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Revista Jurídica Verba Legis

Verba Legis 2015

sumário

Artigos

Educação cívica: compromisso social

por Wendel Santos Chaves e Silva nota 01

 

 

Compreender as razões que conduzem o eleitorado ao desinteresse pela coisa pública pode indicar caminhos para a solução de graves problemas sociais. Solucionar o desinteresse popular pela coisa pública é questão de primeira necessidade, afinal, em um sistema político onde o sufrágio é universal, universal também é a responsabilidade de todos. Nesse sentido, afirma Rousseau (2010, p. 47) que "os compromissos que nos ligam ao corpo social só são obrigatórios por serem mútuos, e sua natureza é tal que, ao cumpri-los não se pode trabalhar para outrem sem trabalhar também para si". Podemos compreender este trabalho mútuo como um exercício de responsabilidade praticado simultaneamente por todos os eleitores, haja vista seu papel de igual responsabilidade ante o todo. Equipar o cidadão com consciência cívica significa assumir o desejo de transformação social. Mais do que isso: trata-se de verdadeira condição de sobrevivência do próprio Estado que não se sustenta sem a participação de seus populares.

Para que as escolhas sejam feitas de modo sadio para todo o corpo social, é essencial que o cidadão seja preparado para o exercício do voto, e aqui não tratamos tão somente de campanhas de significação quanto ao ato de votar, mas das razões pela qual o cidadão deve votar. Ensina Aristóteles (2009, p. 20) que "as imperfeições dos regimes resultam da falta de protagonismo dos cidadãos livres e iguais que deveriam constituir o grupo predominante na vida política". Ora, sendo a ausência de protagonismo do cidadão raiz da imperfeição do regime democrático, não deve a sociedade quedar inerte ante as constantes reclamações de cidadãos sobre saúde, sistemas de educação, transporte e lazer, sem observar atitudes positivas dos mesmos cidadãos no sentido de transformar a realidade periférica na qual estão inseridos. Transmutar este cenário passa por intenso processo de reeducação e deve ser alvo de políticas públicas que se digam honestamente preocupadas com o crescimento da Nação.

 

 

Previsão constitucional

 

Sem dificuldades, constatamos que a temática da educação cívica conta com papel de destaque na Constituição. Assumindo que o artigo 1º do referido diploma trata-se de verdadeiro parâmetro fundamental, é válido afirmar que o referido artigo tem por atributo orientar a interpretação e aplicação das demais garantias do mesmo diploma. Com maior propriedade, esta orientação deve ser observada quando o tema infraconstitucional guardar relação direta com um dos fundamentos constitucionais explícitos. Vejamos:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (Grifei). (BRASIL, 1988, s/p.)

Ao reconhecer e traduzir em letras no parágrafo único do art. 1º que "todo o poder emana do povo", tal titular caminha a passos largos no rumo que lhe é próprio, tendo objetivos bem definidos que não pode deixar de perseguir, sob pena de ignorar a própria essência. Tais objetivos estão descritos no artigo 3º da Carta Magna, abaixo transcrito:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (BRASIL, 1988, s/p.)

Não há como dissociar sequer um destes objetivos da prévia conscientização cidadã. É que tais normas programáticas só alcançarão máxima efetividade em caso de perfeita interação entre sociedade e governo. Assim, compreender a importância desta participação passa por gradual e consistente processo de educação cívica, hoje ainda em fase embrionária.

Embora os fundamentos e objetivos bastassem para justificar a ênfase na essencialidade da educação cívica, o legislador não se limitou aos artigos 1º e 3º da Constituição. Reconhecendo a especialidade do tema, entendeu por bem tratá-lo de modo explícito mais adiante, no próprio corpo constitucional. Vejamos o que dispõe o artigo 205:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (grifei). (BRASIL, 1988, s/p.)

Vemos assim que, embora a obrigação por parte do Estado seja explícita, de igual modo deve ser vista a colaboração da sociedade, com foco na educação e tendo por consequência o preparo para o exercício da cidadania. Trata-se o tema de verdadeira questão de responsabilidade social, não podendo ser olvidado seja pelo governo de situação seja pela sociedade, compreendida em seu sentido mais amplo.

 

 

Previsão legal

 

É cediço que o legislador deve orientar sua atuação ordinária regulamentar com base nos princípios constitucionais. Nesse sentido, ensina Ana Paula Barcellos que "o legislador está vinculado aos propósitos da Constituição, externados principalmente através de seus princípios, não podendo dispor de forma contrária ao que determinam" (2002, p. 70). Assim, embora a educação cívica tenha ares de novidade, sua previsão não é apenas constitucional e, de modo natural, preocupou-se o legislador com a regulamentação do tema.

Tal regulamentação consta da Lei n.º 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) que regulamenta o sistema de educação brasileiro, em harmonia com os princípios constitucionais já expostos. Ali consta, de modo explícito, a previsão do preparo cívico. De acordo com o artigo 22 da referida Lei, "A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores." Assim, não podemos contar com a ausência de previsão legislativa para fundamentar o descaso quanto à educação cívica.

