Verba Legis 2018

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A contribuição sindical dos servidores públicos federais

por Felipe Cardoso Araújo NeivaNota 01

 

Ao longo de vários anos, houve intenso debate na doutrina e na jurisprudência, principalmente nos Tribunais superiores, acerca da obrigatoriedade da contribuição sindical para os servidores públicos em geral.

A contribuição sindical, anteriormente à reforma trabalhista, classifica-se como o tributo que consiste no recolhimento anual do equivalente a um dia de salário de todos que pertencem a uma categoria econômica ou profissional, ou a uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da respectiva categoria ou profissão, independentemente de serem associados ou não à entidade sindical. Referido tributo tem previsão no art. 578, e seguintes, da CLT [Planalto]Nota 02.

Importante ressaltar que a contribuição sindical somente poderá ser dirigida àqueles sindicatos que possuem o registro sindical, que consiste no ato que habilita as entidades sindicais para a representação de determinada categoria, tendo em vista a necessidade de observância do postulado da unicidade sindicalNota 03, nos termos do artigo 512 e 558 da CLT. Resumindo, o registro do Sindicato no Ministério do Trabalho e Emprego é o ato que o legitima à representação de determinada categoriaNota 04 e o garante o exercício das prerrogativas sindicais, como a de pleitear o desconto da contribuição sindicalNota 05.

Nesse ponto, o primeiro questionamento surge: se não houver previsão legal expressa para a Administração Pública, a contribuição sindical seria devida em razão da previsão contida na Consolidação das Leis do Trabalho? Tal pergunta ainda não detém resposta certa, gerando conflitos na jurisprudência pátria, principalmente entre o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior do Trabalho.

Para o Supremo Tribunal Federal, baseado em seus precedentes que antecedem o ano de — antes da Emenda Constitucional n° 45/2004 [Planalto] — “a contribuição sindical é devida pelos servidores públicos, independentemente da existência de lei específica regulamentando sua instituiçãoNota 06”. O fundamento de tal decisão está no fato do artigo 8º, IV, da Constituição FederalNota 07 constituir norma dotada de auto aplicabilidade, não dependendo, para ser cobrada, de lei integrativa.

O Superior Tribunal de Justiça possui o mesmo entendimento do excelso STF, fundamentando que “a Contribuição Sindical prevista nos arts. 578 e seguintes da CLT é devida por todos os trabalhadores de determinada categoria, independentemente de filiação sindical e da condição de servidor público celetista ou estatutário, excetuado, em relação a este, o inativoNota 08”, nos termos de seu inúmeros precedentes, principalmente o RMS 30.930-PR, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em , encontrável no Informativo n° 437 do STJ.

Contudo, o Tribunal Superior do Trabalho posiciona-se, de forma não unânime, no sentido de que o entendimento proferido pelo Supremo Tribunal Federal não abarca a contribuição sindical, mas sim outra espécie de contribuição: a contribuição confederativa. Além disso, fundamenta que inexiste previsão legal para tal cobrança e que a própria CLT não permite o seu uso analógico para os servidores públicos. Vejamos a ementa de precedente recente emanado pela referida CorteNota 09:

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. SERVIDORES PÚBLICOS ESTATUTÁRIOS ESTADUAIS. Os reclamantes são servidores públicos estaduais estatutários. Assim, não é possível conhecer do recurso de revista por violação direta e literal dos artigos 578, 579, 580, 582, 583 e 588 da CLT, pois o artigo 7º, caput e alínea "c", da Consolidação das Leis do Trabalho estabelece que "os preceitos constantes da presente Consolidação salvo quando for em cada caso, expressamente determinado em contrário, não se aplicam: (…) c) aos funcionários públicos da União, dos Estados e dos Municípios e aos respectivos extranumerários em serviço nas próprias repartições" (grifou-se). Por outro lado, a cobrança de contribuição sindical dos servidores públicos estatutários depende de previsão legal, não se confundindo com a contribuição confederativa prevista no art. 8º, inciso IV, da Constituição Federal. Por fim, o conhecimento do recurso de revista por divergência jurisprudencial também é inviável, pois os arestos transcritos pelo recorrente são oriundos do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou de Turma do TST, órgãos não previstos no art. 896 da CLT. Recurso de revista não conhecido.

Tal discussão se arrastou para o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que, através de suas instruções normativas tentou normatizar a situação, contudo, apenas criou mais confusão sobre o tema, ante as suas mudanças repentinas de posicionamento, como ocorreu no ano de .

O MTE, em , editou e publicou a Instrução Normativa n° 1, determinando que “os órgãos da Administração Pública Federal, Estadual, Municipal, Direta e Indireta, deverão recolher a contribuição sindical prevista no art. 578, da CLT, de todos os servidores e empregados públicos, observado o disposto nos artigos 580 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho”.

Todavia em , o MTE suspendeu os efeitos da Instrução Normativa anteriormente citada através da Portaria n° 421 e, em , foi editada e publicada a Portaria Normativa n° 03, retirando do rol dos obrigados pelo repasse da contribuição sindical a Administração Pública federal direta, suas autarquias e fundações públicas.

Em , foi emitida a Nota Informativa n° 02/2017/GAB/SRT/MTb, onde o Secretário Adjunto de Relações do Trabalho, Luís Carlos Silva Barbosa, manifestou-se favorável à contribuição sindical pela Administração Pública e recomendou a uniformização do procedimento de recolhimento das referidas contribuições.

