Verba Legis 2018

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Legitimidade Processual Eleitoral frente à institucionalização da pré-campanha eleitoral

por Alexandre Francisco de AzevedoNota 01

 

1 Introdução

A legislação eleitoral, nos últimos anos, notadamente a partir do ano de , experimentou exponencial alteração.

Com efeito, até o ano de , o arcabouço normativo eleitoral se resumia à Constituição Federal [Planalto], ao Código Eleitoral [Planalto], à Lei nº 9.096/1995 [Planalto] e à Lei nº 9.504/1997 [Planalto], além das resoluções editadas pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Tal quadro foi drasticamente modificado com as edições dos seguintes atos normativos:

  1. Lei nº 11.300/2006 [Planalto]: que, dentre outras modificações, colocou fim ao showmício, à distribuição de brindes aos eleitores, e à veiculação de propaganda eleitoral em outdoor;
  2. Lei nº 12.034/2009 [Planalto]: que promoveu a alteração em vários itens da campanha eleitoral sendo, a mais inovadora, o artigo 36-A na Lei nº  9.504/1997, institucionalizando a pré-campanha;
  3. Lei nº 12.891/2013 [Planalto]: que, dentre outros pontos, ampliou o alcance do já mencionado artigo 36-A.
  4. Lei nº 13.165/2015 [Planalto]: que, além de ampliar o rol do artigo 36-A, reduziu o tempo de campanha eleitoral dos aproximadamente 90 dias para os atuais 45 dias;
  5. Lei nº 13.487/2017 [Planalto] e Lei nº 13.488/2017 [Planalto]: ambas as Leis, além de alterarem dispositivos das Lei nº 9.096/1995 e nº 9.504/1997, ainda mantém texto autônomo.

Não se pode olvidar, ainda, da Lei Complementar nº 135/2010 [Planalto], que introduziu várias hipóteses de inelegibilidade, antecipando a sua incidência, no caso de decisões judiciais, para uma decisão proferida por órgão colegiado.

Além disso, foram editadas as Emendas Constitucionais nº 52/2006 [Planalto], nº 91/2016 [Planalto] e nº 97/2017 [Planalto].

Nesse novo quadro legislativo, forçoso é considerar que alguns institutos sedimentados pela jurisprudência da Justiça Eleitoral precisam ser repensados. Urge reexaminar os institutos com seriedade, serenidade e, principalmente, com honestidade intelectual.

O presente artigo tem por finalidade, portanto, propor o reexame de legitimidade ativa para o ajuizamento de determinadas ações eleitorais, o marco temporal para o ajuizamento de ações na seara eleitoral, bem como a competência da Justiça Eleitoral para o direito de resposta.

 

2 Pré-campanha e pré-candidato

Como já dito, a Lei nº 12.034/2009 introduziu na legislação eleitoral os institutos da pré-campanha eleitoral e do pré-candidato. De fato, o artigo 36-A, da Lei nº 9.504/1997 dispunha sobre 4 hipóteses em que não se configuraria propaganda eleitoral extemporânea, quais sejam:

  1. o pré-candidato em entrevista, encontros, ou debates no rádio, na televisão ou na Internet, expor sua plataforma e projetos políticos;
  2. realização de encontros, em ambientes fechados e custeados por partidos políticos, para tratar de assuntos do processo eleitoral;
  3. a realização de prévias partidárias;
  4. divulgação de atos e debates partidários.

A partir desse quadro, as Leis nº 12.891/2013, nº 13.165/2015 e nº 13.488/2017 ampliaram gradativamente o rol e o alcance das hipóteses excludentes da propaganda eleitoral extemporânea e, em medida diretamente proporcional, ampliou a realização de pré-campanha eleitoral.

Finalmente, o artigo 30-A ficou com a seguinte redação:

Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via Internet:

  1. a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na Internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico;
  2. a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, discussão de políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária;
  3. a realização de prévias partidárias e a respectiva distribuição de material informativo, a divulgação dos nomes dos filiados que participarão da disputa e a realização de debates entre os pré-candidatos;
  4. a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos;
  5. a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais;
  6. a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias.
  7. campanha de arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do § 4º do art. 23 desta Lei.