A previsão não para por aí. Ainda dentro da seção "Disposições Gerais", ao tratar dos conteúdos curriculares da educação básica, o artigo 27 prevê "a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática". E para que não restem dúvidas quanto à intenção do legislador nesse particular, elencamos o disposto no art. 32 da mesma Lei que, ao tratar do ensino fundamental, disciplina:

Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando- se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante:

[…]

II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;

Percebemos assim que o problema essencial não reside na lacuna legislativa, mas na inobservância da norma já existente quanto à educação cívica, frequentemente enquadrada como assunto de segunda importância ante as disciplinas convencionais na estrutura básica de ensino. Se a omissão da Administração deve ser apurada? Assunto para estudo à parte.

 

 

Protagonismo do cidadão

 

Ao aplicar o conhecimento cívico no cotidiano, o cidadão não apenas efetiva um poder que é seu, mas protagoniza a própria coisa pública. Deve o cidadão reconhecer-se titular do poder, pois "as leis são propriamente as condições da associação civil. O povo submetido às leis deve ser seu autor" (ROUSSEAU, 2010, p. 54). O protagonismo aqui doutrinado passa, indubitavelmente, pelo reconhecimento e separação dos que contam com atributos para fiel representação popular daqueles que desejam apenas a usurpação do poder e sua manutenção por motivos escusos. Esta separação, contudo, só se torna possível após um processo honesto de educação cívica.

Abordar o termo cidadania no cenário do senso comum frequentemente significa tratar da titularidade de direitos, sem qualquer preocupação com os deveres individuais e coletivos. Contudo, sendo a República verdadeira expressão do contrato social, há que se observar cumprimento de obrigações por ambos os contratantes para que o referido contrato logre êxito. Nesse sentido, Rousseau (2010, p. 34) nos traz valiosa lição:

Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a suprema direção da vontade geral; e recebemos, enquanto corpo, cada membro como parte indivisível do todo […] Essa pessoa comum assim formada pela união de todas as outras tinha outrora […] tem agora o nome de República ou de corpo político, o qual é chamado por seus membros de Estado […] Quanto aos associados, eles tomam coletivamente o nome de povo e chamam-se em particular Cidadãos, quando participam da autoridade soberana.

Ao tratar de cidadania, o homem médio fruto da educação historicamente direcionada, tratará ordinariamente da titularidade de direitos, olvidando as próprias obrigações, em uma reprodução exata da própria vida perante a sociedade. Deve o cidadão assumir a própria responsabilidade também quanto às falhas do regime no qual está inserido. Por preguiça e conformidade, os cidadãos olvidam seu dever de vigilância e participação na coisa pública. Consequência natural de tal inércia é o fomento de situação de enorme potencial destrutivo. Ainda na lição de Rousseau, (2010, p. 106):

Assim que o serviço público deixa de ser a principal tarefa dos cidadãos, e eles preferem servir com sua bolsa e não sua pessoa, o Estado já está perto da ruína […] Eles nomeiam deputados e ficam em casa. À força de preguiça e de dinheiro, têm finalmente soldados para escravizar a pátria e representantes para vendê-la.

Ora, enquanto partícipes do todo e signatários do contrato social, devem os cidadãos assumir a responsabilidade pela transformação social fática, alinhada aos objetivos listados no art. 3º da Carta Magna.

De modo diverso, não só resta ofendida a plenitude do conceito de cidadania como se torna hipócrita o discurso de exigências por ações governamentais, haja vista ser a representação (parlamentar ou executiva) tão somente extensão e reflexo da própria sociedade. Não pode o cidadão portar-se enquanto titular quando, na essência, ele mesmo não atende à sua parcela de responsabilidade no âmbito da coisa pública. Isto porque "o dever e o interesse obrigam igualmente as duas partes contratantes a se ajudarem mutuamente, e os mesmos homens devem buscar reunir sob essa dupla relação todas as vantagens que dela dependem" (ROUSSEAU, 2010, p. 36). Assim, a inércia de um não pode ser recriminada no outro. O povo é tão vítima quanto algoz dos próprios rumos.

De modo comum, o cidadão inerte atribuirá suas mazelas e fracassos à atuação do governo e suas políticas, ignorando suas ações diante do cenário da própria vida e assumindo a vitimização como pano de fundo da própria história. Contudo, uma sociedade forte não pode ser construída sem a consciência ativa sobre a responsabilidade cidadã, pois "a ordem social é um direito sagrado que serve de base a todos os outros" (ROUSSEAU, 2010, p. 24), razão pela qual devemos enxergar a própria ordem social (e a conscientização a respeito do tema) como pressuposto de todos os direitos da coletividade.

Sabemos que, em termos efetivos, não há como se exigir o cumprimento de deveres pelos que os desconhecem. Assim, como requisito de fortalecimento da democracia e subsistência do próprio Estado, a educação cívica se apresenta, mais uma vez, como assunto de primeira importância.