A divergência sofreu grande impacto com a edição da Lei n° 13.467/2017 [Câmara dos Deputados], também conhecida como “Reforma Trabalhista”, posto que a mesma alterou os artigos 578 e 579 da CLT, determinando que a contribuição sindical — anteriormente chamada de imposto sindical — somente será efetuada mediante autorização prévia e expressa do empregado/servidor. Todavia, a discussão não se encerrou com a edição da referida lei.

Em , a ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) promoveu a 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizada em Brasília/DF, onde foram editados inúmeros enunciados acerca da aplicação da Reforma Trabalhista, destacando para o estudo em comento, os Enunciados n° 38 e 47. Referidos verbetes restaram assim ementadosNota 10:

38 CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. I - É lícita a autorização coletiva prévia e expressa para o desconto das contribuições sindical e assistencial, mediante assembleia geral, nos termos do estatuto, se obtida mediante convocação de toda a categoria representada especificamente para esse fim, independentemente de associação e sindicalização. II - A decisão da assembleia geral será obrigatória para toda a categoria, no caso das convenções coletivas, ou para todos os empregados das empresas signatárias do acordo coletivo de trabalho. III - O poder de controle do empregador sobre o desconto da contribuição sindical é incompatível com o caput do art. 8º da Constituição Federal e com o art. 1º da Convenção 98 da OIT, por violar os princípios da liberdade e da autonomia sindical e da coibição aos atos antissindicais.

 

47 CONTRIBUIÇÃO SINDICAL: NATUREZA JURÍDICA TRIBUTÁRIA. NECESSIDADE DE LEI COMPLEMENTAR PARA SUA ALTERAÇÃO. A contribuição sindical legal (art. 579 da CLT) possui natureza jurídica tributária, conforme consignado no art. 8º c/c art. 149 do CTN, tratando-se de contribuição parafiscal. padece de vício de origem a alteração do art. 579 da CLT por lei ordinária (reforma trabalhista), uma vez que somente lei complementar poderá ensejar sua alteração.

Ressalta-se que os enunciados acima transcritos são meramente consultivos, sem caráter vinculante, portanto, a sua invocação não é capaz de produzir efeitos concretos que obriguem a Administração Pública e seus servidores a qualquer obrigação de fazer e/ou pagar.

Por fim, em , quando do julgamento da ADI  5.794 e ADC 55 e mais outras 18 representações constitucionais, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidiu pela constitucionalidade da alteração promovida pela Reforma Trabalhista que extinguiu a obrigatoriedade da contribuição sindical, ou seja, desde a contribuição sindical deixou de ser obrigatória, cabendo apenas aos servidores que, expressamente, autorizarem o desconto e repasseNota 11.

Inclusive, a Procuradoria-Geral da República opinou em seu parecer pela constitucionalidade fim da obrigatoriedade da contribuição sindical, alinhando com o entendimento do Congresso Nacional, da Advocacia-Geral da União e da Presidência da República.

Portanto, após a entrada em vigor da Lei n° 13.467, em [Planalto], não é mais devida a contribuição sindical por nenhuma categoria de empregados ou empregadores. Para os servidores públicos federais, tal contribuição já não era obrigatória desde . Em relação aos anos anteriores, o entendimento é majoritariamente pacífico no sentido da obrigatoriedade da contribuição sindical pelos servidores públicos.

Nota 01 Felipe Cardoso Araújo Neiva; Advogado, Rua 01, nº 564, Setor Oeste, Goiânia/GO, CEP: 74115-040; (62) 3920-9900; felipe@crosara.adv.br; graduado pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás e pós-graduando em Direito e Processo do Trabalho, pela Universidade Federal de Goiás. Fez estágio no Tribunal Regional Eleitoral de Goiás e no Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região de Goiás. Atuou como advogado no escritório Felicíssimo Sena Advogados Associados S/S, nas áreas de Direito Empresarial, Trabalhista e Público. Secretário-geral do Instituto de Estudos Avançados em Direito (IEAD) para o mandato de 2017–2021. É advogado no escritório Crosara Advogados Associados, nas áreas de Direito Trabalhista Sindical e Patronal e Direito Público.

Nota 02 TST, RR - 244-77.2016.5.09.0749, Relatora Desembargadora Convocada: Cilene Ferreira Amaro Santos, Data de Julgamento: , 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT

Nota 03 STF, Rcl 4990 AgR, Relatora Ministra Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgamento em , DJe de

Nota 04 STF, RE 803245 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em , PROCESSO ELETRÔNICO DJe-069 DIVULG 13.04.2015 PUBLIC

Nota 05 STJ, RMS 32.043/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em , DJe

Nota 06 STF, ARE 807155 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em , PROCESSO ELETRÔNICO DJe-211 DIVULG PUBLIC

Nota 07Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: (…) IV - a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei".

Nota 08 AgRg no RMS 47.502/SP, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), PRIMEIRA TURMA, julgado em , DJe

Nota 09 ARR - 584-76.2015.5.12.0036, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: , 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT

Nota 10 Encontrável em <www.jornadanacional.com.br/listagem-enunciados-aprovados-vis1.asp>.

Nota 11 <portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=382819>, acesso em