Verba Legis 2018

Ações do Tribunal

 

Prestação de contas eleitorais e partidárias

por Assessoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias

 

A Constituição da República Federativa do Brasil recebeu muitas denominações. Dentre elas, uma das mais famosas, cunhada por um de seus autores, a define como “Constituição Cidadã”. Nesse contexto, os denominados “Direitos e Garantias Fundamentais” são apontados, tanto por seus admiradores quanto por seus críticos, como um de seus núcleos.

Desse conjunto normativo extraem-se os chamados “princípios constitucionais”, ou seja: são aqueles que definem e guardam os valores que devem definir a ordem jurídica. Condensam-se neles os fundamentos que devem guiar todo o sistema.

Nesse passo e situado no art. 17 do supracitado texto legal encontra-se o seguinte excerto:

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

I - caráter nacional;

II - proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes;

III - prestação de contas à Justiça Eleitoral; (grifo nosso)

Dessa forma, o constituinte elegeu a Prestação de Contas como instrumento do Estado Democrático de Direito para regular a atividade político-partidária. De acordo com Ramayana (2010)Nota 01, o objetivo da prestação de contas é assegurar a lisura e a probidade, através do controle dos recursos, financeiros ou não, com vistas a viabilizar a verificação de abusos e ilegalidades ocorridos.

Objetiva-se assim que o pleito transcorra livre de interferências que possam de uma forma ou de outra, causar um resultado que não reflita, ou reflita de maneira errônea, a vontade da população. Nesse contexto se insere o conceito de accountability societal, ou seja: a necessidade do controle da sociedade sobre as contas de campanha, bem como a responsabilização dos agentes políticos.

Apesar de sua evidente importância, a regulamentação do processo de prestação de contas tem sido marcada por uma lenta evolução, talvez porque essa disciplina esteja ancorada diretamente ao sistema partidário, em detrimento de um regramento específico aos órgãos de controle, ou seja: propriamente à obrigação de demonstração de contraprestação do serviço realizado em prol do público.

Historicamente, verifica-se que os primeiros passos da legislação sobre a obrigação dos partidos e candidatos prestarem contas foram iniciados cedo (Decreto-Lei nº 7.586/1945 [Planalto]). Entretanto, naquele momento o legislador preocupou-se em ocupar-se primariamente com a vedação de fontes de doação, ao prever o cancelamento do registro do partido político, quando provado que teria recebido contribuições de procedência estrangeira.

Em excelente trabalho, Pontes (2005)Nota 02 resgata a origem histórica da ferramenta, lembrando que somente em a Prestação de Contas passou a ser diretamente prevista, pela então denominada “Lei Orgânica dos Partidos Políticos”, o primeiro diploma legal que estabeleceu a sua obrigatoriedade, quando do encerramento do pleito. À época, prestavam contas apenas partidos políticos e os denominados “Comitês Financeiros”, braços da esfera partidária criados por tempo determinado e com a finalidade de gerir campanhas eleitorais. Cumpria à Justiça Eleitoral a responsabilidade pela fiscalização e pelo cumprimento da obrigatoriedade da prestação de contas.

Assim, àquela época a responsabilidade pelas contas de campanha não era dos candidatos, mas dos dirigentes do partido: aos tesoureiros cabia responder por eventuais irregularidades, visto que eram esses que organizavam, recebiam e aplicavam os recursos de campanha.

Essa estrutura foi o embrião a partir da qual se desenvolveu o regramento moderno. Entretanto, algumas diferenças são marcantes: Pontes (2005)Nota 02 assinala que a análise das contas, ao contrário do regramento atual, não era realizada por Justiça Especializada, mas por comitês interpartidários de inspeção, integrados por membros da organização partidária, cabendo à Justiça Eleitoral apenas a responsabilidade de garantir a ampla publicidade das conclusões desses comitês sobre as investigações.

Em breves linhas, hoje o quadro se diferencia bastante: a análise da prestação de contas é feita por uma unidade especializada, que se encarrega de realizar uma avaliação técnica antes do julgamento. Por outro lado, contas eleitorais e partidárias anuais são hoje espécies diferentes do mesmo gênero, guardando a mesma natureza jurídica, porém regras e características bem distintas.

Na esteira da modernização e exigência de controle social, verifica-se uma crescente tentativa dos Tribunais de modernizar e especializar o seu quadro. Nesse passo, a Resolução TRE/GO nº 275/2017 criou a Assessoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias (ASEPA), e de acordo com o supracitado normativo:

(…) Art. 13. Compete à Assistência de Exame de Contas de Eleitorais:

I- analisar e emitir pareceres técnicos nas prestações de contas de campanhas, no âmbito de sua competência, nas Eleições Gerais, com o objetivo de avaliar a sua regularidade;

II - analisar e emitir pareceres técnicos nas prestações de contas de campanhas dos diretórios estaduais, nas Eleições Municipais, com o objetivo de avaliar a sua regularidade;

III- prestar orientação, com apoio da Assistência de Orientação e Treinamento em Prestação de Contas, aos agentes credenciados pelos partidos políticos e administradores financeiros de campanhas eleitorais quanto à aplicação das normas pertinentes à prestação de contas eleitorais;

A necessidade de multiplicação do conhecimento e estímulo ao pensamento crítico para fazer frente aos grandes desafios que se impõe fez com que se alterassem as normas internas, cujos primeiros efeitos já podem se fazer sentir. Por essa razão, a ASEPA, em parceria com a EJE  vem organizando treinamentos, tais como o ofertado em modalidade de Ensino a Distância (EaD), com o tema Prestação de Contas Partidárias Anuais, com encerramento no final do mês de junho. Digno de nota também foi a parceria com outras unidades (AAGGE e EJE) que levou aos servidores painel sobre o Panorama das Prestações de Contas no Encontro das Eleições 2018. E ainda são esperados outros eventos antes do encerramento desse ano, como por exemplo, a capacitação dos servidores que atuarão na análise das contas de campanha das eleições de 2018.

Por outro lado, recentes acontecimentos envolvendo agentes públicos, as maiores empresas do país e suas relações com o financiamento de campanha acabam por nos levar à conclusão que considerando a dimensão e a complexidade que caracterizam o Sistema de Fiscalização de Contas, verifica-se a insuficiência dos atuais mecanismos, mesmo com todo esforço despendido, dentro da perspectiva dos desafios impostos à Instituição.

Assim, o momento exige não apenas uma participação ativa de todo o quadro de servidores do Tribunal, de maneira direta ou indireta, mas a sua associação a formas alternativas de controle, como a exercida pela sociedade, com o permanente monitoramento e avaliação dos responsáveis pela condução das campanhas políticas, assim como a necessidade de uma maior integração dos agentes públicos de diversas esferas, para a consecução dos objetivos e do bem maior da sociedade: a implementação de eleições mais limpas e com menos vícios.

Nota 01 RAMAYANA, Marcos. Prestação de contas de campanha. In: Comentários sobre a reforma eleitoral: alterações decorrentes das Lei nº 12.034/2009 e nº 12.016/2009, Emenda Constitucional nº 58/2009. Niterói, RJ: Impetus, 2010. cap. 11, p. 105–110.

Nota 02 Pontes, Carla Sena: A atuação da justiça eleitoral na fiscalização das contas dos candidatos e partidos políticos. Acessível em: <https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/Busca_etds.php?strSecao=especifico&nrSeq=13478@1>.