§ 1º É vedada a transmissão ao vivo por emissoras de rádio e de televisão das prévias partidárias, sem prejuízo da cobertura dos meios de comunicação social.

§ 2º Nas hipóteses dos incisos I a VI do caput, são permitidos o pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver.

§ 3º O disposto no § 2º não se aplica aos profissionais de comunicação social no exercício da profissão.

Basta uma simples e rápida leitura da norma acima transcrita para perceber que a regra, hodiernamente, é a plena liberdade para a pré-campanha eleitoral, principalmente se se considerar que o período destinado à essa é infinitamente superior ao destinado à campanha eleitoral. Nessa toada é a posição de Frederico Franco Alvim para quem a configuração de propaganda eleitoral extemporânea é de difícil configuração:

O rol de ações que não configuram propaganda prematura sofreu alterações com a reforma a cargo da Lei nº 12.891/2013 e, novamente, com a Lei nº 13.165/2015. No panorama atual, a propaganda antecipada torna-se ato de dificílima concretização. Em linhas gerais, quanto ao aspecto do conteúdo, somente ocorrerá quando presente pedido de voto expresso, vez que liberadas, inclusive, a realização de menção à pretensa candidatura e, mais que isso, a exaltação de qualidades pessoais dos pré-candidatos.Nota 02

A bem da verdade, defendemos que o rol elencado no artigo 36-A é meramente exemplificativo. Defendemos essa tese, dada a expressão constante do caput segundo a qual os candidatos poderão fazer “menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos (…)” sem que se caracterize propaganda extemporânea.

Deste modo, repise-se, os atos lícitos de pré-campanha eleitoral são infinitamente superiores aos da campanha eleitoral, principalmente se comparado ao tempo destinado a ambos e ao alcance no seio social, de forma que aquele pretenso candidato que deixar para realizar apenas atos no período destinado à campanha eleitoral, estará fadado à derrota nas urnas.

 

3 Legitimidade na seara eleitoral

A legitimidade é uma das duas condições da ação previstas no Código de Processo Civil de 2016 [Planalto], que aboliu, como condição da ação, a possibilidade jurídica do pedido. Aliás, o próprio Liberman, criador da teoria das condições da ação, reconsiderou a possibilidade jurídica como uma condição autônoma, porquanto seria parte integrante do interesse processual.

O mestre Alexandre Freitas Câmara, com sua peculiar inteligência, defende esse entendimento ao afirmar que “aquele que vai a juízo em busca de algo juridicamente impossível não pode esperar nenhuma utilidade do provimento pleiteado, razão pela qual faltaria interesse de agirNota 03.

Para o renomado processualista, a legitimidade processual é caracterizada por uma “pertinência subjetiva da ação”, caracterizada mediante a titularidade da relação jurídica deduzida em juízo. Veja-se:

Em outros termos, pode-se afirmar que têm legitimidade para a causa os titulares da relação jurídica deduzida, pelo demandante, no processo. Explique-se: ao ajuizar sua demanda, o autor necessariamente afirmar, em sua petição inicial, a existência de uma relação jurídica, chamada res in iudicium deductaNota 04.

A legislação eleitoral prevê, de forma geral, a legitimidade para apenas um trio de atores, a saber: o Ministério Público Eleitoral, os partidos — e durante o período eleitoral, as coligações — e os candidatos. Como regra, o rol de legitimados é taxativo.

Contudo, já decidiu o Tribunal Superior Eleitoral que mesmo quando a legislação eleitoral suprime a legitimação do Ministério Público Eleitoral, será ele legitimado por força de dispositivo constitucional que o vocaciona à proteção do regime democrático, nos termos do artigo 127. Neste sentido é a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral:

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA PARTIDÁRIA. ART. 45 DA LEI Nº 9.096/1995. MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL. LEGITIMIDADE ATIVA. ARTS. 127 DA CF/88, 72 DA LC 75/93 E 82, III, DO CPC. PROVIMENTO.

1. O art. 45, § 3º, da Lei nº 9.096/1995 deve ser interpretado em conformidade com o art. 127 da CF/88. Dessa forma, além dos partidos políticos, o MPE também possui legitimidade para ajuizar representação por infração do art. 45 da referida lei.