Ainda que evidente a insatisfação popular, ausente o protagonismo na manifestação de tal insatisfação, qualquer mudança traduzirá nada mais que mera fachada ideológica. Enquanto o popular estiver envolvido em franca ignorância quanto aos direitos e deveres próprios da cidadania, será o direito tão somente letra morta, afinal, "o direito não é um fim em si mesmo, mas instrumento de realização da pacificação, da justiça e de determinados valores escolhidos pela sociedade" (BARCELLOS, 2002, p. 32).

É vital que o povo assuma a efetiva titularidade sobre a coisa pública, desde a concepção dos valores aos quais deverão obediência até sua aplicabilidade. Esse processo passa, indubitavelmente, pela educação, cuja ausência perpetua mitos e imprecisões cancerígenos no seio de nossa sociedade.

 

 

Legitimação viciada do poder no processo eleitoral

 

Na instrução de Alvim (2012, p. 321), "a expressão eleição significa um procedimento para recepção e processamento da vontade popular, a fim de legitimar os detentores do poder político nas democracias representativas". Sendo consenso que a eleição configura canal, nos restringiremos aqui quanto ao modo de utilização deste canal, não sem antes tecer breves comentários acerca do processo eleitoral brasileiro.

Respeitado em todo o globo, o processo eletrônico de votação no Brasil encontra respaldo de todas as representações partidárias do país, bem como a confiança de entidades da sociedade civil, organismos e clubes internacionais, entidades de classe e órgãos de controle e fiscalização. Houvesse comprovado vício no processo, tal fato seria de conhecimento público e notório, haja vista a diversidade da representação política no país e o conflito de interesses entre correntes ideológicas variadas.

Razões para comemorar? Longe disso. Inobstante a confiabilidade do processo eletrônico de votação, há que se considerar que o mesmo nada mais é do que um meio, inócuo em si mesmo sem a existência de competência prévia para operação. Embora o veículo esteja pronto para condução, seu titular ainda desconhece os comandos que o orientam, exercendo-o de maneira constantemente viciada, midiática e culturalmente.

Para que a voz popular seja plenamente respeitada, não podemos olvidar a questão do preparo cívico, afinal, restando ausente uma educação cívica consciente, se torna falsa (embora legítima) a opção depositada nas urnas. Viciada a educação cívica, viciada será, igualmente, a manifestação do voto.

Criada através do Decreto Lei n.º 21.076 de 24 de fevereiro de 1932, a Justiça Eleitoral Brasileira encontra sua estrutura prevista no artigo 118 da Constituição Federal e sua missão consiste em:

velar pelo princípio democrático, na medida em que se constitui como órgão imparcial destinado a garantir a lisura dos mecanismos de renovação periódica do consenso. Imbuída desse espírito, guia-se a Especializada para o resguardo de institutos basilares de nossa organização político-constitucional, como a liberdade para o exercício do sufrágio e a igualdade de oportunidades entre os candidatos. (ALVIM, 2012, p. 59).

Embora tais ensinamentos e previsões nos tragam a clara compreensão quanto à titularidade da Justiça Eleitoral quanto à garantia do livre exercício do direito ao voto ativo e passivo, é imprescindível reconhecer que a verdadeira legitimidade passa pelo processo de escolha consciente dos candidatos, haja vista ser este momento específico o nascedouro da legítima representatividade popular. Reconhecida a deficiência em sede de conscientização cívica para o exercício do voto, em cadeia lógica resta igualmente reconhecido o potencial destrutivo do analfabetismo cívico. Faz-se mister lançar luz sobre o tema, de modo a buscar soluções alternativas que envolvam a efetiva participação da sociedade civil.

 

 

Conclusão

 

Concluímos que promover a educação cívica no país não é apenas obrigação do governo de situação. Com maior propriedade, deve a própria sociedade promover ações semelhantes de modo coeso e coordenado, visando não só promover o exercício consciente da titularidade pública como também promover o controle social das ações de governo. Deve a sociedade posicionar-se pelo cumprimento efetivo da previsão constitucional de modelo educacional direcionado à capacitação do cidadão para o exercício do voto, com foco na educação cívica de base. Tal realidade, contudo, apenas surgirá com uma mudança de atitude da própria sociedade, no sentido de reconhecer-se titular da coisa pública. Até lá resta a esperança de que as pequenas sementes dêem frutos e cresçam rumo à verdadeira revolução: a da consciência.

 

 

Referências Bibliográficas

 

ARISTÓTELES. Política. 5. ed. São Paulo: Martin Claret, 2009. (Coleção a obra prima de cada autor).

ALVIM, Frederico Franco. Manual de Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

BRASIL. Decreto Lei nº 21.076 de 24 de fevereiro de 1932: Disponível em <http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=33626>. Acesso em 24 abr. 2014.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 24 abr. 2014.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. Porto Alegre: LP&M, 2010. (Coleção LP&M POCKET, vol. 631)

nota 01 Técnico Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás.