Verba Legis 2018

JURISPRUDÊNCIA

 

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO. INTEGRAÇÃO. POLO ATIVO. POLO PASSIVO.

 

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL nº 0600298-55.2018.6.09.0000 — Goiânia/GO
Decisão Monocrática nº 35.676/2018
Relator : Desembargador Zacarias Neves Coêlho
Publicação : PJe — Processo Judicial Eletrônico
Data :

 

DECISÃO MONOCRÁTICA

 

Trata-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral proposta por RONALDO RAMOS CAIADO em face de JOSÉ ELITON DE FIGUERÊDO JÚNIOR, MURILO MENDONÇA BARRA, JOSÉ ANTÔNIO DA SILVA NETTO, MÁRIO JOSÉ SALLES, REGINA CELIS SONEGO SALLES e CRISTÓVÃO VAZ TORMIN, por suposta prática de abuso de poder político e econômico, bem como uso indevido dos meios de comunicação, com fulcro no art. 22, da Lei Complementar nº 64/1990.

Segundo o autor, as condutas ilícitas estariam presentes nos seguintes fatos: (I) contratação sem licitação prévia de serviços de confecção e distribuição de cartão de natal, que tinha como escopo unicamente promover a figura do então vice-governador do Estado de Goiás, José Eliton; (II) evento festivo ocorrido em Itumbiara, nos dias 11 e 14 de abril do corrente ano, para distribuição de cartões do Programa Renda Cidadã, que se prestou a promover a pessoa de José Eliton e demais políticos do Estado; (III) utilização de sítios eletrônicos do Governo para divulgar os atos, que se traduziram em eventos eleitorais; (IV) realização em 12 de abril de 2018 de festividade em Sanclerlândia para fazer a entrega de um cheque do Governo do Estado, no valor de R$ 233.827,54 (duzentos e trinta e três mil, oitocentos e vinte e sete reais e cinquenta e quatro centavos), ao prefeito do município, oportunidade na qual ficou patente o tom pessoal e eleitoral do evento, que contou inclusive com um banner com a seguinte impressão: “Zé”; (IV) em , no município de Itapaci, também houve a visita de José Eliton, que participou da entrega de 150 (cento e cinquenta) cheques-reforma no valor de até R$ 3.000,00 (três mil reais) aos munícipes, bem como de recurso proveniente da União à Prefeitura, no valor de R$ 4.700.000,00 (quatro milhões e setecentos mil reais); (V) em Aparecida de Goiânia, no dia , houve a entrega de cartões renda cidadã, com discurso de José Eliton, no qual prometeu ser o “governador do povo”; (VI) nos municípios de Edealina, Nova Veneza, Cachoeira de Goiás, Cachoeira Alta, em , , e , respectivamente, também celebrou-se a entrega de valores do Programa Goiás na Frente, com a presença de José Eliton; (VII) em abril de 2018 o então Governador determinou um substancial aumento do Programa Renda Cidadã, em pleno ano eleitoral, fato este divulgado no site institucional da Secretaria da Fazenda; (VIII) em também foi realizada solenidade no município de Luziânia, para assinatura de convênios e promoção pessoal do atual titular do Poder Executivo.

Para o requerente, o Governador participou pessoal e ativamente da distribuição de vários benefícios, em diversas cidades, com grande alarde nos meios de comunicação social e, inclusive, na propaganda institucional de entes da Administração. Tais circunstâncias revelariam a conotação eleitoral dos atos e a forma abusiva como se concretizaram.

Pede liminarmente que seja determinada: (I) a abstenção de José Eliton na realização de novos eventos de entrega de cartões renda cidadã e de quaisquer outros programas governamentais, tais como entrega de cheques ou outros benefícios do Programa Goiás na Frente; (II) a limitação da execução do programa renda cidadã aos valores despendidos no exercício de 2017, bem como a observância à Portaria nº 489/2017; (III) a impessoalidade nos programas de repasses de verbas públicas.

 

Defende a presença da fumaça do bom direito, considerando a violação aos dispositivos constitucionais e legais, e o perigo da demora, tendo em vista o risco de comprometimento ainda maior do processo eletivo que se avizinha.

Por fim, pede o processamento da presente AIJE, com a intimação das partes para apresentar defesa e consequente instrução probatória, como requerida.

 

É o relatório. Passo a decidir.

 

A ação de investigação judicial eleitoral veio regulamentada na Lei Complementar nº 64/1190, que assim prescreveu:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

(…)

Da leitura do caput acima transcrito, observa-se que o legislador arrolou os legitimados para propor referida medida, quais sejam: partido político, coligação, candidato ou Ministério Público. E, nos termos da jurisprudência eleitoral, esse rol é taxativo, não se estendendo àqueles que não detenham a condição ali descrita. Nesse sentido:

“Representação. Investigação judicial. Desvio e uso indevido de poder político. Acolhimento. Preliminar. Ilegitimidade ativa. Extinção do processo. Arquivamento. São entes legítimos para propositura de ação de investigação judicial eleitoral apenas os elencados no art. 22 da Lei Complementar no 64/90”. (TSE, Acórdão na Representação nº 878 – São Paulo/SP, Relator: Ministro César Asfor Rocha, julgado em 06/06/2006)