2. A legitimidade ativa do MPE é assegurada, ainda, em razão da garantia de sua atuação em todas as fases e graus de jurisdição do processo eleitoral e da existência de interesse público. Precedentes. Recurso especial eleitoral provido.

(Recurso Especial Eleitoral nº 189.348, Acórdão, Relatora Min. Fátima Nancy Andrighi, Publicação Data , Página 197).

Já a legitimidade dos partidos políticos, na seara eleitoral, é absoluta, não havendo qualquer ação que não possa figurar como parte, seja ocupando o polo ativo, seja ocupando o polo passivo.

O candidato possui legitimidade ampla, podendo figurar como parte na quase totalidade das ações, exceto quanto a Representação Eleitoral por arrecadação ou gastos ilícitos de recursos, nos termos do artigo 30-A, da Lei nº 9.504/1997.

A legislação eleitoral não dotou de legitimidade ativa o cidadão.

Com efeito, caso o eleitor tenha conhecimento da prática de algum ilícito eleitoral deverá comunicar ao Ministério Público Eleitoral que, se assim entender, ajuizará a ação adequada.

Exceção a essa regra é a legitimidade do eleitor para iniciar processo visando o cancelamento do registro de partido político, por violação as limitações previstas no artigo 28 da Lei nº 9.096/1995. É o que prevê o § 2º, do artigo 28 da Lei dos Partidos Políticos, in verbis:

Art. 28. O Tribunal Superior Eleitoral, após trânsito em julgado de decisão, determina o cancelamento do registro civil e do estatuto do partido contra o qual fique provado:

(…)

§ 2º O processo de cancelamento é iniciado pelo Tribunal à vista de denúncia de qualquer eleitor, de representante de partido, ou de representação do Procurador-Geral Eleitoral.

Nesse quadro normativo, a figura do pré-candidato carece de legitimidade ativa na seara eleitoral.

Ocorre, como já tido, que frente à introdução do instituto da pré-campanha eleitoral, com a inclusão do artigo 36-A na Lei nº 9.504/1997, é cogente ampliar o rol de legitimados para as ações eleitorais de modo a incluir a figura dos pré-candidatos.

É que o pré-candidato é titular de uma relação jurídico-eleitoral, qual seja, a própria condição de pré-candidato, que o autoriza a bater às portas da Justiça Eleitoral defendendo a normalidade e isonomia na disputa eleitoral.

É insofismável que o pré-candidato já pode, de forma lícita e legítima, atuar no jogo eleitoral, modificando-o as situações dos players. E na mesma medida, porém em sentido contrário, ele poderá ser prejudicado por atuação ilícita de outros pré-candidatos ou de partidos políticos.

Ora, impedir que esse pré-candidato acione a Justiça Eleitoral equivale à negativa da prestação jurisdicional, podendo, de forma indevida, transferir a competência em matéria eleitoral para a Justiça Comum.

Basta imaginar o pré-candidato sendo atacado por seus adversários em flagrante propaganda eleitoral extemporânea negativa, figura vedada pela legislação eleitoral em qualquer momento do processo eleitoral. Caso não lhe seja reconhecida a legitimidade para atuar na Justiça Eleitoral, lhe restará bater à porta da Justiça Comum Estadual.

Os inconvenientes são muitos:

  1. ausência de especialização em razão da matéria;
  2. falta de celeridade processual;
  3. decisões conflitantes entre os dois ramos distintos do Poder Judiciário, sem possibilidade de uniformização;
  4. custas processuais pagas na Justiça Comum.

Imagine-se, ainda, que nessa propaganda negativa, haja ofensa a partido político. Nesta situação, no quadro jurisprudencial presente, o pré-candidato deve buscar a Justiça Comum Estadual, mas o partido político poderá acionar a Justiça Eleitoral.

Não é difícil imaginar a ocorrência de, num mesmo momento, decisões conflitantes.

E para além disso, a competência seria determinada não em razão da matéria eleitoral, mas em razão da parte autora. Mais incoerente que isso, impossível.

Como já visto linhas pretéritas, embora se diga que o rol de legitimados para as ações na seara eleitoral seja taxativo, a jurisprudência reconhece a legitimidade ampla e irrestrita ao Ministério Público Eleitoral.

