas na propaganda eleitoral em bens particulares, além das duas limitações qerais feitas no próprio §2º do art. 37 da Lei nº 9.504/1997, sendo que a inobsevância destas limitações especiais sujeita o infrator a multa prevista no § 1º.

Nesse contexto, não há necessidade de o legislador estabelecer expressamente na legislação eleitoral uma sanção específica na hipótese de descumprimento de alguma especial de propaganda eleitoral aplicável a determinado bem particular, haja vista que o próprio § 2º estabelece expressamente que a contrariedade a legislação eleitoral (ou seja, a outros dispositivos da lei eleitoral) enseja a aplicação da multa prevista no § 1º.

Assim, o fato de não se cominar sanção para a inobservância de alguma regra sobre propaganda eleitoral em bem particular significa que este ilícito eleitoral seja despido de sanção, mas sim que se aplica a sanção geral prevista no § 1º do art. 37, conforme determina expressamente o §2º.

Nesse sentido, confira-se precedente do TRE/GO, verbis:

“RECURSOS ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. AFIXAÇÃO. PROPAGANDA. VEÍCULOS. DIMENSÕES SUPERIORES. MULTA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. O regramento previsto nos §§3º e 4º da Lei das Eleições se aplica a qualquer tipo de veículo, aí incluindo qualquer acessório a ele agregado, como caixas de som, maleiro ou carretinha. 2. Não há necessidade de o legislador estabelecer expressamente na legislação eleitoral uma sanção específica na hipótese de descumprimento de alguma regra especial de propaganda eleitoral aplicável a determinado bem particular (v.g. veículos), haja vista que o próprio §2º do art. 37 da Lei nº 9.504/1997 estabelece expressamente que a contrariedade à legislação eleitoral (ou seja, a outros dispositivos da lei eleitoral) enseja a aplicação da multa prevista no §1º. 3. Recurso conhecido e desprovido.” (TRE/GO - RECURSO ELEITORAL nº 6.209, ACÓRDÃO nº 279/2017 de , Relator(a) FABIANO ABEL DE ARAGÃO FERNANDES, Publicação: DJ - Diário de justiça, Tomo 70, , Página 10–12)

Destarte, também restou comprovada a prática de propaganda eleitoral irregular, razão pela qual correta a sentença recorrida ao aplicar aos recorrentes a multa prevista no § 1º do art. 37 da Lei nº 9.504/1997, não merecendo reparos a sentença recorrida também nesse ponto.

 

III. Conclusão

Ante o exposto, a Procuradoria Regional Eleitoral manifesta-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso eleitoral.

 

Goiânia, 24 de outubro de 2017

 

 

ALEXANDRE MOREIRA TAVARES DOS SANTOS

Procurador Regional Eleitoral

Nota 01

Art. 22. (…)

VII - no prazo da alínea anterior, o Corregedor poderá ouvir terceiros, referidos pelas partes, ou testemunhas, como conhecedores dos fatos e circunstâncias que possam influir na decisão do feito;

Art. 23. O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral.

Nota 02 <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=4650&classe=ADI&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M>

Nota 03 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 780.