Por oportuno, convém trazer à baila lição do renomado autor José Jairo Gomes sobre o polo ativo da AIJE:

“O polo ativo da relação processual pode ser ocupado por partido político, coligação, candidato, pré-candidato e Ministério Público. Por pré-candidato compreende-se quem foi escolhido em convenção, mas que ainda não teve o pedido de registro deferido pela Justiça Eleitoral. Confere-se legitimidade aos personagens do processo eleitoral, independentemente do proveito imediato que possam colher. Prevalece o interesse público na coibição de condutas que afetem a lisura do pleito. Assim, não se exige que autor-candidato tenha disputado a mesma eleição do réu, ou que nela tenha logrado êxito.”Nota 01

Como se vê, a doutrina alarga um pouco o rol dos legitimados ativos da AIJE, conferindo ao pré-candidato a possibilidade de propô-la. Todavia, só detém essa condição quem já foi escolhido em convenção partidária e ainda não teve seu registro de candidatura deferido por esta Justiça Especializada.

No caso em exame, o autor da ação, Ronaldo Ramos Caiado é senador pelo partido DEMOCRATAS, representando o Estado de Goiás, e, portanto, não se encontra inserido em nenhuma das hipóteses acima elencadas de pessoas, físicas ou jurídicas, aptas a compor o polo ativo da AIJE.

Soma-se a isso o fato de que a AIJE é instrumento que se presta à análise de eventual abuso cometido em benefício de quem já possui a condição de candidato. Vale destacar, portanto, que ainda que ela possa se referir a fatos anteriores ao registro de candidatura, necessário para seu normal processamento que o suposto beneficiado pelo abuso já detenha a condição de candidato. Nessa vereda, cumpre destacar excerto de decisão proferida pelo Corregedor-Geral da Justiça Eleitoral, Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, nos autos de nº 0600005-37, em :

(…)

Em amparo ao consignado, veja-se a lição do Professor TÁVORA NIESS, especialista no tema, quando afirma que a AIJE apenas poderá ser proposta desde os registros das candidaturas, porque somente a partir daí é possível cogitar dos efeitos dos atos no resultado do pleito (Direitos Políticos: Elegibilidade, Inelegibilidade e Ações Eleitorais, São Paulo: Edipro, 2000, p. 216).

Tal entendimento também encontra eco na Jurisprudência deste Tribunal Superior:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER ECONÔMICO E POLÍTICO. CONDUTA VEDADA. PROPAGANDA EXTEMPORÂNEA. AJUIZAMENTO. PRAZO. INÍCIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. ANÁLISE. FATOS ANTERIORES AO REGISTRO. POSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA.

  1. Recurso especial recebido como recurso ordinário, pois a decisão recorrida versa matéria passível de ensejar a perda do mandato eletivo.
  2. O termo inicial para ajuizamento da AIJE é o registro de candidatura, não sendo cabível a sua propositura se não estiver em jogo a análise de eventual benefício contra quem já possui a condição de candidato, conforme interpretação do art. 22, inciso XIV, da LC nº 64/1990. No caso concreto, a AIJE foi ajuizada em março de 2014, bem antes do pedido de registro de candidatura. Entendimento que não impede o ajuizamento da referida ação após o registro de candidatura, mormente quando se sabe que a jurisprudência do TSE admite na AIJE o exame de fatos ocorridos antes do registro de candidatura, motivo pelo qual não há que se falar em violação ao art. 5º, inciso XXXV, da CF/1988. Tampouco impede que a parte interessada requeira a sustação cautelar daquele ato abusivo, como previsto, por exemplo, no art. 73, § 4º, da Lei nº 9.504/1997, segundo o qual o descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.
  3. Agravo regimental desprovido.

(TSE, RO - Agravo Regimental em Recurso Ordinário nº 10.520 – Belo Horizonte/MG, Acórdão de 15/12/2015, Relator(a) Min. Gilmar Ferreira Mendes, publicado no DJE, em 23/02/2016)

(…)

Ora, sequer ainda se iniciaram os prazos para realização das convenções partidárias, eventos nos quais os candidatos são escolhidos, e que estão previstos para ocorrer entre e , nos termos definidos na Resolução TSE nº 23.555, de .

Portanto, verifica-se que tanto a parte autora como as partes representadas ainda não detêm a condição exigida pela legislação para integrar o polo, seja ativo ou passivo, de uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral, razões pelas quais indefiro de plano a inicial, nos termos autorizados pelo art. 22, I, cNota 02, da LC nº 64/1990.

 

Ante o exposto, indefiro a petição inicial e determino o arquivamento dos autos.

 

P.R.I.

 

Goiânia, 10 de maio de 2018.

 

Des. ZACARIAS NEVES COÊLHO

Relator

Nota 01 in, GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 9º edição, revista, atualizada e ampliada – São Paulo: Atlas, 2013.

Nota 02

Art. 22. (…)

  1. o Corregedor, que terá as mesmas atribuições do Relator em processos judiciais, ao despachar a inicial, adotará as seguintes providências:

(…)

  1. indeferirá desde logo a inicial, quando não for caso de representação ou lhe faltar algum requisito desta lei complementar;