Não se constituirá nenhum absurdo hermenêutico dar interpretação extensiva à legislação eleitoral para ampliar o rol de legitimados de modo a abarcar a figura dos pré-candidatos. Ainda mais quando essa figura surgiu em momento bem recente e o legislador brasileiro não é reconhecido pelo seu rigor técnico científico, principalmente nas questões eleitorais.

Um argumento que usualmente é utilizado para negar a legitimidade do pré-candidato é o fato de que o cidadão nem sempre alçará a condição de candidato.

Vê-se que se trata de um argumento até mesmo juvenil, pois a legislação pátria tem situações análogas, isto é, o direito é reconhecido tendo por base a mera afirmação de uma pessoa no sentido de que pretende ser candidato.

É o que ocorre com a licença para atividade política, prevista na Lei nº 8.112/1990 [Planalto], estatuto dos servidores públicos federais, com vistas à desincompatibilização de servidor público com o objetivo de concorrer às eleições.

Também ocorre com a pessoa que, escolhida em convenção partidária, tem o seu requerimento de registro de candidatura indeferido pela Justiça Eleitoral, ante a ausência de alguma das condições de elegibilidade, ou mesmo ante a presença de alguma inelegibilidade flagrante. Ou que tenha renunciado ou desistido da candidatura. Ora, ninguém dúvida de que no momento, por menor que seja, em que tenha ostentado a condição de candidato, terá legitimidade para ajuizar ações eleitorais. E uma vez ajuizadas, não poderão ser extintas pela perda superveniente da condição de candidato.

Ademais, poder-se-á exigir do autor da ação demonstre de forma clara e indiscutível que ostenta a condição de pré-candidato. Se, no curso da ação se provar que nunca houve a intenção de candidatura futura, outro caminho não terá a Justiça Eleitoral que não seja a condenação pode litigância de má-fé.

Haurido nessa atual moldura fático-normativa, defende-se, também, que o marco temporal para o ajuizamento da Ação de Investigação Judicial Eleitoral seja antecipado para, pelo menos, no dia 1º de janeiro do ano da eleição, considerando que os atuais gestores públicos podem atuar tanto como gestores quanto como pré-candidatos, hipótese em que seus atos devem ser amplamente fiscalizados pela Justiça Eleitoral.

Não há mais espaço para postergar essa fiscalização para após o registro de candidatura. É que sendo a fiscalização prévia, pode-se evitar que o pleito eleitoral seja contaminado, mantendo-se, assim, a higidez da manifestação popular.

Solução em sentido contrário, redundará, caso confirmado o abuso, na nulidade da eleição, uma vez que dificilmente a ação será julgada em 45 dias.

De igual forma, defende-se que o marco temporal da competência para a Justiça Eleitoral processar e julgar os pedidos de direito de resposta também deve ser antecipado, para, pelo menos, o dia 1º de janeiro do ano da eleição. Ainda mais quando se considera que o cidadão já ostenta a situação de pré-candidato e, por esse motivo, é alvo de seus adversários políticos.

Entende-se que tais alterações podem ser feitas através de mera interpretação extensiva e sistêmica dos artigos, sem a necessidade de edição de novas leis.

 

4 Conclusão

Frente ao novel quadro fático-normativo do Direito Eleitoral, que viu surgir na última eleição geral os institutos da pré-campanha e do pré-candidato, é urgente que a Justiça Eleitoral adeque a sua jurisprudência a eles, sob pena de se permitir a ocorrência de inúmeras injustiças, além de representar, na prática, a delegação da competência da Especializada.

Tais modificações podem ser feitas através de mutação da interpretação dos tribunais eleitorais, ainda mais quando se considerar o sistema normativo eleitoral.

Nota 01 Professor de Direito Eleitoral na Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Professor de Direito Eleitoral na Universidade Alfredo Nasser (UNIFAN) e Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento, com orientação em Direito Eleitoral comparado, pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás.

Nota 02 ALVIM, Frederico Franco. Curso de Direito Eleitoral. 2 ed. Juruá, Curitiba. , p. 300.

Nota 03 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. V.1, Ed. 23ª. Atlas. São Paulo, , p. 152.

Nota 04 Ob. Cit., p. 149.